Com tanta reverência em torno de sua figura, é de espantar que Walt Disney até hoje não tenha sido retratado em um filme produzido pelo estúdio com seu nome. Na verdade este Walt nos Bastidores de Mary Poppins é muito mais sobre P. L. Travers, a criadora de Mary Poppins, do que o próprio Disney, mas ainda assim é a primeira vez que um filme aborda eventos da vida do dono do estúdio, trazendo-o como um dos personagens.
A trama acompanha o processo de produção do filme Mary Poppins(1964) e as dificuldades de Walt Disney (Tom Hanks) em convencer Travers (Emma Thompson) a vender os direitos de sua obra para a realização do filme. Altamente protetora, a autora discorda de praticamente tudo que o dono de estúdio lhe propõe para o filme e mesmo com todas as tentativas de Disney, dos roteiristas e compositores, a escritora parece inflexível em ceder a personagem e suas razões vão sendo desnudadas conforme o filme progride.
Os flashbacks da infância de Travers se revelam um recurso bastante irregular do filme. Por um lado temos uma ótima performance de Colin Farrel como o banqueiro pai da escritora e como seu trabalho vai aos poucos dando indícios de sua decadência devido à bebida. Parecendo inicialmente um pai bastante ligado às filhas, brincando e contando histórias, vamos percebendo que seus contos imaginativos são fruto de um escapismo nem um pouco saudável que acaba se transformando em alcoolismo. Por outro lado, muitas vezes os flashbacks são usados apenas para revelar um paralelismo entre a Travers do presente e do passado, tentado demonstrar, de maneira rasteira e óbvia, que por trás de sua rigidez ela continuaria aquela mesma menina triste querendo agradar o pai. Além disso, esses usos despropositados acabam quebrando o ritmo da narrativa.
Por sua vez, Tom Hanks e Emma Thompson entregam ótimas atuações que ilustram bem o conflito de personalidade entre Disney e Travers. Enquanto o dono de estúdio é bastante informal, caloroso e espalhafatoso, Travers é contida, mal-humorada e demasiadamente formal. O conflito entre ambos fica claro pelo modo como se tratam, enquanto Disney chama a escritora pelo primeiro nome, deixando-a irritada pelo seu coloquialismo, Travers insiste em se referir a ele como Sr. Disney, algo que o incomoda por sua rigidez. Há ainda um bom trabalho de Paul Giamatti como o motorista de Travers que tem um papel pequeno, mas fundamental e ajudar a revelar uma faceta menos amargurada da escritora.
O filme ganha pontos por evitar assumir uma postura maniqueísta, já que poderia facilmente transformar qualquer um dos dois protagonistas em vilão da história, mas os trata como indivíduos com motivações conflitantes, embora também, cada um a seu modo, tenham se refugiado em mundos fantásticos para reparar traumas de infância. Outra decisão acertada é a de não ser um retrato “chapa branca” de Disney, revelando um lado menos positivo dele que nos lembra que ele também era um empresário bastante pragmático, como vemos em sua decisão envolvendo Travers e a estreia de Mary Poppins e também o fato da escritora não ter permitido que suas demais obras fossem adaptadas. Por ser um filme da própria Disney, temi que estes e outros aspectos que mostram facetas negativas da personalidade de Walt ou da história ficassem de fora para que se pintasse um retrato acrítico que apenas celebraria a obra do estúdio e seu criador.
Walt nos Bastidores de Mary Poppins é uma bela, emocionante e nostálgica jornada pela produção de um dos clássicos do estúdio que desnuda as personalidades conflitantes e complexas de seus criadores.
Nota: 8/10
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