domingo, 4 de setembro de 2016

Crítica - Narcos: 2ª Temporada



A melhor coisa da primeira temporada da série Narcos era de longe o complexo retrato do narcotraficante Pablo Escobar feito por Wagner Moura. Nesta temporada, Moura não apenas continua sendo o melhor de Narcos, como também é o que eleva esse segundo ano para além do banal, já que essa temporada sofre com personagens desinteressantes e vários problemas de ritmo. A partir deste ponto SPOILERS são inevitáveis.

A trama começa no exato ponto no qual a primeira terminou, com Escobar (Wagner Moura) fugindo da prisão de luxo construída por ele mesmo chamada La Catedral. A partir de então continuamos a acompanhar o agente Murphy (Boyd Holbrook) na caçada pelo fugitivo. As autoridades colombianas e dos Estados Unidos, no entanto, não são os únicos no encalço de Escobar, já que traficantes rivais da Colômbia e do México, bem como guerrilheiros de extrema-direita, também querem vê-lo morto.


Chama a atenção a escolha do recorte dessa temporada. Se no primeiro acompanhamos a trajetória de Escobar ao longo de quase uma década, aqui acompanhamos o curto período de sua fuga até sua morte (isso já estava na publicidade da série, então não é spoiler), que é cerca de um ano. Como o traficante ficou boa parte desse tempo simplesmente escondido e evitando holofotes, a série exibe um claro esforço para fazer os acontecimentos "renderem" dez episódios. Assim, eventos que poderiam rapidamente ser resolvidos em uma ou duas cenas levam episódios inteiros para se desenrolar. Um episódio inteiro é gasto para mostrar a esposa e filhos de Escobar tentando entrar na Alemanha e sendo recusados. Outro dá uma enorme atenção a um dos capangas de Escobar que pode ou não estar traindo o seu patrão. Tudo bem que nesse temos a "recompensa" da brutal emboscada ao fim, mas ainda assim não justifica que tenhamos que passar tanto tempo com personagens pouco importantes ou interessantes para chegar nela. A sensação é de uma temporada truncada e lotada de filler.

Wagner Moura, porém, continua garantindo que a experiência valha a pena com sua composição cheia de cuidado e nuance. Seu Escobar é decididamente um homem implacável e capaz de atrocidades impensáveis. Ao mesmo tempo também tem um amor bastante verdadeiro por sua família, sendo genuinamente carinhoso com sua esposa filhos. Há também nele uma necessidade de ser aceito e adorado por aqueles que o rodeiam ainda que contraditoriamente ele também queira ser temido. Sentimentos mutuamente excludentes, mas que o narcotraficante parece não perceber a contradição e impossibilidade de se obter as duas coisas. Moura inclusive traz uma certa melancolia no seu olhar, como se estivesse ciente de que estava indo em direção ao fim do seu caminho. A série ainda nos dá vislumbres de como Escobar veio a se tornar daquele jeito, em especial na cena em que ele divide com o pai em um dos últimos episódios e também em um diálogo entre sua mãe e sua esposa sobre a infância de Pablo.

Os demais personagens, por outro lado, falham em despertar interesse e qualquer momento em que Escobar não está em cena as coisas dificilmente engajam. O agente Murphy tem pouco a fazer nesta temporada além de seguir inúmeros clichês de histórias envolvendo policiais: temos a esposa que o abandona pelo perigo de sua profissão, a nova chefe com a qual ele inicialmente não se dá bem, conduta autodestrutiva e por aí vai. Não ajuda a performance apática de Boyd Holbrook, que a todo momento parece prestes a dormir em cena. O ator parece tentar compor o personagem com alguém entorpecido pela violência e crueldade, mas ao invés de alguém que parece estar perdendo a humanidade, tudo que vemos é uma enorme folha em branco.

Pedro Pascal (o  Oberyn de Game of Thrones) tem um pouco mais de carisma como o agente Peña, a questão é que seus dilemas morais nessa temporada são tratados de modo superficial e não há muito mais em seu personagem além disso. A única subtrama que consegue despertar algum envolvimento é a de Limón (Leynar Gomez), motorista recrutado por Escobar no início dessa temporada, que inadvertidamente envolve uma amiga de infância nos problemas da fuga do patrão e as consequências disso fim da temporada dão um nó na garganta.

Parte desse problema deriva da própria abordagem do produtor executivo José Padilha, que constantemente fala que conta suas histórias a partir de uma "perspectiva científica" e da psicologia social. É possível perceber seu interesse em como as circunstâncias contribuem para as ações dos sujeitos, mas a questão é que aqui em Narcos (e também no seu remake de Robocop) ele está tão focado nos contextos e estruturas de poder que os personagens deixam de ser indivíduos e tornam engrenagens em um grande relógio, movendo simplesmente porque tem que se mover. Se a própria narrativa parece não ter interesse ou apreço pelos seus personagens, porque eu teria? O olhar está tão voltado para os fatos e o contexto que os personagens soam vazios e sem personalidade. Inclusive chego a pensar que se Padilha tinha seu interesse em entender fatos e não sujeitos, talvez tivesse sido melhor realizar um produto documental ou uma grande reportagem ao invés de uma narrativa ficcional.

Essa impressão é ampliada com as constantes inserções de imagens de arquivos e de noticiários que inclusive mostram algumas das pessoas reais retratadas na série. A alternância entre imagens de arquivo do Escobar real e de sua contraparte interpretada por Moura quebram a imersão no reino ficcional e aproximam mais a série do formato de programas policialescos como Linha Direta ou Aqui Agora que intercalavam reportagens sobre um crime ou determinado criminoso com dramatizações dos mesmos.

Por outro lado, o foco no contexto ajuda a traçar um panorama amplo do universo do narcotráfico no período e a compreender as múltiplas forças em jogo, ainda que limitado a um único ponto de vista. Tudo é filtrado pelo olhar de Murphy e não há outra voz que o questione ou sirva de contraponto a ele e assim sua visão acaba soando como definitiva e objetivamente verdadeira quando não é o caso.

Como na temporada anterior, Narcos é eficiente em criar momentos de ação cheios de tensão que não se furtam em mostrar as consequências brutais das ações de Pablo Escobar. Os embates são sempre satisfatórios e bem conduzidos, sendo outro ponto alto da temporada. Aqui e ali a série apresenta alguns efeitos especiais um pouco toscos. Em especial a computação gráfica ruim usada para criar o aeronave espiã usada pelos americanos e alguns chroma-keys ruins nas cenas dos personagens voando em helicópteros que deixam evidente que eles estão diante de uma enorme tela. Como são ocorrências, pontuais, no entanto, não chegam a atrapalhar muito a experiência. O desfecho da temporada ainda é hábil em pavimentar caminhos futuros e introduzir de forma orgânica a mudança de foco para outros universos do narcotráfico.

A segunda temporada de Narcos continua funcionando graças ao talento de Wagner Moura como Pablo Escobar, mas perde força por causa dos problemas de ritmo e dos personagens pouco envolventes.


Nota: 7/10

Trailer

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