Eu sou um sujeito muito ingênuo.
Imaginei que este Cinquenta Tons Mais
Escuros poderia corrigir ou ter aprendido alguma coisa com os erros do
primeiro (ao menos a franquia Crepúsculo tentava
melhorar ao longo dos filmes), poderia ter uma visão menos conservadora no modo
como trata a relação do casal protagonista, poderia fazer escolhas estéticas que
não resultassem em humor involuntário. Ledo engano. O filme é mais do mesmo,
não tendo aprendido nada com o anterior e faz questão de repetir o que já não
tinha funcionado antes.
A narrativa começa no mesmo lugar no
qual anterior parou. Anastasia Steele (Dakota Johnson) deixou o bilionário
Christian Grey (Jamie Dornan). Sem saber lidar com o abandono, Grey continua a
perseguir seu objeto de desejo e eles tentam se reaproximar. A questão é que os
traumas do passado do protagonista o impedem de se abrir para sua amada.
Basicamente tudo que já tinha
sido dito sobre Cinquenta Tons de Cinza (2015) continua
valendo aqui. Se eu fosse tão preguiçoso quanto as pessoas envolvidas nesse
filme eu poderia simplesmente copiar e colar o texto de dois anos atrás aqui,
mas diferentemente dos responsáveis pela franquia, prefiro me esforçar para
fazer meu trabalho.
A trama é praticamente inexistente,
focando nas idas e vindas entre o casal protagonista, mas qualquer obstáculo é
rapidamente resolvido sem qualquer consequência ou reverberação. No início
Anastasia está disposta a não travar contato com Christian, mas assim que ele
aparece a exposição de um amigo dela, a protagonista aceita imediatamente sair
com ele e bastam duas ou três frases para que ela aceite retornar para ele e o
beije. Em outro momento, a protagonista se assombra ao ver como Grey controla
uma antiga submissa, era de se imaginar que isso fosse criar algum conflito,
mas na cena seguinte eles já fizeram as pazes.
Quando o helicóptero de Grey cai,
o filme sequer nos dá tempo para ficarmos preocupados com o personagem, fazendo
ele entrar pela porta de casa cerca de cinco minutos depois de termos a
informação do acidente. A narrativa nem se dá ao trabalho de explicar como
ele conseguiu sobreviver à queda (principalmente por não exibir nenhum
machucado além de um corte superficial no rosto) ou voltar para casa, como se
fosse absolutamente normal sobreviver sem grandes danos a um desastre a aéreo e
chegar em casa antes mesmo que a mídia seja capaz de reportar se ou como ele
foi encontrado. Igualmente sem sentido é a discussão final entre Anastasia e a
Mrs Robinson (Kim Basinger), a protagonista joga sua bebida no rosto da
oponente e a mãe de Christian (Marcia Gay Harden), que conhece Mrs. Robinson
há muito tempo, simplesmente expulsa a amiga de sua casa de imediato sem ter
presenciado a discussão e sem sequer saber o que houve ou se Anastasia tinha
razão.
Boa parte das ações dos
personagens são preguiçosamente estabelecidas, como o fato de Leila (Bella
Heathcote), ex-submissa ciumenta de Christian, ser uma super ninja capaz de
invadir qualquer lugar, incluindo o apartamento e a garagem de Christian,
destruindo o carro de Anastasia inclusive, (imaginamos que um prédio habitado
por pessoas ricas vá ter seguranças e câmeras) sem que ninguém a detecte, como
se a jovem pudesse ficar invisível. É o tipo de coisa que seria aceitável em um
filme de super heróis ou em algo transparente com o próprio exagero como a
franquia Velozes e Furiosos, mas não
faz o menor sentido em um filme cujo universo é tão próximo do "mundo
real". De maneira semelhante, é difícil compreender as decisões tomadas pelo
chefe de Ana, Mr. Hyde (Eric Johnson), cujo nome é uma referência óbvia ao
protagonista de O Médico e o Monstro
de Robert Louis Stevenson. Visivelmente encantado e apaixonado pela garota
desde seu primeiro dia no emprego, mesmo sem a trama dar qualquer motivo para
afeto tão arrebatador, ele se torna agressivo quando descobre que ela namora
Grey. O que o sujeito faz quando descobre sua paixão está em um relacionamento
com um bilionário poderoso e influente? Ele tenta abusar sexualmente dela,
claro, porque isso faz todo sentido, realmente irá fazê-la se apaixonar e o
namorado rico e influente dela não irá forçar sua demissão ou garantir que ele
nunca mais trabalhe naquela cidade, não é mesmo?
Os homens, aliás, se comportam de
maneira completamente abusiva ao redor de Anastasia, agindo como stalkers, molestadores e sociopatas. Até
mesmo seu melhor amigo, José (Victor Rasuk) se comporta de maneira abusiva ao
lançar uma exposição cheia de fotografias de Anastasia sem que ela soubesse que
estava sendo fotografada com esse propósito ou avisá-la de que faria uma
exposição. O pior é quando logo depois Grey chega e compra todas as
fotografias, afirmando não querer homens babando sobre ela, e o filme enquadra
a conduta possessiva dele como uma espécie de salvamento heroico. As condutas
dos personagens masculinos poderiam render uma discussão sobre objetificação da
mulher, patriarcado ou cultura do estupro, mas o filme não só não problematiza
isso, como trata toda essa atenção indevida e abusiva recebida pela personagem
como algo do qual ela devia se orgulhar e se sentir lisonjeada (a exceção acaba
sendo o óbvio abuso do Mr. Hyde, mas seria impossível relativizar ou suavizar
aquilo).
A narrativa ainda é covarde ao
ponto de sempre tentar justificar a conduta de Grey. Se ele age como um
psicótico possessivo é porque os outros homens são piores (como José e Hyde) ou
por causa do seu traumas de infância, que são abordados com a profundidade de
um pires (é possível encontrar insights
de psicologia mais competentes em mesas de bar) e que mais uma vez comete o
anacrônico equívoco de associar fetiche a transtorno mental. Grey nunca
pergunta nada a Ana, o que ela quer, como ela se sente, nada, no máximo cede ocasionalmente quando ela protesta e de resto ela é algo cuja função (na visão dele) é gravitar ao seu redor.
Mas não dá para esperar coerência, sentido ou lógica causal de uma obra que não
consegue sequer construir coesão entre seus volumes. Apesar de ter transado
inúmeras vezes no filme anterior (e as marcas na pele dele são bem visíveis) e
do amor arrebatador que ela declara a ele, é apenas neste que ela nota as
marcas de queimadura em seu peito. Do mesmo modo, vimos Christian dividir a
cama com ela antes, mas apenas aqui são mostrados os pesadelos dele, como se só
agora tivessem começado. É o tipo de coisa que não faz sentido narrativo ou
dramatúrgico, afinal são filmes baseados em um material preexistente então é
muito fácil ir "plantando" a construção desses elementos ao longo dos
filmes ao invés de apresentá-los do nada mesmo quando já conhecemos esses
personagens há algum tempo.
Não ajuda que o filme continue a
insistir em diálogos que tem absoluta certeza de serem românticos quando são
terrivelmente bregas, resultando em momentos de puro humor involuntário, como a
cena em que Grey diz à Mrs. Robinson: "você
me ensinou a trepar, mas Ana me ensinou a amar". Assim, o que deveria
gerar empatia e afeto pelos personagens só os faz parecer ridículos. O mesmo
acontece com alguns momentos que deveriam ser tensos, mas soam hilários por
causa da construção exagerada e sem sutileza de algumas situações, o melhor
exemplo é quando Grey tenta salvar Ana comandando Leila como um adestrador
maneja um cachorro. Deveria ser degradante, intenso e cheio de tensão, mas
descamba para algo quase que autoparódico.
O texto não dá muito com o que os
atores possam trabalhar, mas o elenco também não consegue fazer nada de
interessante com eles. Dakota Johnson se limita a deixar a boca semiaberta,
falar com voz lânguida e ocasionalmente morder os lábios para mostrar desejo.
Já Jamie Dornan apenas faz o mesmo olhar intenso e sisudo durante todo o filme,
fazendo de Grey uma página vazia e sem carisma. Confesso que senti vergonha
pela talentosa Kim Basinger, presa a interpretar uma louca possessiva caricata
que só entra em cena para fazer algumas ameaças gratuitas à protagonista. A
única que sai com sua dignidade intacta é Marcia Gay Harden, que faz da mãe de
Christian a única personagem a ser comportar como um ser humano minimamente
crível.
Se o texto e os personagens não
funcionam, ao menos o sexo é excitante? Bem, não. Assim como no primeiro filme,
o casal de protagonistas não tem lá muita química juntos e muitas vezes
exageram em suas composições. Mal Ana é tocada por Grey e ela já está se
dobrando tanto que fiquei com medo dela quebrar a coluna. As cenas de sexo são
também prejudicadas pela montagem com um número excessivo de cortes (os atores
provavelmente não estavam dispostos a fazer takes
longos e contínuos ou perceberam que estes não funcionavam durante a montagem)
e a música demasiadamente intrusiva, que chama mais atenção para si do que para
o que acontece em tela. Não há uma cena de sexo em que não toque uma canção em
alto volume, quase como se o diretor James Foley esperasse que elas
transmitissem as sensações que os atores não conseguiam trazer para a cena. Em
alguns momentos a escolha de música também é equivocada, a exemplo da cena do
elevador, que acaba sendo risível ao invés de excitante. O modo como a música é
montada nas cenas de sexo por vezes também descamba para o constrangedor, como
na cena em que a percussão da música tocada coincide com o movimento de
penetração feito por Grey, o tipo de expediente brega e de mau gosto que nem
mesmo um pornô softcore ruim da década de oitenta (como aqueles que
passavam no finado Cine Privé da
Band) usaria.
Cinquenta Tons Mais Escuros não funciona enquanto cinema, enquanto
romance e nem mesmo enquanto pornô. No máximo funciona como comédia, mas isso é
mais um acidente do que uma decisão consciente.
Nota: 2/10
Obs: Há uma "cena" no meio dos créditos. Na verdade, é um
breve trailer do terceiro filme.
Trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário