Quando
foi anunciado que o terceiro filme do Capitão América seria inspirado no arco
da "Guerra Civil" dos quadrinhos, confesso que fiquei preocupado.
Primeiro porque uma trama envolvendo tantos personagens seria mais adequada a
um filme dos Vingadores, segundo porque o plantel dos heróis do universo
cinematográfico era relativamente pequeno para transmitir a larga escala do
conflito dos quadrinhos. Estava em parte enganado, já que mesmo com poucos (se
comparado ao quadrinho) personagens a narrativa consegue criar uma sensação de
risco global e as tensões entre os personagens são de fato bem construídas
(beneficiadas por anos de desenvolvimento da personalidade dos heróis ao longo
de vários filmes). Por outro lado, mesmo com o Capitão América e seu arco
dramático do centro da trama, ainda assim parece mais um filme "de
equipe" do que uma aventura solo na qual outros personagens ocasionalmente
aparecem (como a breve aparição do Falcão em Homem-Formiga).
A
trama começa depois que uma missão para deter o vilão Ossos Cruzados (Frank
Grillo) acaba causando graves baixas civis. Diante do acontecido e de toda
destruição causada pelos Vingadores em filmes anteriores é proposto o "Acordo
de Sokovia" (nação arrasada durante os eventos de Vingadores: Era de Ultron) que colocaria os herois para trabalhar
sob ordens das Nações Unidas e supervisionado pelo General Ross (William Hurt).
Isso, somada à suspeita do envolvimento de Bucky (Sebastian Stan) em um ato
terrorista recente, faz colidir as personalidades de Steve Rogers (Chris Evans)
e Tony Stark (Robert Downey Jr.) e provoca uma cisão na equipe.
Impressiona
como o filme é hábil em lidar com tantos personagens e tantos arcos narrativos
sem que nenhum deles soe desnecessário ou mal desenvolvido, já que além da
amizade entre Rogers e Bucky temos também as tentativas de Stark em reparar
erros do passado, o novato Pantera Negra (Chadwick Boseman) tentando vingar a
morte de seu pai, a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) tentando lidar com
as consequências de seu enorme poder ou o Visão (Paul Bettany) tentando
encontrar sua humanidade.
Assim
como aconteceu em Capitão América: O Soldado Invernal o filme trata com seriedade as discussões que levanta,
aqui especificamente trata sobre o papel do heroi no mundo de hoje e é
inteligente o bastante para reconhecer que não há exatamente certo ou errado,
dando a cada personagem um ponto de vista válido sobre a questão sem exercer
julgamentos ou eleger herois ou vilões dentro deste conflito. Mesmo com toda a
seriedade e urgência, a fita é inteligente e equilibrada o bastante para saber quando
nos oferecer alguns respiros em meio a toda tensão e assim investe com
inteligência em tempos mortos, interlúdios românticos e momentos de humor que
nos dão momentos para retomar o fôlego em meio às discussões éticas e políticas
sobre o lugar do super-herói, sem perder de vista a seriedade do que está em
jogo e evitando inconsistências tonais. Um equilíbrio os irmãos Russo já tinham
alcançando na aventura anterior do Capitão.
Steve
Rogers continua sua jornada para tentar se reconectar a Bucky e já que seu
amigo é a única ligação restante com o mundo que conhecia, é compreensível que
o Capitão lute com unhas e dentes para mantê-lo próximo e seguro, visto que ele
é a única constante em sua vida e em um mundo no qual ele ainda se sente
deslocado. Aliás, o modo como a Marvel vem lidando com o Capitão através dos
múltiplos filmes tem sido muito bom, conseguindo construí-lo como um sujeito de
valores antiquados e moral simples mesmo ele estando em um mundo em que certo e
errado não são absolutos, tudo isso sem que ele deixe de dialogar com essa realidade
complexa e ainda assim mantenha sua essência. Stark, por sua vez, continua sua
tentativa de reparar erros do passado, sejam eles distantes como sua relação
com os pais ou seu histórico de fabricante de armas, ou mais recentes, como o
caos criado por Ultron (James Spader), sua criação.
Elizabeth
Olsen convoca muito bem a insegurança de Wanda com seus imensos poderes e as consequências
deles em dado momento do filme. Já Paul Bettany, de modo discreto, vai
mostrando como o sintético Visão tenta se adaptar à convivência com outros,
muitas vezes com resultados bem humorados, inclusive é bem engraçado suas
tentativas de parecer "normal" vestindo roupas discretas e escuras
sobre seu corpo colorido. Outro que contribui com o humor é Scott Lang (Paul
Rudd), em especial seu deslumbramento ao conhecer Steve Rogers.
Enquanto
isso Chadwick Boseman traz a postura imponente, altiva, orgulhosa e honrada que
se espera do soberano de Wakanda. Peter Parker (Tom Holland) tem uma aparição
breve, mas Holland trabalha bem a ingenuidade jovem, bem como sua admiração
pelos heróis veteranos e pouco que vi aqui realmente me deixou bastante
empolgado pelas próximas aventuras do amigão da vizinhança. O vilão Zemo
(Daniel Bruhl) tem uma motivação compreensível, mas seu tempo de tela é tão
pouco que ele não consegue torná-lo realmente interessante, fazendo dele mais
um dos muitos vilões subaproveitados do universo cinematográfico da Marvel.
As
cenas de ação são talvez as melhores desde o primeiro Vingadores (2012), explorando de modo criativo e intenso os poderes
dos múltiplos personagens, além das consequências brutais destes, como a cena
em que a Feiticeira afunda o Visão no chão do quartel dos Vingadores. Mesmo com
todo o caos e vários eventos simultâneos, os Russo nunca perdem o controle de
suas cenas e conseguimos compreender quem está e cada lugar e o que está fazendo,
mesmo com a câmera constantemente em movimento, algo que em mãos menos hábeis
descambaria para uma insuportável bagunça incompreensível. Ainda assim, o tom
relativamente reconciliador do final parece aliviar as consequências de uma
cisão mais severa e provocando menos mudanças do que se esperava neste
universo, diferente da aventura anterior do Capitão, na qual o desmantelamento
da S.H.I.E.L.D provocou várias mudanças.
Capitão América:
Guerra Civil traz uma história mais madura dentro do universo Marvel, conseguindo
equilibrar com habilidade os múltiplos arcos de personagem, tratando temas
complexos com a sobriedade que merecem, mas sem esquecer da diversão.
Nota:
8/10
Obs: O filme tem
duas cenas adicionais ao longo dos créditos.
Trailer:
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