Depois
da questionável decisão de dividir o terceiro e último livro da saga Jogos Vorazes em duas partes (o livro
não é tão longo assim, diferente, por exemplo de Harry Potter e as Relíquias da Morte) e de uma primeira parte arrastada
que parecia fazer todo esforço possível para não levar a trama adiante, este
capítulo final consegue encerrar a franquia de modo bastante digno, apesar de
alguns probleminhas aqui e ali.
Começando
praticamente no ponto em que o filme anterior parou, com Katniss (Jennifer
Lawrence) se recuperando depois do ataque de Peeta (Josh Hutcherson), que
aparentemente sofreu algum tipo de lavagem cerebral durante seu cativeiro na
capital de Panem. Com o agravamento da guerra, Katniss decide que ela mesma
deve ir até a capital para eliminar o presidente Snow (Donald Sutherland), mas
Alma Coin (Julianne Moore), líder da revolução, parece ter seus próprios planos
para Katniss.
O
filme acerta no clima sombrio, carregado de desesperança e desencanto,
transmitindo todo o peso que aquela guerra e derramamento de sangue causam na
protagonista. Assim como nos filmes anteriores, este último capítulo continua a
tratar como uma guerra não se faz somente em um nível físico, mas também
retórico, com ambos os lados construindo seus discursos de modo a demonstrar
sua superioridade moral sobre o adversário, tentando assim angariar o maior
número de apoiadores possível e desestabilizar o inimigo.
A
trama também vai trabalhando como a guerra nos obriga a ver o inimigo não como
igual, mas como um "outro", como uma coisa ou objeto, e como tal é
possível matar essas pessoas, já que o inimigo não é um ser humano como eu.
Isso fica terrivelmente claro na cena em que Gale (Liam Hemsworth) diz que não
tem nenhum problema em matar os civis presentes em uma instalação inimiga, já que
o fato de estarem com o adversário automaticamente lhes retira qualquer
consideração que se possa dar a outra pessoa. Aqui não há glória ou heroísmo na
guerra, apenas um ciclo interminável de incitação ao ódio a violência que tende
a se repetir.
É
interessante perceber como a capital de Panem, antes marcada por cores, luzes e
opulência, é agora um lugar completamente cinza e sem vida, tal qual um imenso
deserto de concreto e como tudo é tomado por sombras e escuridão. Aliás, como
muito do filme se passa em ambientes escuros e com cores pouco saturadas, vê-lo
em 3D acaba prejudicando bastante a experiência, já que as lentes dos óculos
obscurecem ainda mais nossa visão, tornando alguns momentos praticamente
incompreensíveis. Apesar dos problemas do 3D, as cenas de ação são muito bem
executas e bastante tensas, principalmente porque o filme não tem reservas em
despachar os personagens quando a situação se torna muito difícil, evidenciando
a natureza cruel e brutal da guerra.
Jennifer
Lawrence continua a construir Katniss como uma heroína extremamente
interessante, que tenta fazer o melhor que pode ao mesmo tempo em que tem
sérias dúvidas se está fazendo a coisa certa. Feroz em alguns momentos, cheia
de compaixão em outros, desencantada em mais alguns, Lawrence nos faz crer no
turbilhão vivenciado pela personagem, que sente todo o peso que recai sobre
seus ombros ao desempenhar o papel de "ícone" da revolução. Enquanto
isso Julianne Moore vai aos poucos tornando cada vez mais visível a frieza e a
sede de poder de Coin, que parece cada vez mais preocupada em garantir sua
posição de governante do que libertar Panem da opressão de Snow.
Já
Philip Seymour Hoffman, que lamentavelmente faleceu antes de completar todas as
suas cenas no filme, confere uma conduta bastante pragmática, mas não
necessariamente inescrupulosa, ao seu Plutarch Heavensbee, algo que fica claro
pelo discreto sorriso que dá ao ver Katniss disparar sua flecha contra um alvo
inesperado, como que reconhecesse a decisão acertada da heroina. Assim,
percebemos que ele não estava ali apenas para conseguir uma posição de poder,
mas tinha um interesse real na melhora da situação. È uma pena, portanto, que
acabe aparecendo pouco e o filme precise recorrer a algumas
"gambiarras" para contornar sua ausência, fazendo algumas cenas
soarem incomodamente expositivas com os personagens narrando aos outros as
palavras de Plutarch, ao invés de tê-lo em cena falando por si mesmo.
Logicamente isso é algo que não se pode deixar pesar em uma avaliação do filme
por se tratar de um problema quase que impossível de resolver e apenas
evidencia a falta que faz o talento de Hoffman.
A
fita, no entanto, não é livre de problemas, já que assim como o anterior também
sofre com um ritmo irregular, muitas vezes prolongando momentos que poderiam
ser facilmente resolvidos apenas para alongar a projeção e justificar a divisão
em dois filmes. Derrapa também na resolução simplista e demasiadamente rápida
ao conflito que se desenha nos últimos minutos, que acaba também indo de
encontro ao tom sóbrio e desencantado que marcou a franquia. Não quero dar
muitos detalhes, mas acho difícil crer que, com a ausência das principais
figuras de liderança, as coisas não descambaram para o caos generalizado,
disputas internas ou mesmo guerra civil e ao invés disso todo mundo
simplesmente concordou imediata e pacificamente em decidir a situação daquela
maneira, principalmente quando temos um grupo social altamente privilegiado (os
habitantes da capital) em vias de perder todas as suas benesses. Sei que a
conclusão tal qual acontece era algo previsto e inevitável, mas ela parece vir
fácil e rápido demais em relação a tudo que a saga construiu. Talvez eu seja
demasiadamente cínico ou tenha pouca fé na humanidade, mas não vejo como a
população da capital iria abrir mão de seus luxos sem protestar. È possível que
isso seja melhor resolvido e explicado nos livros, mas um filme, mesmo uma
adaptação, precisa se sustentar por conta própria, sem precisar a consulta a
fontes secundárias.
Isso,
no entanto, não tira o mérito deste Jogos
Vorazes: A Esperança - O Final, que nos mostra como as disputas de poder
nem sempre se resumem a simples embates entre bem e mal, apresentando um
desfecho bastante digno à jornada de Katniss Everdeen.
Nota: 7/10
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