sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Crítica - O.J: Made in America

Análise O.J: Made in America


Review O.J: Made in America
Com mais de sete horas de duração, a primeira pergunta que surge ao nos aproximarmos deste documentário (na verdade uma série documental) O.J: Made in America é: ele tem estofo para sustentar essa longuíssima duração? A resposta é um sonoro sim. Isso porque o documentário não trata apenas da trajetória de vida do atleta e ator O.J Simpson, ele também aborda todo o contexto que circula sua ascensão e queda. Das profundas desigualdades raciais e repressão policial que permeavam a cidade de Los Angeles, ao culto às celebridades da mídia estadunidense, passando pelo ambiente de privilégio e riqueza no qual o atleta se inseriu desde muito jovem quando se tornou uma estrela do esporte universitário e lhe dava a sensação de estar imune aos problemas do mundo.

O filme vai aos poucos deslindando essas múltiplas linhas e como elas se desenvolvem em paralelo até culminarem na grande tempestade que foi o assassinato de Nicole Brown Simpson, separada de O.J na época em que foi assassinada, e seu então namorado Ron e todo o julgamento televisionado de O.J Simpson. Através de entrevistas com amigos, conhecidos, parceiros de negócios, além do uso de imagens de arquivo, o documentário faz do julgamento de O.J um julgamento da própria sociedade americana e como as ilusões de grandeza construídas por ela e o lado feio que tentam ocultar (como a brutalidade policial) contribuíram para transformar o que deveria ser um procedimento jurídico sério em entretenimento de massa e um fórum de discussões para uma miríade de outras questões, que, embora importantes e necessárias para a esfera política, não eram exatamente centrais ao caso.

A narrativa do documentário traz evidências sobre como O.J sempre rejeitou contato com o movimento negro dos Estados Unidos, mas, junto com seus advogados, não hesitou em aproximar-se deles no momento em que se viu preso e a adesão lhe era conveniente. Também torna possível compreender como o movimento negro da época o viu como quase um mártir da causa dos direitos civis e entrou em defesa dele, principalmente quando um dos policiais responsável pelo caso revelou posturas bastante racistas.

Ao mesmo tempo, também pontua os erros da investigação policial e da defesa e como muito disso minou o caso, sem mencionar o próprio desgaste do júri, isolado e sem contato com o mundo exterior pelos mais de 200 dias de julgamento. Assim como a série ficcional The People v. O.J Simpson, o documentário é inteligente em não julgar os envolvidos, nem a promotoria, nem a defesa e ao invés disso apresenta um amplo estudo do contexto no qual tudo aconteceu, permitindo ao espectador entender porque as coisas aconteceram do modo como aconteceram e o que motivou as decisões. O próprio O.J é único a que o filme demonstra exibir um parecer à respeito, mostrando as evidências de abuso doméstico que datam de quase uma década antes do crime, passando por depoimentos de pessoas próximas e também mostrando a conduta errática e questionável do ex-atleta até sua eventual prisão por um crime tão bizarro que parece saído de um filme dos irmãos Coen.

Estruturalmente é bem básico, costurando depoimentos e arquivos audiovisuais, mas impressiona a quantidade de material coletado e de pessoas ouvidas, revelando um amplo trabalho de pesquisa sobre o fenômeno retratado. É um documentário extremamente consistente em revelar como a trajetória de O.J ajuda a compreender muito sobre a sociedade estadunidense e as rachaduras ocultas sob o ideal do "sonho americano".


Nota: 9/10 

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