Eu não esperava muita coisa
quando comecei a ver esta 1ª temporada da série Quantico. Imaginei que seria só mais um procedural envolvendo agentes do FBI investigando casos de terrorismo
e talvez um arco maior interligando. Felizmente o que encontrei foi uma série
que criava um mistério envolvente e cheio de intrigas, com personagens
carregados de ambiguidade e um ritmo que te deixava na ânsia por mais um
episódio.
A trama é centrada em Alex
(Priyanka Chopra) uma agente novata no FBI. Quando um atentado terrorista
destrói a Grand Central Station em Nova Iorque e ela é encontrada entre os
destroços, as autoridades começam a suspeitar que a novata pode estar envolvida
no atentado. Acusada de um crime que não cometeu, Alex decide investigar por
conta própria e começa a suspeitar que quem tramou contra ela pode ter sido um
de seus colegas na academia do FBI em Quantico. Assim, enquanto tenta provar a
sua inocência, ela também tenta lembrar dos seus dias de treinamento, na
esperança de localizar culpado.
Os episódios misturam os eventos
presentes com flashbacks do
treinamento de Alex em uma dinâmica que lembra a metade inicial da primeira
temporada de How to Get Away With Murder.
A série é bastante hábil em nos colocar em um constante estado de incerteza,
criando personagens que nunca parecem o que aparentam e constantemente tem
segundas (e até terceiras) intenções e colocando dilemas de ordem ética e moral
que fazem nossa adesão aos personagens mudar constantemente. Em um instante
podemos estar do lado de alguém para no seguinte considerarmos a mesma pessoa
deplorável por causa de alguma atitude. Em um trabalho como o desses agentes
certo e errado não são simples de delimitar e a série é inteligente o bastante
para não dar respostas fáceis a essas questões.
Em uma série apoiada em surpresas
e reviravoltas, seria fácil perder a mão e criar coisas absurdas que soassem
incoerentes com informações anteriores, mas a narrativa consegue criar
surpresas sem forçar a barra ou sacrificar sua coerência. Incomoda um pouco que
tantas pessoas com tantos segredos suspeitos tenham conseguido passar pela
rigorosa verificação de antecedentes do FBI e a revelação final do culpado é
relativamente óbvia (era evidente que o culpado seria um superior e não um trainee), mas no geral as idas e vindas
nos deixam na beira do assento e em suspense acerca do que acontecerá a seguir.
Priyanka Chopra é um achado como
a obstinada Alex, uma jovem confiante e engenhosa que não permite que outros
abalem suas convicções. Um exemplo disso é um diálogo entre ela e o agente
Booth (Jake McLaughlin) em um dos flashbacks
do primeiro episódio. Booth tenta embaraçá-la na frente de todos ao
mencionar a transa que tiveram dentro do carro, mas ao invés de sentir vergonha
de sua conduta, ela vira o jogo e responde de um modo que deixa o colega (e não
ela) envergonhado.
O restante do elenco é hábil em
criar personagens que sempre parecem ter algo a esconder. É preciso destacar o
trabalho de Yasmine Al Massri como as gêmeas Raina e Nimah, criando um modo de
falar e linguagem corporal diferente para cada uma, me deixando em dúvida se
eram gêmeas de verdade ou se uma atriz interpretava as duas (tive que checar os
créditos para ter certeza). Claro, os efeitos especiais usados para colocar as
duas juntas em cena contribuem para a ilusão, mas sem um trabalho sólido da
atriz seria fácil perceber a trucagem. Alguns poucos personagens tendem ao
excesso, como Will (Jay Armstrong Johnson) que parece um Sheldon (de The Big Bang Theory) levado a sério e se
torna uma caricatura irritante. O mesmo pode ser dito de Hannah (Eliza Coupe)
que não sai do clichê da esposa megera e ciumenta.
Como em muitas séries da
televisão aberta estadunidense, há um foco secundário na formação de casais e
relacionamento entre os personagens, mas dada a situação de confinamento deles
dentro da academia do FBI, essas idas e vindas e humores exacerbados são mais
compreensíveis. Diferente dos triângulos amorosos e relações gratuitas que
ocorrem nas primeiras temporadas How to Get Away With Murder ou Blindspot.
A série aborda ainda uma série de
questões pertinentes ao contexto atual. Entre elas o preconceito em relação aos
islâmicos, automaticamente tratados como potenciais terroristas, com uma ênfase no papel da
mídia na promoção deste ódio étnico, inclusive mostrando um âncora fictício do
canal real Fox News (uma emissora abertamente reacionária) vomitando xenofobia.
Há também um questionamento dos métodos extremos usados na obtenção de
inteligência contra-terrorista, em especial o uso da tortura, nos levando a
pensar até que ponto usar de tamanha violência ao interrogar realmente obtêm
informações úteis. Uma das subtramas traz uma crítica velada à cientologia na
forma da seita Systemics e se o que é mostrado da seita lhes parecer exagerado,
sugiro que assistam ao documentário Going
Clear: Scientology and the Prison of Belief.
Encontramos aqui também um
comentário sobre o machismo estrutural da nossa sociedade e também em ambientes
de trabalho. Aliás, a série parece se apoiar mais em suas personagens femininas
como Alex, Miranda (Aunjanue Ellis), Shelby (Johanna Braddy) ou as gêmeas,
colocando-as sempre no centro da ação e demonstrando suas capacidades. É também
louvável sua tentativa de trazer um elenco mais etnicamente diverso possível,
mas sem tornar isso uma questão constante, entendendo que essa diversidade é
algo bastante natural na sociedade contemporânea. Aqui e ali, no entanto,
derrapa no excesso de ufanismo e ocasionalmente sua exaltação ao FBI soa como
algo de um vídeo de recrutamento.
No geral, essa primeira temporada
de Quantico é muito bem sucedida em
criar um mistério envolvente, sustentado por personagens intrigantes e uma
ótima protagonista, além de comentar sobre a atual situação dos Estados Unidos.
Nota: 8/10
Trailer:
2 comentários:
Crítica concisa e muito bem pontuada, sobretudo, atinente à idiossincrasia das personagens e ao modo como mostra as engrenagens do mundo de um agente do FBI. Parabéns!!!
Obrigado Jair! A série é bem bacana mesmo.
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