terça-feira, 25 de agosto de 2015

Crítica - Expresso do Amanhã


Depois de muitos atrasos e adiamentos a ótima ficção científica Expresso do Amanhã do diretor Bong Joon-Ho (de O Hospedeiro) finalmente chegou aos cinemas brasileiros, curiosamente estreando ao lado de outro filme constantemente adiado, o terror Corrente do Mal. A essa altura eu acredito que muito de seu público em potencial já tenha visto o filme por outros meios, mas, bem, antes tarde do que nunca.

A história se passa no futuro quando a humanidade acidentalmente congelou o planeta em uma tentativa de combater o efeito estufa. O que restou da humanidade agora habita um enorme trem, o Snowpiercer, que vive em constante movimento ao redor do globo. Os recursos são escassos e divididos de forma desigual, enquanto os ricos vivem nos espaços amplos da frente do trem, com acesso aos melhores alimentos, todo o restante da população vive apertada nos vagões traseiros comendo apenas as barras de proteína (e a revelação de como são feitas torna tudo ainda mais desumano). Cansado de ser tratado como um indivíduo inferior, Curtis (Chris Evans) decide bolar um plano para tomar o controle do motor do trem, que fica na frente, e assim promover uma revolução no lugar. Para isso contará com a ajuda do seu mentor Gilliam (John Hurt) e seu amigo Edgar (Jamie Bell) e do engenheiro responsável pelo controle das portas, preso pelas autoridades que controlam o trem.

O diretor Bong Joon-Ho consegue manter um ritmo intenso à essa corrida desesperada para chegar à ponta oposta do trem, sempre nos surpreendendo com novos obstáculos e revelações sobre a estrutura social do trem. Chega inclusive a lembrar o recente Mad Max: Estrada da Fúria pelo modo como consegue fazer uma narrativa aparentemente simplória ser carregada de energia e significado. Inclusive, ao contrário do que a premissa dá a entender, não é uma simples e maniqueísta disputa de pobres contra ricos, já que o filme reconhece a complexidade da situação e mesmo o vilão Wilfred levanta pontos válidos sobre a necessidade de mecanismos e estruturas de controle social. Isso não perdoa o fato dele ser um fascista cruel, mas o fato de percebemos que sua loucura parte de ideias racionais e razoáveis ajuda a tornar o personagem mais verossímil e  dar um tom mais ponderado e menos caricato ao filme, diferente das simplificações grosseiras feitas, por exemplo nos filmes de Neil Blomkamp como Elysium (2013) ou Chappie.

As cenas de ação não economizam na brutalidade e no sangue, deixando claras as consequências daqueles embates e que cada confronto é uma insana luta pela vida. O fato de que muitos personagens vão morrendo pelo caminho apenas amplia a sensação de perigo e incerteza, já que vai ficando evidente para nós que a maioria deles não irá sobreviver. Apenas uma sequência de ação decepciona, que é o ridículo tiroteio envolvendo Curtis e um inimigo que atiram um no outro pelas janelas do trem durante uma curva. Além de completamente estúpida, fora do tom mais sério do resto do filme, ainda atrapalhada por uma computação gráfica pouco convincente e pelo fato de que ela termina do jeito que começou e não agrega nada à narrativa.

O filme acerta também no design dos ambientes, que são variados, mas ainda assim coesos, desde a "favela" da parte de trás, passando por um aquário, boates e até mesmo uma sauna. O problema, no entanto, fica pelo modo excessivamente expositivo através do qual o filme nos apresenta este universo, sempre parando para explicar tudo ao invés de permitir que ele se apresente organicamente para nós. Se Mad Max: Estrada da Fúria deixava que as próprias ações dos personagens repercutissem os temas e ideias que fundamentam o seu universo, como a objetificação da mulher, o controle de recursos naturais como forma de dominação ou o uso do radicalismo religioso como ferramenta de guerra, Expresso do Amanhã muitas vezes mastiga aquilo que quer nos passar de modo óbvio, como o momento em que alguém diz 'esse trem é o mundo", deixando mais do clara a metáfora com a nossa sociedade.

Chris Evans carrega com competência o filme, trazendo um personagem movido por boas intenções, mas implacável e pragmático em suas ações ao ponto de deixar um amigo morrer apenas para poder dominar a líder de seus inimigos e conforme vamos conhecendo mais sobre ele vemos que há uma grande medida de vergonha e arrependimento que move sua decisão em liderar a revolução. Já Tilda Swinton aparece como uma mistura entre a Dolores Umbridge de Harry Potter e a estadista Margaret Thatcher com seu cabelo armado e dentes proeminentes e personifica a faceta mais opressiva e radical do lugar, se referindo ao líder Wilfred com um fervor quase que religioso. Jamie Bell aparece pouco, mas traz um bem vindo otimismo a um cenário bastante sombrio.

O Expresso do Amanhã, portanto, acaba se revelando uma intensa e provocativa ficção científica que nos faz pensar sobre sociedade e relações de poder, embalada por brutais cenas de ação e um universo bem construído.

Nota: 8/10

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