Faz algum tempo que o cinema
brasileiro descobriu nas cinebiografias de músicos um grande filão comercial.
Além do interesse do público em saber mais sobre a vida desses artistas, há
também o próprio apelo de suas músicas para engajar e emocionar o espectador. Elis é o mais recente dessa leva de
cinebiografias e mesmo seguindo uma estrutura bem tradicional a este tipo de
filme, funciona graças ao talento de Andreia Horta com a personagem título,
além da força da trajetória da cantora na música brasileira.
A trama segue Elis Regina
(Andreia Horta), de sua chegada ao Rio de Janeiro até sua trágica morte por overdose (e isso não é spoiler pessoal). Ao longo da trama
vemos algumas de suas parcerias mais marcantes como Jair Rodrigues (Ícaro
Silva) e também seus relacionamentos com Ronaldo Bôscoli (Gustavo Machado) e
Cesar Camargo Mariano (Caco Ciocler).
Assim como aconteceu em outras
cinebiografias como Tim Maia (2015)
ou Gonzaga: De Pai Para Filho (2013),
o filme encontra alguns problemas ao abarcar um período tão grande na vida de
seu biografado. Muita coisa que recebe destaque em dado momento é completamente
esquecida no seguinte sem muita explicação. Um exemplo é o programa de Elis e
Jair Rodrigues. Uma cena mostra o sucesso deles, a seguinte já diz que eles estão
perdendo terreno para a Jovem Guarda, logo depois o Bôscoli e o Miele (Lúcio
Mauro Filho) são trazidos para revitalizar o programa, mas assim que Elis e
Bôscoli se envolvem romanticamente, o programa desaparece do filme por
completo. Em muitos momentos também não há a sensação clara de quanto tempo
passou entre uma cena e outra. Por vezes temos a impressão de um salto temporal
grande, mas os diálogos se referem a eventos de cenas que ficaram para trás a
um tempo considerável quase como se fossem recentes, o que deixa a impressão de uma temporalidade
bagunçada.
Porém nem isso consegue diminuir
o brilho e a força da trajetória de Elis Regina e há um visível esforço em
mostrá-la não apenas como uma mulher de enorme talento, mas também como uma
pessoa constantemente inquieta, cheia de falhas e em constante conflito consigo
mesma. Andreia Horta desaparece no papel de tão eficiente que é em evocar os
maneirismos e fala de Elis, funcionando também em trazer toda a inquietação e
impetuosidade da cantora.
Ao seu lado há um elenco
igualmente competente. Gustavo Machado é eficiente em construir a personalidade
blasé e cafajeste de Bôscoli, fazendo
dele um canalha charmoso do qual conseguimos compreender o motivo das mulheres
se sentirem atraídas por ele, mesmo sabendo de seu caráter (ou falta dele).
Lúcio Mauro Filho surpreende como Miele, já que mesmo sem parecer fisicamente
com ele, traz a mesma cadência de fala que lhe era particular e linguagem
corporal.
Os números musicais trazem a
intensidade e força que estamos acostumados às músicas de Elis Regina, confesso
que me arrepiei na cena em que ela canta pela primeira vez a primorosa O Bêbado e a Equilibrista (uma das ou
talvez a melhor canção da música brasileira). A cena é tão poderosa que a
primeira coisa dita depois da performance é um acertado "puta que
pariu" do cartunista Henfil (Bruce Gomlevsky). Por outro lado, a música
original composta para o filme é muitas vezes óbvia e demasiadamente intrusiva,
como a exagerada música de suspense usada na cena em que Elis chega em casa
depois de interrogada pela ditadura.
Nesse tipo de filme muita coisa
acaba sendo suprimida para que a história possa caber nas duas horas de filme,
assim nem incomoda tanto a omissão de muitas figuras importantes da música que
cruzaram o caminho de Elis. Uma escolha particular, no entanto, acaba chamando
a atenção. O filme começa e termina com a personagem principal cantando canções
compostas por Belchior, no entanto o cantor e compositor não é visto ou citado
em momento algum do filme. Isso cria um paradoxo estranhíssimo. Se a música de
Belchior é tão importante na trajetória da cantora ao ponto de abrir e fechar o
filme, como ele pode ser tão pouco importante para que seu nome sequer seja
mencionado durante o filme? Se seu trabalho ao lado da cantora não é
suficientemente importante para valer uma menção então porque justamente são as
canções dele que começam e terminam a obra? Não faz muito sentido.
Elis acerta na escolha do elenco e na construção dos números
musicais, sendo digno da intensidade e da importância de sua biografada ainda
que tenha alguns problemas estruturais.
Nota: 7/10
Trailer:
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