Depois
de chamar a atenção com o lírico e sensível Elena,
a diretora Petra Costa junta esforços com a cineasta Lea Glob para construir um
cuidadoso estudo das relações entre um casal durante o período da gravidez.
Acompanhamos Olivia (Olivia Corsini),
uma atriz que ensaia com seu marido, o também ator Serge (Serge Nicolai), uma
montagem da peça A Gaivota de
Chekhov. Seus planos, no entanto, são modificados com a descoberta de uma
inesperada gravidez que acaba apresentando riscos e a obriga a ficar de repouso
em casa durante boa parte do período da gestação.
A
obra borra as fronteiras entre a ficção e o documentário ao acompanhar a
gravidez real da atriz Olivia Corsini ao mesmo tempo em que ela e o marido
estão interpretando versões ficcionalizadas de si mesmos em cenas claramente
roteirizadas. Claro que muitas das angústias e conflitos entre os dois
certamente emergiram das vivências reais do casal, mas também fica evidente
desde a primeira cena em que Olivia descobre a gravidez e há uma câmera dentro
do banheiro com ela e outra do lado de fora filmando o marido que estamos
diante de algo encenado.
As
tensões entre real e ficção são tão presentes que me pergunto se os dois
interlúdios de intervenção das diretoras, na qual elas conversam com os atores
sobre o que acabou de acontecer, são realmente necessários. Esses momentos
acabam truncando o fluxo da narrativa a troco de, bem, a troco de nada, uma vez
que a flutuação entre relato documental e ficcional é uma marca tão evidente da
obra de modo que registrar as intervenções da diretora é apenas atestar o
óbvio.
De
todo modo, o longa faz uma construção cuidadosa e poética dos diferentes
sentimentos que passam pela mente de Olívia, muitas vezes intercalando sua fala
com imagens de seu arquivo pessoal ou outras imagens que buscam evocar aquilo
que ela experimenta e imergem o público em seu estado emocional. Nesse sentido,
é louvável a coragem de Olivia em se expor e expor seus sentimentos dessa
forma, já que por mais que sejam roteirizados, certamente foram concebidos a
partir de coisas que ela verdadeiramente experimentou durante o período e de
conflitos que ela provavelmente teve com o marido que, como qualquer homem, não
consegue compreender plenamente o que está se passando com a esposa.
Do
mesmo modo, é inteligente ao evitar um retrato demasiadamente
"glamourizado" da gestação, que muitas vezes é apresentada pelo
cinema como uma espécie de conto de fada, no qual os problemas são diluídos e
as mulheres parecem sempre plenamente realizadas por estarem em vias de se
tornarem mães. Aqui Olívia tem muitos momentos de dúvida, de desconforto e até
mesmo de rejeição ao bebê que cresce em seu corpo, algumas vezes se referindo a
ele como alienígena que suga sua energia, mostrando com naturalidade e
sinceridade que esse não é o mar de rosas que normalmente se diz e que a
maternidade não é algo inato na mulher, como se isso fosse a razão única e
definitiva de sua existência, mas algo que ela se torna, que vai construindo em
si aos poucos a partir da sua relação com sua progênie.
Olmo e a Gaivota se mostra, portanto, um estudo sincero e poético da
relação entre um casal e das experiências que ambos, mas em especial a mulher,
passam durante o período da gestação.
Nota:
8/10
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