Esta
nova versão do Quarteto Fantástico já era motivo de dúvida e apreensão desde
que foi anunciado. Feito com pressa para que pudesse ser lançado
suficientemente rápido para que a Fox
pudesse manter os direitos sobre os personagens no cinema (caso contrário
voltariam para a Marvel), ninguém esperava que pudesse dar certo. A esse clima
somaram-se os muitos boatos de problemas no set envolvendo o diretor Josh Trank
(do ótimo Poder Sem Limites) e de uma
constante intervenção do estúdio. Tudo isso piorou quando foram anunciadas
algumas refilmagens, o que normalmente indica que o estúdio ou o diretor (ou
ambos) não ficaram contentes com o resultado inicial. O tempo passava e pouca
informação era divulgada, o que reforçava a insatisfação dos envolvidos, já que
esse tipo de blockbuster começa a
divulgar imagens e trailers com cerca
de um ano de antecedência. No entanto, o primeiro trailer deste Quarteto Fantástico só foi sair no fim
de janeiro, cerca de sete meses antes de sua estreia.
O
trailer, por sinal, parecia mais uma continuação de Interestelar (2014) do que uma história da primeira família da
Marvel, tanto que depois dele, todos os esforços foram feitos para ressaltar a
natureza "super-heróica" do produto e dirimir os boatos de que o
filme se afastava do cânone dos quadrinhos. O cancelamento das cópias 3D foi
outro indicativo de que as coisas não estavam bem, por mais que o diretor Josh
Trank afirme que foi uma "decisão artística" devido à demora em
finalizar o filme (deixando pouco tempo para a conversão), sabemos que há um
componente comercial na decisão, afinal o estúdio já tinha gasto com as
refilmagens e provavelmente não estava disposto a arriscar ainda mais dinheiro
em um filme que provavelmente não daria a eles o retorno esperado. Sei que me
estendi demais em minha narrativa de bastidores e peço desculpas, mas o
contexto é importante nesse caso e ajuda a entender como este Quarteto Fantástico virou a enorme
bagunça que chegou nas nossas telas.
A
trama se baseia parcialmente na origem do Quarteto Fantástico Ultimate dos
quadrinhos, estabelecendo Reed Richards (Miles Teller) como um jovem gênio
prestes a desenvolver uma tecnologia de teletransporte de matéria ao lado do
melhor amigo Ben Grimm (Jamie Bell). Seu trabalho chama a atenção do professor
Franklin Storm (Reg E. Cathey) que o convida a trabalhar no Instituto Baxter ao
lado de seus filhos Sue (Kate Mara) e Johnny (Michael B. Jordan) e seu aluno
Victor Von Doom (Toby Kebbel). Juntos eles criam um dispositivo de teletransporte
e conseguem viajar para a Zona Negativ...ops, quero dizer, Planeta Zero, uma
mudança feita a troco de nada e mostra que ninguém estava se importando muito
com o que fazia. Enfim, na primeira incursão um acidente acontece e Von Doom
acaba ficando preso no tal lugar enquanto que aqueles que retornam exibem os
poderes que já conhecemos. A partir daí, eles são confinados pelos militares
buscando entender o que aconteceu.
O
início do filme é bastante promissor, estabelecendo bem a personalidade dos
quatro protagonistas e as interações entre eles, além de construir uma
atmosfera de tensão e incerteza conforme a realização do experimento vai se
aproximando. Miles Teller (do excelente Whiplash: Em Busca da Perfeição) acerta com conceber Reed como um sujeito com certa
incompetência social devido à sua grande inteligência, mas cujo carisma e
paixão pela ciência são capazes de inspirar aqueles ao seu redor. Já Kate Mara
concebe Sue como alguém pragmática e direta, ciente de que sua postura pode
soar fria para os demais e é exatamente o seu senso de inadequação que a
aproxima de Reed e tanto ela quanto Teller são hábeis em convocar a atração
sutil que vai surgindo entre eles. Michael B. Jordan exibe aqui o mesmo carisma
que trouxe para Poder Sem Limites
(2012) e acerta na persona impulsiva
de Johnny. Por sua vez, Jamie Bell traz um grande senso de lealdade a Ben, que
acompanha Reed mesmo sem compreender exatamente o trabalho do amigo.
O
tom é de fato mais realista como os trailers davam a entender, mas funciona,
nos faz investir nos personagens e nos riscos que eles correm, o problema é que
depois do acidente que lhes dá poderes o filme simplesmente desanda. O que vem
a seguir é uma narrativa bagunçada e sem foco que parece se tornar refém da
própria atmosfera realista que criou para si e fica incapaz de progredir até
que o filme joga um vilão diante de nós sem qualquer cuidado ou construção,
chegando a um clímax apressado e sem impacto que simplesmente não faz jus aos
personagens.
Durante
boa parte desse miolo, o filme gasta tempo e energia para justificar as
habilidades dos personagens, as funções de seus trajes e os motivos que o
governo tem para mantê-los escondidos. Saímos de um interrogatório, para um
treinamento, para uma reunião de burocratas sem que nada relevante aconteça ou
que o filme exiba qualquer resquício de intencionalidade quanto ao que pretende
com seus personagens e suas indagações sobre ética científica e militarismo
americano. Tudo isso parece caminhar para lugar nenhum, já que não há conflito
ou arco dramático claro, eles apenas são jogados a esmo na tela. Quando o tédio
começa a ficar insuportável, o filme traz Von Doom de volta e este
imediatamente anuncia que irá destruir o mundo e assim passamos de não ter ameaça
alguma para um clímax instantâneo sem nenhuma preparação com o qual fica
difícil se importar.
O
filme também desanda na construção do relacionamento entre os personagens. Se
no início elogiei o cuidado de suas interações, a partir do segundo ato (depois
do acidente) suas condutas parecem variar de maneira completamente aleatória.
Assim, vemos Ben exibir grande mágoa em relação a Reed por ele ter fugido do
complexo militar a que foram confinados e esperamos que o reencontro seja
marcado pela necessidade de que reconstruam a amizade, no entanto assim que Von
Doom ataca eles voltam a ser amigos com uma breve troca de frases, fazendo a
reconciliação soar gratuita e pouco merecida. Do mesmo modo, Ben parece
lamentar sua condição, mas no fim do filme ele passa a abraçar quem é sem que
nada ocorra para provocar sua mudança de atitude. Outra questão é que o filme insiste em falar em que eles são como uma família, mas não vemos essa construção, alguns personagens do grupo como Sue e Ben sequer dividem uma cena juntos até a batalha final por exemplo. Para completar, Von Doom é
praticamente nulo enquanto personagem, sendo apenas mais um vilão genérico com
desejo de destruição global.
O
fato da obra continuar tentando estabelecer uma lógica realista mesmo depois do
acidente jogar tudo num domínio mais fantástico e fantasioso também acaba
depondo contra a narrativa. Cada vez que ele tenta explicar a ciência que
envolve os poderes ou uniformes dos personagens, ele apenas nos faz questionar
ainda mais os eventos ao invés de nos fazer embarcar neles. Chega a ser
esquisito, inclusive, as tentativas de explicar, por exemplo, porque o Coisa
não tem um traje, afinal o filme nos pede para acreditar num homem de pedra (e
não há nada errado nisso), mas a ideia um homem de pedra usando calças lhe soa
absurda e inaceitável. Com isso o coitado do Coisa acabou virando eunuco, já
que ele não ia poder ficar andando por aí peladão balançando uma enorme piroca
de pedra. Aliás, ele precisa ir ao banheiro? Ele tem ânus? Ele precisa comer?
Se ele não come, como se sustenta? Ele tem órgãos internos? Todas essas
perguntas poderiam ser ignoradas se o filme abraçasse o absurdo que é ser um
homem de pedra, mas ao insistir em pedir que o vejamos de modo "realista",
acaba nos levando a mais indagações sobre essa "realidade". Nem mesmo
o sisudo O Homem de Aço (2013) se
arriscou a dar qualquer explicação para o poder do personagem que fosse além da
tradicional "radiação do sol amarelo", justamente por saber que não
há uma maneira convincente de explicar como alguém voa ou dispara fogo pelos
olhos.
Como
um todo, a produção também é bastante irregular. A cor do cabelo da Kate Mara
muda de uma cena para outra (certamente fruto das muitas refilmagens) e o mesmo
acontece com a voz do Coisa que a cada cena parece soar diferente, as vezes
mais grave, outras mais próximas da voz normal de Jamie Bell. Os efeitos
especiais também são inconstantes, embora o Coisa seja bastante crível, os vôos
de Sue em seus campos de força e boa parte do cenário digital do clímax parecem
incrivelmente artificiais. O visual do Dr. Destino parece um design rejeitado de monstro para alguma
ficção-científica de baixo orçamento. A única cena de ação do filme acontece no
fim e ela é desprovida de intensidade, energia ou mesmo criatividade.
No
fim, Quarteto Fantástico é um produto
que nunca diz a que veio ou para quem se dirige. Ele se distancia dos
quadrinhos o suficiente para não agradar os fãs do material original, é lento e
arrastado demais para aqueles que buscam uma aventura pipoca descartável e é
superficial demais para quem está em busca de uma obra mais séria. Uma pena,
pois o começo e o elenco eram realmente promissores e eu torci para que as
coisas engrenassem e dessem certo, mas com uma produção tão problemática era
difícil sair uma obra coesa e bem lapidada. Embora não seja tão terrível quanto
as duas atrocidades cometidas pelo diretor Tim Story, a primeira família da
Marvel merecia algo melhor, mas ainda não foi dessa vez.
Nota:
4/10
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