sexta-feira, 18 de março de 2016

Crítica - Demolidor: 2ª Temporada




A primeira temporada de Demolidor nos apresentou a um lado mais sombrio e, de certa forma, mais adulto do universo Marvel. Não apenas por conta da violência e palavrões, mas também por trazer uma moral menos preto no branco e por discutir temas como a natureza da justiça ou mesmo relacionamentos abusivos, como fez Jessica Jones. Essa segunda temporada desenvolve as boas fundações deixadas na primeira, embora tenha alguns problemas para amarrar as muitas subtramas. Como falo da temporada como um todo, alguns (pequenos) SPOILERS são inevitáveis.

Depois do que aconteceu na temporada anterior, as muitas gangues de Nova Iorque tentam ocupar o vácuo de poder deixado por Wilson Fisk (Vincent D'Onofrio). Matt Murdock (Charlie Cox) continua fazendo tudo ao seu alcance para ajudar sua comunidade, mas o combate ao crime se complica com o surgimento de Frank Castle (Jon Bernthal), um homem que declarou guerra ao crime depois do assassinato de sua família e vem deixando uma trilha de corpos pelo caminho. Além de Frank, cuja morte da família pode estar ligada a uma conspiração maior, Matt precisa lidar também com o retorno de sua imprevisível ex-namorada Elektra (Elodie Yung, recentemente em cartaz em Deuses do Egito) que parece estar envolvida na guerra milenar que Stick (Scott Glenn) tinha alertado Matt na temporada anterior.

O Justiceiro e Elektra são ótimas adições ao elenco e servem de algum modo como unidades de medida para que Matt ajuste seu compasso moral conforme tenta se ajustar à sua nova vida de vigilante e avalia seu possível impacto na cidade. De um lado temos Frank, um matador frio que acha que o Demolidor faz o serviço pela metade, do outro temos Elektra, alguém que percorre as ruas para satisfazer o próprio ego, pelo prazer do combate, da adrenalina e da violência sem pensar no bem comum.

Matt caminha por esses dois extremos ao longo da temporada e o roteiro vai levantando cuidadosamente a discussão sobre vigilantismo, justiça e vingança, tratando essas questões com a complexidade que merecem e evitando cair em maniqueísmos simplórios. Se método de Frank parece inicialmente definitivo, os episódios vão nos lembrando das consequências de seus atos que provocam uma espécie de interminável ciclo de ódio e morte que parece nunca acabar.

Frank, por sinal, é vivido com competência por Bernthal que o constrói como um homem destruído, que encontrou em sua cruzada brutal contra o crime a única razão de continuar vivo. Castle é um homem intenso e instável, mas tem plena consciência da criatura que se tornou e aos poucos vai adquirindo respeito pelo Demolidor apesar de seus conflitos no início. Tanto que quando o Homem Sem Medo sugere quebrar a própria regra apenas uma vez, Frank o alerta que este é um caminho sem volta e percebemos uma ponta de tristeza em sua voz, como que lamentando que o amigo ficasse como ele.

Apesar de toda brutalidade, Bernthal ainda consegue injetar algumas camadas de vulnerabilidade em Castle, revelando toda a tristeza e arrependimento do personagem, não apenas pela morte da família, mas por não ter dado a ela o valor que deveria. Isso fica claro no diálogo com o Demolidor em um cemitério, no qual ele narra como foi reencontrar a filha ao voltar para casa depois da guerra e em longos planos em close Bernthal evoca toda a dor do personagem.

Elodie Yung traz a ambiguidade que se espera de Elektra, uma mulher que parece sempre em conflito com sua própria natureza e ao mesmo tempo que demonstra prazer no combate e na manipulação, como se tudo fosse apenas um jogo para matar seu tédio, também demonstra tentar alguém como Matt, por quem sente uma indubitável atração.

Já Charlie Cox continua a fazer de Matt um sujeito por quem é fácil simpatizar. Não apenas por seu charme e carisma, mas por fazer dele um sujeito que sempre quer fazer "a coisa certa" mesmo quando o que é certo não é exatamente muito claro. Matt, como qualquer pessoa, é um sujeito falho e cheio de dúvidas a respeito de si mesmo, mas apesar de todos os problemas e tropeços continua a buscar o seu melhor e isso é algo que qualquer um de nós consegue se relacionar.

Foggy (Elden Hensen), por sua vez, serve como a voz "do homem comum" em meio a uma história sobre vigilantes e ninjas. Além disso, precisa lidar com o peso de guardar os segredos de Matt e com a possibilidade de ter que se virar sem ele. Enquanto isso Karen (Deborah Ann Woll) precisa lidar com a culpa de seu próprio segredo por ter matado (e ocultado) Wesley (Toby Leonard Moore) na temporada anterior. É provavelmente por culpa que ela parece ter tanto interesse em Frank e sua busca para mostrar a todos que ele é mais que um assassino desequilibrado parece ser também uma jornada para provar a si mesma seu valor.

Somando aos bons personagens, temos também sequências de ação muito bem conduzidas, inclusive uma luta em plano contínuo (ou montada de modo a dar essa ilusão) que remete ao combate no corredor da primeira temporada. A presença do Justiceiro da vazão para embates ainda mais brutais, em especial uma luta na prisão na qual ele dilacera sem dó um grupo de detentos em um literal banho de sangue.

Além do cuidado em desenvolver seus personagens e as relações entre eles, a atual temporada ainda estabelece vários pontos de diálogo com Jessica Jones, não só pelo nome da detetive ser citado diretamente, mas também pelo breve encontro entre Foggy e Jeri (Carrie-Anne Moss) e as menções de Claire (Rosario Dawson) ao seu contato com Luke Cage (Mike Colter). O principal, no entanto, parecem ser as menções à corporação Roxxon, que já tinha sido citada na primeira temporada e também em Jessica Jones, me fazendo desconfiar que este pode ser o elemento que ligará os personagens na vindoura série dos Defensores.

A questão é que apesar de todos esses méritos, fica a sensação de uma narrativa difusa ao longo da temporada. As duas principais tramas (o Justiceiro e Elektra) raramente se tocam e fica a sensação de que cada uma delas podia render uma temporada inteira por si só. Há também a demora em estabelecer de forma clara a natureza das respectivas ameaças. Se na temporada anterior a ameaça de Fisk ficava clara nos primeiros episódios, aqui isso não acontece e durante vários episódios se fala apenas "na conspiração" contra Castle ou n'A Mão (ou Tentáculo nos quadrinhos), mas apenas nos últimos episódios vamos saber quem exatamente está liderando essas pessoas e quais são exatamente seus planos.

Para piorar, quando finalmente os conhecemos ficamos com a sensação de que a espera não valeu a pena. O culpado pela conspiração envolvendo o Justiceiro (apesar de sua ligação com o passado de Frank) nada mais é que um mero traficante e o líder dos ninjas é tão insosso que cada momento com ele em cena apenas testava a minha paciência, principalmente por já não achá-lo grande coisa na temporada anterior. A ausência de um antagonista realmente intimidador e que servisse de âncora para as diferentes subtramas só fica mais evidente pela breve participação de Fisk em alguns episódios e seus poucos minutos são mais interessantes do que todo o tempo de tela dos dois outros juntos.

Ainda assim, essa nova temporada de Demolidor continua a desenvolver aquilo que foi construído na aventura anterior, trazendo embates intensos, novos conflitos aos protagonistas, introduzindo novos e interessantes personagens e ampliando essa faceta mais sombria e urbana do universo Marvel.

Nota: 8/10

Trailer:

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