Não
é de hoje que fronteira entre Estados Unidos e México é retratada como um lugar
brutal e quase que sem lei pelo Hollywoodiano, desde a era de ouro dos westerns passando por produções mais
recentes como Onde os Fracos Não Tem Vez
(2007). A imoralidade das práticas governamentais de combate ao crime também é
algo que tem aparecido muito em filmes como A Hora Mais Escura (2013), do mesmo modo que a ética cinzenta dos
profissionais que convivem constantemente com isso já tinha sido tratada, por
exemplo, em obras como Miami Vice
(2006). Este Sicario: Terra de Ninguém
continua a trabalhar essas ideias e, embora não traga nada de novo, funciona
pela condução de Denis Villenueve.
A
trama acompanha a agente do FBI Kate Macy (Emily Blunt) que durante uma
operação de resgate de reféns descobre mais de quarenta corpos escondidos na
parede de uma casa. Ela é então abordada pelo espião Matt (Josh Brolin) que lhe
diz que seus métodos não surtem efeito no crime organizado e que se ela quiser
fazer algo definitivo, deve acompanhá-lo ao México, juntamente com o misterioso
Alejandro (Benicio del Toro), para levar a luta diretamente aos chefões. Claro
que nem tudo está dentro da lei e eles agem de modo tão brutal quanto os
criminosos que combatem e isso põe em xeque a visão de mundo de Kate.
O
problema é que o roteiro se limita a exibir para nós os desmandos brutais das
autoridades dos Estados Unidos e como isso não apenas não resolve como
contribuiu para a manutenção de um eterno ciclo de violência. Tudo isso já foi
abordado antes à exaustão pelo cinema e este filme não oferece nenhum novo insight ou abordagem em relação a isso e
ainda pior, age como se estivesse descobrindo isso pela primeira vez e nos
revelando algo que até então não sabíamos, falhando em perceber o quão
tradicional é o seu conto sobre uma jovem agente da lei, que descobre os
expedientes sórdidos através dos quais o Estado combate o crime. Na verdade,
ocorre aqui o mesmo que aconteceu em seu Os Suspeitos (2013) no qual sua direção consegue elevar o filme acima do banal
de seu texto, embora paradoxalmente pareça certo de que está sendo altamente
inovador.
Se
o texto não sai do lugar comum, a condução de Villenueve pelo menos consegue
manter o suspense em alta. Na carreata inicial ao México, a câmera vai aos
poucos nos mostrando os corpos expostos nas ruas enquanto ouvimos o som de
tiros à distância e vamos cada vez mais tendo a certeza de algo irá dar muito
errado, uma sensação que atinge níveis insuportáveis quando o comboio fica
preso em um engarrafamento logo depois da fronteira. A invasão final também é
incrivelmente bem executada, em especial o modo como o diretor trabalha o
contraste entre luz e sombra e utiliza as lentes de visão noturna para nos
colocar dentro da ação. O clima de tensão é auxiliado pela música, que se
mantém discreta, mas sempre grave e desconcertante. Além disso, alguns dos
planos concebidos pelo diretor encantam simplesmente pela beleza, a cena em que
os agentes caminham na contraluz ao crepúsculo parece uma pintura.
Emily
Blunt convoca bem a retidão da personagem, bem como a postura rígida que ela
assume para se impor em um ambiente cheio de homens e testosterona. Acerta
também em sua transformação conforme as inseguranças que se plantam em sua
mente conforme ela se aprofunda nesse submundo de operações clandestinas
chanceladas pelo Estado. Um momento particularmente eficiente é quando ela cede
às suas carências e solidão e leva um homem para casa, apenas para se dar conta
de que ele trabalhava para os cartéis.
Apesar
do trabalho de Blunt, não consegui deixar de sentir que a personagem vai
perdendo cada vez mais força conforme o filme avança, primeiro porque fica
difícil crer na ingenuidade dela em insistir em acompanhar Matt e Alejandro mesmo
reprovando completamente suas ações. A segunda coisa é que também é difícil
crer que alguém consiga passar por tudo aquilo sem nem perder um pouco de sua
humanidade, não dá para mergulhar nas trevas sem trazer um pouco de escuridão
de volta em si e, no entanto, a cena final entre ela e Alejandro mostra que ela
ainda é a mesma pessoa e fica difícil aderir a um personagem que se mantém o
mesmo ao longo de uma narrativa inteira. Por fim também incomoda sua natureza
passiva em relação a tudo que acontece ao seu redor, já que ela nunca consegue
nenhuma resposta por si mesma e precisa ser constantemente auxiliada pelos
colegas e acaba se tornando uma coadjuvante em sua própria história.
Benício
del Toro acaba roubando o filme para si com um personagem intenso e misterioso,
um homem implacável e ao mesmo tempo terrivelmente traumatizado. Se não fosse o
trabalho del Toro a revelação a respeito do personagem no terceiro acabaria
decepcionando por ser tão clichê, mas sua composição nos faz aderir ao
personagem, mesmo sendo uma jornada altamente familiar.
No
fim, Sicario: Terra de Ninguém não é
a novidade que pensa ser ao trazer um olhar já conhecido sobre as práticas
amorais de combate ao crime organizado, mas eleva-se acima do lugar comum
graças ao apuro de Villenueve e ao trabalho de Emily Blunt e Benicio del Toro.
Nota:
6/10
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