Tenho que confessar que já estava começando a perder a fé na capacidade do cinema nacional em produzir comédias, já que as recentes incursões ao gênero, como O Concurso, Giovanni Imporotta e Se Puder…Dirija! (que estreia também nesta semana) se revelaram incrivelmente repetitivos, preguiçosos, completamente presos a esse formato Globo Filmes/Zorra Total, além de fundamentalmente sem graça. Assim sendo, é bom que tenha aparecido um filme como a produção cearense Cine Holliúdy para mostrar que criatividade e personalidade ainda é possível para o cinemão comercial brasileiro do gênero da comédia.
A história se passa no interior do Ceará na década de 70, período no qual a televisão apenas começava a chegar na região e com isso afastava as pessoas dos pequenos cinemas de interior. O protagonista, Francisgleydisson (Edmilson Filho) é dono de um pequeno cinema e tem a difícil missão de manter seu negócio como opção de entretenimento, mesmo que precise ele mesmo se colocar diante da tela.
O filme olha com saudosismo para uma época mais simples e ingênua onde bastava uma simples cena de luta ou um beijo romântico para envolver a audiência. Durante todo o filme os personagens falam e lamentam o gradual fim dos parques e circos itinerantes que pipocavam pelas pequenas cidades do nordeste. O cinema é visto sob este viés pueril de um gerador de sonhos, cuja principal preocupação não deveria ser efeitos especiais ou grandes astros e sim o encantamento.
Encantamento este que o filme é bastante hábil ao produzir ao se manter sincero ao seu universo e aos personagens. Diferente da grande maioria das comédias nacionais, os diálogos fluem com naturalidade, mesmo com a profusão de regionalismos quase que ininteligíveis para pessoas de fora do Ceará (como eu).
Em nenhum momento essa fala incrivelmente particular deste povo neste momento do tempo soa forçada ou como uma tentativa de gerar bordões ao estilo Praça é Nossa, mas como falas naturais e típicas daquela população. É justamente essa autenticidade deste universo e das pessoas retratadas do filme a maior qualidade do filme, as situações cômicas ocorrem com naturalidade, como que refletissem o cotidiano daquele lugar, sem soar gratuito ou forçado (embora isso aconteça uma vez ou outra). É essa sensação de verossimilhança que dá ao filme um charme particular, elevando-o da mesmice das comédias brasileiras.
Entretanto, o filme é tão calcado em seu “cearensês” que usa legendas que a todo tempo traduzem e tornam compreensível a fala de cadência rápida e cheia de expressões regionais que devem soar demasiadamente estranhas aos não acostumados. Por ser um reflexo tão específico de uma cultura local, temo que o filme dificilmente se conecte com audiências fora do nordeste, em especial do sul e do sudeste, não que isto seja um defeito da obra, claro.
A estrutura do longa é bem semelhante às antigas chanchadas, misturando elementos do cinema internacional, nesse caso os filmes orientais de artes marciais, com a cultura local. Essas escolhas se veem bem na música, que pega referências tanto do brega quanto trilhas de filmes famosos como Tubarão(1975).
Apesar disso, o filme tem seus problemas, em especial algumas cenas bastante soltas, que parecem colocadas apenas para fazer rir, mas sem se relacionar à trama principal, fazendo o filme soar um pouco episódico e descontínuo. Outro problema é que o filme perde parte de seu fôlego próximo ao final quando Francisgleydisson finalmente inaugura seu cinema. Neste momento o filme se limita a mostrar as reações dos personagens da cidade à tosqueira violenta dos filmes de artes marciais exibidos, não deixa de ser engraçado ou autêntico, mas fica cansativo depois de um tempo.
Cine Holliúdy é um filme exatamente igual aos exibidos pelo protagonista, pode ser meio problemático e difuso, até mesmo um pouco mambembe, mas há um charme, uma sinceridade, uma alma que lhe é tão própria, tão autêntica e singular, algo em falta nas comédias nacionais recentes, que é difícil não se deixar conquistar por ele.
Nota: 7/10
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