Provavelmente não há
primeira-dama mais lembrada na história política dos Estados Unidos do que
Jacqueline Bouvier Kennedy, esposa de John Fitzgerald Kennedy, presidente
assassinado sob circunstâncias bastante questionáveis (sugiro que assistam JFK: A Pergunta que Não Quer Calar de
Oliver Stone). Famosa por sua gentileza e elegância, mas também pelo modo que
trabalhou honrar o legado do marido (e sua Camelot, como diz em dado momento do
filme) dias após seu assassinato. É o tipo de filme que podia render aquela
biografia quadrada, frígida e cheia de autoimportância (como Lincoln de Steven Spielbierg), mas
consegue fugir disso graças à direção do chileno Pablo Larraín e do trabalho de
Natalie Portman.
A trama começa tempos depois do
assassinato de John Kennedy (Caspar Phillipson), com Jackie (Natalie Portman)
recebendo em sua casa um jornalista (Billy Crudup) que irá entrevistá-la sobre
os dias que sucederam a morte do presidente. Sempre mantendo a conversa sob seu
controle, Jackie começa a lembrar dos momentos que passou ao lado do cunhado,
Bobby (Peter Saarsgard), do vice e próximo presidente Lyndon Johnson (John Carroll
Lynch), dos filhos e da organização do funeral presidencial.
Jackie está literalmente no
centro de tudo no filme, praticamente todo tempo em cena e no centro de quadro.
A história é contada praticamente inteira do seu ponto de vista e seu olhar
sobre os fatos.Mesmo nos longos closes
de seu rosto em silêncio o filme consegue nos dizer muito sobre sua
protagonista e como ela se sente, graças a Natalie Portman que com apenas
olhares e linguagem corporal consegue transmitir a dor, o desamparo, a raiva,
as incertezas e toda a gama de sentimentos que passa na mente de Jackie
conforme ela pensa na melhor maneira de honrar o marido diante de tudo que
aconteceu.
A trama também não se furta de
mostrar as contradições da personagem e o modo como boa parte daquilo que pensa
para o funeral é, em parte, para satisfazer seu próprio ego e colocá-la em
evidência, preservando-a na história assim como seu falecido marido. A
protagonista, por sinal, parece compreender que o relato histórico depende de
construção de narrativas para a posteridade, embora isso não a torne
necessariamente uma pessoa cínica ou inescrupulosa, apenas ciente das demandas
que se impõem sobre uma figura pública como ela.
Outros filmes poderiam explorar a
figura de John Kennedy e seu assassinato de modo mais exagerado e manipulativo,
mas o roteiro prefere focar mais em como tudo isso impacta Jackie, quase nem
mostrando John, e quando finalmente nos mostra o momento do tiro e a reação de
Jackie ao evento, o resultado é assombrosamente impactante. Poderia também ser
um filme sobre o glamour da
primeira-dama, mas vai na direção contrária, nos mostrando alguém que apenas
tenta manter sua compostura mesmo quando tudo ao desmorona e é difícil não
sentir a tristeza e desolação da personagem conforme ela experimenta vestidos e
caminha por uma Casa Branca deserta ao som das canções do musical Camelot. A referência a Camelot, mítico
castelo do rei Arthur e seus cavaleiros da távola redonda, e associação à morte
de Kennedy e o luto de Jackie funciona quase como um lembrete de que houve uma
época em que se podia esperar ao menos uma postura de altivez e dignidade da
política e que o assassinato do presidente de algum modo "quebrou"
alguma coisa no imaginário popular.
Além de Portman, que praticamente
domina o filme, o elenco coadjuvante é igualmente competente. Peter Saarsgard
traz a introspecção do enlutado Bobby, que a todo momento parece se dobrar
dentro de si mesmo e lamenta todas as coisas que poderia ter feito ao lado do
irmão (assim como Jackie lamenta tudo que seu casamento poderia ter sido). Billy
Crudup é eficiente como o jornalista que tenta navegar pelas barreiras e
mecanismos de defesa de Jackie, deixando a ela (sem muita escolha, é verdade) o
controle da situação. O veterano John Hurt, em um de seus últimos trabalhos,
funciona como uma caixa de ressonância para os sentimentos da protagonista,
deixando que ela vocalize suas frustrações e sentimentos. Embora Hurt seja
muito bom em evocar uma figura sábia e paternal, esses segmentos soam um pouco
deslocados do resto do filme e sua atmosfera contemplativa, com muitos diálogos
parecendo mastigados demais para explicar o momento da protagonista, sendo que
os silêncios e momentos de isolamento já fazem isso muito bem.
Ainda assim, Jackie é um olhar bem intimista sobre uma personagem pública,
funcionando por sua atmosfera silenciosa e pela interpretação poderosa de
Natalie Portman.
Nota: 8/10
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