Tenho que admitir que não tive
muitas expectativas quando entrei para assistir a este Sob Pressão, já que parecia não ter muito a acrescentar ao
subgênero do drama médico, tão vigorosamente explorado por séries de televisão
estadunidenses, além de situá-lo no contexto brasileiro, em especial o de
comunidades periféricas. A verdade é que embora não chegue a ser inovador, o
filme funciona bem graças a sua habilidade em manejar a tensão e seu grupo de
personagens que constantemente se encontra diante de dilemas e escolhas
dificílimas.
O filme segue o médico Evandro
(Júlio Andrade), chefe da unidade de cirurgia de um hospital situado em um
morro carioca. Evandro está a mais de um dia trabalhando sem parar e quando
pensa que terá algum momento de descanso, ambulâncias chegam ao hospital
trazendo um policial e um traficante feridos em um recente tiroteio. Além de
ser pressionado pela polícia para cuidar primeiro do policial, embora seu
estado seja menos grave que o do traficante, ele também precisa lidar com
outros feridos que chegam ao hospital e tomar decisões em relação ao uso dos
recursos limitados (materiais e humanos) que tem ao seu dispor.
Mostrado no início como alguém já
no limite físico e mental de sua capacidade, é fácil torcer por Evandro. Não
apenas por ele estar enfrentando circunstâncias completamente desfavoráveis,
mas por ele tentar se manter fiel aos seus parâmetros éticos, mesmo diante de
pressões por todos os lados. O habitualmente competente Júlio Andrade (de
filmes como Entre Nós e Gonzaga: De Pai para Filho) confere
segurança e autoridade (que muitas vezes esbarra em arrogância) ao médico, ao
mesmo tempo em que também deixa claro o estado frágil e à beira do abismo em
que se encontra. A revelação de sua dependência de analgésicos acaba sendo um
lugar comum previsível, com direito a uma cirurgia complicada que serve como
chance de redenção, mas o trabalho de Andrade torna Evandro um protagonista tão
interessante que isso acaba incomodando pouco.
Ao lado de Andrade está um sólido
elenco de apoio que conta com a presença de Marjorie Estiano como uma médica
com práticas pouco ortodoxas, Andrea Beltrão como a pragmática administradora
do hospital, que apesar de muitas vezes ficar em posição antagônica à Evandro
jamais é transformada em vilã, e Stepan Nercessian como o diretor médico da
instituição. O elenco apresenta uma boa química e convence como um grupo que
está trabalhando junto a um bom tempo.
As pressões que constantemente se
impõem sobre o médico são bem ilustradas pelos longos planos sem cortes nos
quais ele caminha pelo hospital sendo constantemente abordado por colegas,
pacientes e funcionários, cada um trazendo problemas e demandas urgentes que
sabemos que ele não tem como dar conta de tudo. O filme também mostra as
condições precárias com as quais os médicos tem que lidar e faz isso (na
maioria do tempo) evitando denuncismos rasteiros e frases de efeito fáceis,
deixando que os próprios eventos demonstrem as complicações enfrentadas pelos
profissionais.
A trama consegue manter um ritmo
constante de tensão e apreensão, lançando sempre novas dificuldades diante dos
personagens que tem sempre altos riscos (já que o fracasso implica na morte dos
pacientes) e não se furta ao mostrar como o peso dessa responsabilidade e
eventuais falhas impactam esses profissionais. Sempre que a situação parece
estar sob controle, a trama consegue inserir outros problemas de maneira que
soa orgânica e natural na narrativa.
A exceção fica por conta do
momento em que um capitão de polícia resolve levar seu colega para outro
hospital e puxa bruscamente sua maca, desconectando os aparelhos que o
mantinham vivo. Não é preciso ser formado em medicina para saber que desligar o
suporte de alguém em coma representa um risco e mesmo sob grande estresse
duvido muito que alguém faria isso. Se no início a postura agressiva do
policial é compreensível, afinal ele não quer que o colega morra, com o passar
do tempo ele vai se tornando uma caricatura fascistoide que chega a por
deliberadamente em risco a segurança de todos no hospital por motivos pessoais.
O envolvimento romântico entre os médicos Paulo (Ícaro Silva) e Carolina
(Marjorie Estiano) ao final também soa gratuito e a decisão de Paulo em
devolver os analgésicos a Evandro é altamente questionável (enquanto médico ele
não deveria dar drogas a um viciado), mas no geral a trama é bem amarrada e
fluida.
As cenas de cirurgia são
carregadas de tensão e os efeitos práticos usados ajudam a mostrar de maneira
bem gráfica e impactante o que acontece durante esses procedimentos. Obviamente
não sei até que ponto correspondem à realidade (não sou médico ou profissional
de saúde), mas sob um olhar leigo tudo soa relativamente bem verossímil. O
desfecho acerta ao trazer uma certa medida de cinismo e desencanto,
reconhecendo que a situação está longe de melhorar, apresentando uma cena final
que reproduz o início do filme, transformando tudo em um ciclo difícil de
quebrar.
Assim sendo, Sob Pressão consegue trabalhar com competência com as estruturas
habituais do drama médico, beneficiado ainda pelo seu hábil manejo da tensão e
elenco coeso.
Nota: 7/10
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