A narrativa policial é um gênero
costumeiramente calcado na razão e na objetividade. Detetives como Sherlock
Holmes ou Hercule Poirot usam seus conhecimentos e inteligência para desvendar
os mais intricados mistérios, sempre conseguindo explicar de modo racional
crimes que por vezes parecem até sobrenaturais. O romancista Douglas Adams
(criador de O Guia do Mochileiro das
Galáxias) resolveu ir na contramão disso ao escrever o romance Agência de Investigações Holísticas Dirk
Gently (e suas continuações). Adams, com seu típico humor seco, nonsense e uma pecha pelo absurdo, tecia
uma trama policial na qual nada fazia o menor sentido, tudo acontecia por
coincidência e o detetive protagonista resolvia tudo simplesmente por topar
acidentalmente nas pistas ou fazendo palpites sortudos sem base em nenhum tipo
de informação ou conhecimento. A série Dirk
Gently's Holistic Detective Agency tenta trazer para a televisão esse
universo absurdo criado por Adams e em geral é bem sucedida, ainda que não
consiga chegar no nível de absurdo e nonsense
do romancista britânico (para ser justo, praticamente ninguém conseguiria se
igualar a Adams).
A trama começa quando o
carregador de bagagens Todd (Elijah Wood) encontra um grupo de pessoas
brutalmente assassinadas na cobertura do hotel no qual trabalha. A polícia não
consegue encontrar nenhuma explicação para o ocorrido além da possibilidade de
todos ali terem sido devorados por um tubarão-martelo e começam a suspeitar de
Todd. Ele, por sua vez é visitado pelo esquisito e misterioso Dirk Gently
(Samuel Barnett), que se apresenta como um "detetive holístico" e o
chama para ser seu assistente e resolver o assassinato. A partir de então a
dupla embarca em uma trama tresloucada pontuada por trocas de corpos, vampiros
de emoções, viagens no tempo, experimentos da CIA e mais uma série de coisas
que parecem não fazer sentido e se conectam por pura coincidência.
Samuel Barnett é ótimo ao trazer
a natureza constantemente alegre e otimista de Dirkly, sempre nos deixando
incertos se ele é extremamente ingênuo, um completo idiota ou um picareta
altamente sagaz. Também é eficiente em mostrar que por baixo de toda essa
atitude positiva há uma certa melancolia e solidão que aflige o personagem,
alguém cuja vida é tão aleatória que anseia pela presença de uma constante. Essa
constante acaba sendo o Todd de Elijah Wood e a trama é esperta ao dar mais
camadas a ele do que torná-lo um mero assistente. Conforme sabemos o passado de
Todd e das besteiras que ele fez, entendemos o que o mantêm próximo e lhe faz
ter empatia por Dirkly, já que no fundo são dois sujeitos danificados buscando
alguém que os entenda.
A jornada deles é espelhada pela
de Bart (Fiona Dourif), que se denomina uma "assassina holística", e
Ken (Mpho Koaho), a quem inicialmente toma como refém, mas acaba forjando uma
amizade. Há uma cena em que ela conversa com Ken, que está sentado no teto do
carro e logo em seguida vemos, em um enquadramento similar, Todd conversando
com Dirk enquanto ele senta sobre o carro, colocando as duas duplas em clara
oposição. Os assassinatos cometidos Bart são tão absurdos e exagerados quanto
os mistérios investigados por Dirk e estão entre as cenas mais engraçadas da
série, incluindo um momento em que ela mata um sujeito apenas ao acenar para
ele na rua. Como tudo na série, os caminhos dela e de Dirk se cruzam por puro
acaso (ela está andando quando ele literalmente grita o próprio nome no meio da
rua) e tudo acaba se encaixando de uma maneira bastante bizarra.
Diferente da maioria das
narrativas policiais tudo que acontece no caso investigado por Dirk não se dá
por uma grande conspiração criminosa (apesar dos vilões tentarem) mas por puro
acidente e uma série de coincidências irônicas que acaba juntando uma série de
fatores e pessoas aparentemente desconexas entre si. A série brinca bastante
com o fato de que praticamente ninguém (nem os protagonistas, nem os vilões,
nem a polícia) parecem ter a menor ideia do que está acontecendo. Há uma cena
bem divertida na qual Dirk e Todd são capturados pelos vilões e Dirk torce para
que os antagonistas esclareçam seus planos, mas o vilão imediatamente enche os
dois de perguntas a respeito do que está acontecendo, revelando estar tão
perdido quanto os dois investigadores.
A subtrama envolvendo o passado
de Dirk com a CIA acaba sendo o ponto menos interessante, já que a ideia de que
o detetive possui algum tipo de "habilidade cósmica" que o permite
ligar eventos aleatórios é o tipo de explicação que esse universo absurdo não
precisa. Afinal, muito da graça deriva do fato de Dirk resolver tudo por puro
acidente e sorte, rompendo com as construções lógicas típicas do gênero. Por
outro lado, o sargento Friedkin (Dustin Milligan) acaba se revelando um
personagem bastante divertido com sua postura exageradamente agressiva, sempre
atirando primeiro e nunca se dando ao trabalho de sequer entender o contexto de
suas ações.
Essa primeira temporada Dirk Gently's Holistic Detective Agency
acerta na sua construção de um mistério no qual tudo é conectado da maneira
mais absurda possível e consegue ser uma interpretação bastante digna de
Douglas Adams ainda que não alcance a alta qualidade da prosa e do humor do
romancista.
Nota: 8/10
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