quarta-feira, 2 de março de 2016

Crítica - A Bruxa


Análise Crítica - A Bruxa


Review - A BruxaVou dizer sem rodeios: A Bruxa é o melhor filme de terror que vi em muito tempo. Sei que tivemos bons exemplares do gênero ultimamente em produtos como Boa Noite, Mamãe, Corrente do Mal (2015) e Invocação do Mal (2013), mas A Bruxa consegue ser ainda mais eficiente que seus pares ao construir uma atmosfera de medo, incerteza e pavor que tornam aterrorizantes cada um de seus noventa minutos.

A trama se passa no início do século XVII no interior dos Estados Unidos e acompanha uma família de puritanos ingleses que vai morar em uma fazenda isolada no campo depois de ser expulsa de sua colônia por causa de seu radicalismo religioso. Nos primeiros dias na nova residência o bebê não batizado do casal de fazendeiros William (Ralph Ineson) e Katherine (Kate Dickie), desaparece sob os cuidados de sua filha mais velha Thomasin (Anya Taylor-Joy) e imediatamente vemos o bebê sendo usado em um ritual macabro enquanto uma estranha criatura parece se banhar em seu sangue. A partir daí vemos as coisas pioraram para a família e suas crenças fervorosas começam a jogar uns contra os outros conforme eles começam a crer que um deles é o responsável por tudo de ruim que está acontecendo.

Como falei, o filme constrói cuidadosamente um clima de pavor constante, não apenas pela possível ameaça sobrenatural, mas também pelos próprios membros da família que vão aos poucos perdendo o discernimento conforme a crise se agrava. Não é um filme de terror que recorre a trucagens baratas como coisas pulando na tela e sustos gratuitos, mas no medo do desconhecido, do não visto, do não dito. Claro, há muitas imagens verdadeiramente macabras e assustadoras como a já citada cena do bebê no início ou o momento em que Katherine "amamenta" um corvo e vemos a ave arrancar nacos de seu seio a bicadas, mas no geral muito do temor é por aquilo que não vemos e por não saber exatamente se o mal vem da bruxa da floresta ou da própria família.

O filme acerta na construção de sua ambientação, não apenas no detalhamento dos cenários, objetos, roupas e na precisão do inglês arcaico falado por seus personagens, mas também no clima e no sentimento do fervor religioso do puritanismo, que via pecado em tudo e fazia parecer que o diabo se escondia sob cada sombra, nos fazendo compreender como aquelas eram pessoas movidas por medos e superstições. Assim, A Bruxa não é apenas um filme sobre ameaças sobrenaturais, mas como o radicalismo religioso nos torna irracionais e nos faz ver o mal até mesmo em coisas inconspícuas, apontando os riscos da repressão puritana e patriarcal que inevitavelmente descamba em uma visão da mulher como fonte de pecado.

Tanto que é Thomasin o bode expiatório da família, constantemente acusada pela mãe de causar os infortúnios que se abatem sobre eles, despertando olhares lascivos do irmão Caleb (Harvey Scrimshaw) e sendo acusada de feitiçaria pelos irmãos menores. A jovem Anya Taylor-Joy se revela um verdadeiro achado ao demonstrar sua incompreensão ao ser hostilizada pelos pais, tentando ser a voz da razão entre seus familiares, sem perceber que é justamente sua inteligência e questionamentos que tornam ela perigosa aos olhos de seu pai, já que põem em dúvida seu rígido e simplório sistema de moralidade.

Já Ralph Inerson traz gravidade a William, um homem de certa forma bem intencionado, mas fundamentalmente equivocado em sua visão de mundo e sua decisão levar a família para um lugar isolado e a culpa e arrependimento por perceber o impacto negativo de suas escolhas contribui para que ele se feche ainda mais em suas crenças radicais. Enquanto isso Kate Dickie faz de Katherine uma mulher frustrada por ser constantemente arrastada pelo marido (primeiro da Inglaterrra, depois da colônia) e por nunca ser consultada por ele em suas decisões. Depois da perda do filho, ela se perde em sua dor e culpa, tornando-se cada vez mais instável e delirante.

A fotografia contribui para a sensação de constante pavor e ameaça ao priorizar a iluminação natural e manter a paisagem desolada da floresta sob constante névoa e um céu cinzento. Tudo é constantemente escuro e sombrio, como se as trevas cobrissem o lugar e à noite não é possível ver nada além das luzes que os personagens carregam consigo. O modo como tudo é filmado faz até mesmo coisas banais como um coelho soarem aterradoras.

A música, por sua vez, traz acordes inquietantes e vozes que parecem almas lamuriosas torturadas com dor constante, tornando ainda maior a sensação de que um mal inominável espreita por entre os galhos retorcidos das árvores. Já que falei em vozes, é impossível não sentir um frio na espinha quando ouvimos a calma, sibilante e macabra voz do diabo falando aos ouvidos de uma das personagens.

A soma de todas essas partes faz de A Bruxa uma experiência inquietante e aterradora que nos transporta a uma época dominada por um fervor religioso no qual o diabo parecia assustadoramente próximo e ativo.

Nota: 9/10

Trailer:

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