sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Crítica – Obsessão

As questões de preconceito e desigualdade social são caras ao diretor Lee Daniels, ele deixou isso claro no trágico Preciosa (2009) e volta a todas essas temáticas neste Obsessão, adaptação do romance The Paperboy (título original do longa) escrito por Pete Dexter. A diferença é que aqui esses temas são diluídos por um tratamento superficial e uma trama bastante difusa e não fossem as performances sólidas de seu elenco, o filme certamente descambaria para um melodrama frouxo e banal.

O filme começa com a governanta Anita (Macy Gray) dando uma entrevista sobre os eventos que presenciou numa casa em que trabalhava no fim dos anos sessenta e que motivaram Jack, o filho do patrão, a escrever um livro, colocando-a na dedicatória na obra. A partir daí, a obra nos mostra os eventos ocorridos em uma cidade da Flórida, quando Jack (Zac Efron) acompanhou o irmão jornalista Ward (Matthew McCounaghey) e seu colega Yardley (David Oyelowo) enquanto investigavam o caso de Hillary Van Wetter (John Cusack), que pode ser sido condenado à morte injustamente pelo assassinato de um delegado. Os dois tem a ajuda de Charlotte (Nicole Kidman) uma solteirona que seu apaixonou por Van Wetter através de um diálogo travado apenas por cartas enquanto este se encontrava preso. Ao mesmo tempo, Jack começa a se apaixonar por Charlotte, um sentimento que pode trazer problemas para todos.

É interessante ver o cuidado dos atores em suas composições, McCounaghey continua sua série de boas interpretações como a apresentada em Killer Joe: Matador de Aluguel (2013) ao compor Ward como um sujeito obstinado em corrigir injustiças e expor a verdade, mas que esconde um sofrimento pessoal sob sua fachada idealista e cicatrizes na face. Do mesmo modo, John Cusack, costumeiramente habituado a interpretar sujeitos que apresentam algum grau de simpatia, se entrega aqui à construção de um tipo incrivelmente detestável, instável e cheio de maneirismos animalescos. Fechando o trio principal temos Kidman, que constrói Charlotte como uma mulher solitária, pouco inteligente e que há muito aprendeu a usar o sexo como arma, mecanismo de defesa e moeda de troca.

Além destes, os coadjuvantes Gray e Oyelowo ajudam a demonstrar modos diametralmente opostos de como trabalhadores negros tentam se impor e manter sua dignidade no ambiente altamente racista do sul dos Estados Unidos na década de 60, enquanto Gray se apresenta de modo discreto, impassível e altivo, Oyelowo apresenta Yardley como um sujeito altamente orgulhoso e presunçoso de modo a não dar abertura para que ninguém lhe questione.

Assim sendo, é curioso que apesar de tantas figuras interessantes e bem construídas, o filme decida focar e acompanhar menos interessante. Não é exatamente culpa do ator Zac Efron, já que Jack, afora sua paixão por Charlotte, é praticamente um agente passivo de tudo que ocorre, observando, mas raramente agindo. Assim, há pouco com que Efron possa trabalhar, embora demonstre carisma e confiança. Isso melhora apenas quando o filme vai se aproximando do fim e o foco no personagem começa a se justificar.

Dito isto, temos o problema dos eixos temáticos. Como pôde ser percebido na minha fala sobre os personagens, há um componente de questão racial no filme, mas esta é tratada de modo superficial, descolada da trama principal (a investigação acerca de Hillary), surgindo mais como um pano de fundo ou contexto histórico do que um tema a ser desenvolvido de modo a produzir alguma reflexão. De certo modo é como se Daniels apenas apontasse sua câmera e nos dissesse “olhem como eram as coisas nesse período, olhem como as pessoas eram racistas”, sem nunca ir além de apenas olhar e mostrar. Em determinado momento o filme também tenta tratar do preconceito contra homossexuais, mas o faz em uma única e pontual, embora brutal, cena que nunca repercute conforme a trama avança e o filme nunca retorna ao tema, assim essa intervenção acaba soando mais como um desnecessário desvio narrativo do que algo capaz de agregar valor e significado à obra. A sensação é que os realizadores tentaram colocar no filme o máximo de elementos possíveis do livro, mas neste ímpeto acabaram dando a eles um tratamento superficial e pouco satisfatório, teria sido melhor suprimir algumas passagens e manter a narrativa mais focada e coesa.

O mais grave, entretanto, é mesmo a abordagem à pena de morte, pois se no início do filme ela é apresentada como algo indigno, injusto e excessivamente violento mesmo para um homem culpado através da fala de Ward, no final o filme parece justificar e endossar a aplicação da pena capital como algo plenamente viável, a sensação é que o filme termina nos dizendo “viram só? Algumas pessoas merecem mesmo a execução”. Com isso não quero dizer que uma opinião está errada e a outra certa, tampouco que uma é mais válida ou defensável que a outra, apenas aponto aqui a incoerência de começar com um discurso e terminar com outro.

A opção por colocar a personagem Anita como narradora também se revela uma opção bastante problemática. Em alguns momentos ela serve para preencher lacunas entre uma cena e outra, como se a personagem contasse algo que soubesse, mas não tivesse presenciado de modo que o filme não pode reconstruir estes fatos para nós por ela não ser capaz de descrever exatamente como estes aconteceram, dando apenas linhas gerais de ação. Já em outros ela descreve algo que não presenciou, mas que o filme mostra mesmo assim, apesar da incompletude do relato, tornando o funcionamento do mecanismo em algo confuso e cujo funcionamento não segue um critério bem delimitado. Além disso, há momentos em que a narração é bastante redundante contando aquilo que os personagens já nos revelaram através de suas ações, como quando fala dos “problemas de abandono” de Jack em relação à mãe e como isso teria motivado sua paixão por Charlotte.

A direção também se apresenta irregular, alternando entre boas sacadas e intervenções com arroubos estilísticos que nada acrescentam. A fotografia, por exemplo, com suas cores saturadas ajuda a construir e sentir com eficiência a ambientação do calor causticante da Flórida. A montagem é bem utilizada em uma cena de sexo, alternando as imagens dos personagens com a de animais copulando, revelando a bestialidade e selvageria do ato. Por outro lado, temos os inúteis jump-cuts na cena em que Jack vai ao apartamento de Ward e também as desnecessárias intervenções de montagem na cena em que Jack nada no pântano para fugir de Hillary, contrapondo seu nado no pântano com a piscina que ele costumava nadar, sendo que o filme já o tinha estabelecido como competente nadador. Claro, poderia ser uma tentativa de contrapor a tensão que ele sentia naquele momento, com a tranquilidade enquanto nadava na piscina, mas é uma informação, a este ponto do filme, irrelevante e que pouco adiciona à experiência, tanto no aspecto narrativo quando no sensorial e afetivo.

Assim sendo, Obsessão é um filme com muitas boas intenções que lamentavelmente nunca chegam a se concretizar, se perdendo em uma trama difusa e uma direção irregular que dilui a força de sua narrativa, felizmente temos um elenco que entrega boas performances, segurando a onda frente os demais problemas.


Nota: 5/10

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