A melhor coisa da primeira
temporada da série Narcos era de
longe o complexo retrato do narcotraficante Pablo Escobar feito por Wagner
Moura. Nesta temporada, Moura não apenas continua sendo o melhor de Narcos, como também é o que eleva esse
segundo ano para além do banal, já que essa temporada sofre com personagens
desinteressantes e vários problemas de ritmo. A partir deste ponto SPOILERS são
inevitáveis.
A trama começa no exato ponto no
qual a primeira terminou, com Escobar (Wagner Moura) fugindo da prisão de luxo
construída por ele mesmo chamada La Catedral. A partir de então continuamos a
acompanhar o agente Murphy (Boyd Holbrook) na caçada pelo fugitivo. As
autoridades colombianas e dos Estados Unidos, no entanto, não são os únicos no
encalço de Escobar, já que traficantes rivais da Colômbia e do México, bem como
guerrilheiros de extrema-direita, também querem vê-lo morto.
Chama a atenção a escolha do
recorte dessa temporada. Se no primeiro acompanhamos a trajetória de Escobar ao
longo de quase uma década, aqui acompanhamos o curto período de sua fuga até
sua morte (isso já estava na publicidade da série, então não é spoiler), que é
cerca de um ano. Como o traficante ficou boa parte desse tempo simplesmente
escondido e evitando holofotes, a série exibe um claro esforço para fazer os
acontecimentos "renderem" dez episódios. Assim, eventos que poderiam
rapidamente ser resolvidos em uma ou duas cenas levam episódios inteiros para
se desenrolar. Um episódio inteiro é gasto para mostrar a esposa e filhos de
Escobar tentando entrar na Alemanha e sendo recusados. Outro dá uma enorme
atenção a um dos capangas de Escobar que pode ou não estar traindo o seu
patrão. Tudo bem que nesse temos a "recompensa" da brutal emboscada
ao fim, mas ainda assim não justifica que tenhamos que passar tanto tempo com
personagens pouco importantes ou interessantes para chegar nela. A sensação é
de uma temporada truncada e lotada de filler.
Wagner Moura, porém, continua
garantindo que a experiência valha a pena com sua composição cheia de cuidado e
nuance. Seu Escobar é decididamente um homem implacável e capaz de atrocidades
impensáveis. Ao mesmo tempo também tem um amor bastante verdadeiro por sua
família, sendo genuinamente carinhoso com sua esposa filhos. Há também nele uma
necessidade de ser aceito e adorado por aqueles que o rodeiam ainda que
contraditoriamente ele também queira ser temido. Sentimentos mutuamente
excludentes, mas que o narcotraficante parece não perceber a contradição e
impossibilidade de se obter as duas coisas. Moura inclusive traz uma certa melancolia
no seu olhar, como se estivesse ciente de que estava indo em direção ao fim do
seu caminho. A série ainda nos dá vislumbres de como Escobar veio a se tornar
daquele jeito, em especial na cena em que ele divide com o pai em um dos
últimos episódios e também em um diálogo entre sua mãe e sua esposa sobre a
infância de Pablo.
Os demais personagens, por outro
lado, falham em despertar interesse e qualquer momento em que Escobar não está
em cena as coisas dificilmente engajam. O agente Murphy tem pouco a fazer nesta
temporada além de seguir inúmeros clichês de histórias envolvendo policiais:
temos a esposa que o abandona pelo perigo de sua profissão, a nova chefe com a
qual ele inicialmente não se dá bem, conduta autodestrutiva e por aí vai. Não
ajuda a performance apática de Boyd Holbrook, que a todo momento parece prestes
a dormir em cena. O ator parece tentar compor o personagem com alguém
entorpecido pela violência e crueldade, mas ao invés de alguém que parece estar
perdendo a humanidade, tudo que vemos é uma enorme folha em branco.
Pedro Pascal (o Oberyn de Game
of Thrones) tem um pouco mais de carisma como o agente Peña, a questão é
que seus dilemas morais nessa temporada são tratados de modo superficial e não
há muito mais em seu personagem além disso. A única subtrama que consegue
despertar algum envolvimento é a de Limón (Leynar Gomez), motorista recrutado
por Escobar no início dessa temporada, que inadvertidamente envolve uma amiga
de infância nos problemas da fuga do patrão e as consequências disso fim da
temporada dão um nó na garganta.
Parte desse problema deriva da
própria abordagem do produtor executivo José Padilha, que constantemente fala
que conta suas histórias a partir de uma "perspectiva científica" e
da psicologia social. É possível perceber seu interesse em como as
circunstâncias contribuem para as ações dos sujeitos, mas a questão é que aqui
em Narcos (e também no seu remake de Robocop) ele está tão focado nos contextos e estruturas de poder
que os personagens deixam de ser indivíduos e tornam engrenagens em um grande
relógio, movendo simplesmente porque tem que se mover. Se a própria narrativa
parece não ter interesse ou apreço pelos seus personagens, porque eu teria? O
olhar está tão voltado para os fatos e o contexto que os personagens soam
vazios e sem personalidade. Inclusive chego a pensar que se Padilha tinha seu
interesse em entender fatos e não sujeitos, talvez tivesse sido melhor realizar
um produto documental ou uma grande reportagem ao invés de uma narrativa
ficcional.
Essa impressão é ampliada com as
constantes inserções de imagens de arquivos e de noticiários que inclusive
mostram algumas das pessoas reais retratadas na série. A alternância entre
imagens de arquivo do Escobar real e de sua contraparte interpretada por Moura
quebram a imersão no reino ficcional e aproximam mais a série do formato de
programas policialescos como Linha Direta
ou Aqui Agora que intercalavam
reportagens sobre um crime ou determinado criminoso com dramatizações dos
mesmos.
Por outro lado, o foco no
contexto ajuda a traçar um panorama amplo do universo do narcotráfico no
período e a compreender as múltiplas forças em jogo, ainda que limitado a um
único ponto de vista. Tudo é filtrado pelo olhar de Murphy e não há outra voz
que o questione ou sirva de contraponto a ele e assim sua visão acaba soando
como definitiva e objetivamente verdadeira quando não é o caso.
Como na temporada anterior, Narcos é eficiente em criar momentos de
ação cheios de tensão que não se furtam em mostrar as consequências brutais das
ações de Pablo Escobar. Os embates são sempre satisfatórios e bem conduzidos,
sendo outro ponto alto da temporada. Aqui e ali a série apresenta alguns efeitos
especiais um pouco toscos. Em especial a computação gráfica ruim usada para
criar o aeronave espiã usada pelos americanos e alguns chroma-keys ruins nas cenas dos personagens voando em helicópteros
que deixam evidente que eles estão diante de uma enorme tela. Como são
ocorrências, pontuais, no entanto, não chegam a atrapalhar muito a experiência.
O desfecho da temporada ainda é hábil em pavimentar caminhos futuros e
introduzir de forma orgânica a mudança de foco para outros universos do
narcotráfico.
A segunda temporada de Narcos continua funcionando graças ao
talento de Wagner Moura como Pablo Escobar, mas perde força por causa dos
problemas de ritmo e dos personagens pouco envolventes.
Nota: 7/10
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