Parece
estranho, talvez até exagerado, ter mais uma biografia de Steve Jobs quando
outra foi lançada ainda em 2013. Por
outro lado, o péssimo Jobs (2013)
era mais uma hagiografia do que uma biografia, endeusando seu objeto enquanto
condescendentemente aliviava suas falhas e aderia acriticamente ao seu
discurso. Nesse sentido, o lançamento deste Steve
Jobs parece trazer a chance de finalmente termos uma biografia minimamente
interessante do fundador da Apple, principalmente se lembrarmos que a última
vez que o roteirista Aaron Sorkin se debruçou sobre um gênio precoce e
egocêntrico, o resultado foi o excelente A
Rede Social (2010), um dos filmes que melhor define a geração atual.
Ao
invés de um relato biográfico mais abrangente, o texto concebido por Sorkin e
dirigido por Danny Boyle (cujo último filme foi Em Transe) se concentra em três lançamentos de produtos que servem
como síntese das diferentes fases da vida de Steve Jobs (Michael Fassbender).
Primeiro acompanhamos o lançamento do Macintosh em 1984, depois a aposta no
NeXT e, por fim, o sucesso do iMac em 1998. Em cada um desses momentos
acompanhamos o protagonista nos bastidores enquanto todo tipo de crise parece
se desenrolar e ele precisa lidar com seus empregados, sócios, acionistas e a
filha que insiste em rejeitar.
Fica
claro desde o início que esses incidentes não ocorreram na vida real e que Jobs
não encontrava todas pessoas significativas em sua trajetória nos principais
momentos de sua vida, sendo tudo isso um artifício dramático de Sorkin para
manter o texto coeso enquanto tenta entender a complicada figura de Jobs e como
ele se relacionava com aqueles a seu redor. Talvez aqueles que buscam uma maior
fidelidade factual com a vida do biografado fiquem um pouco decepcionados com a
natureza altamente ficcionalizada desta narrativa. No entanto, o fato de que
provavelmente nada disso aconteceu não detém o texto de alcançar insights bastante interessantes e
possivelmente verdadeiros (as chamadas "verdades emocionais") sobre quem era Jobs, suas contradições, suas
influências, motivações e traumas, principalmente quando a biografia anterior,
que se prendia muito mais no factual, mas sequer começava a tentar compreender
quem era a figura que estava retratando.
Michael
Fassbender está em cena durante praticamente toda a projeção, já que cada cena
é um embate entre Jobs e alguém de sua vida, do amigo Steve Wozniak (Seth
Rogen) que exige reconhecimento, ao engenheiro Hertzfeld (Michael Stuhlbarg)
que é objeto constante da ira perfeccionista de Jobs, passando pela instável
Chrisann (Katherine Waterston de Vício Inerente) que é mãe de Lisa, a filha que o protagonista parece rejeitar ou
sua gerente de marketing Joanna
Hoffman (Kate Winslet) que constantemente age como uma "voz da razão"
tentando humanizá-lo. A aceitação de Lisa como filha, no entanto, é o principal
arco a ser percorrido pelo protagonista.
Fassbender
transita com muita segurança em cada um desses implacáveis embates verbais,
concebendo Jobs como um homem de extremo foco, mas autocentrado ao ponto de
desprezar qualquer outra coisa além de suas próprias criações, mais que isso, a
conduta de Fassbender mostra como suas criações são um reflexo dele próprio,
sistemas fechados incapazes de serem acessados por outros e incompatíveis com
todo resto. Por outro lado, também faz de Jobs um sujeito bastante vulnerável,
cujos traumas do passado contribuíram para torná-lo isolado como é. Outra razão
para seu Jobs funcionar tão bem é a qualidade dos coadjuvantes, que sempre se
mostram oponentes à altura ao mesmo tempo em que o texto evita maniqueísmos ao
nunca reduzir nenhum deles a "bom" ou "mau". A catarse ao
fim, porém, reaproximando Jobs da filha, parece vir rápido demais com uma breve
conversa aparentemente resolvendo anos de conflitos não tratados.
O
diretor Danny Boyle, famoso por narrativas cheias de energia e invencionices
visuais conduz as coisas de modo mais discreto, consciente da força do texto
que tem. Ainda assim, confere grande ritmo e fluidez ao filme, que poderia
facilmente soar estático ou enfadonho pela onipresença de diálogos e pelo pouco
que efetivamente acontece. O diretor ainda opta por sutilmente alterar o
formato a cada um dos segmentos indo do granulado 15mm nas cenas de 1984 para o
35mm em 1988 ao HD digital das cenas em 1998, refletindo as transformações
tecnológicas que ocorreram. Acerta também na música, que mistura orquestra e
tons eletrônicos, se mantendo constante, quase que emulando o raciocínio
incessante e vigoroso do protagonista, mas sem se intrometer demais na ação.
No
fim das contas este Steve Jobs
consegue trazer um olhar interessante e ritmo intenso à complexa e
controversa figura do fundador da
Apple, engrandecido pelo trabalho preciso de Michael Fassbender.
Nota:
8/10
Trailer:
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