Com mais de sete horas de duração,
a primeira pergunta que surge ao nos aproximarmos deste documentário (na verdade uma série documental) O.J: Made in America é: ele tem estofo
para sustentar essa longuíssima duração? A resposta é um sonoro sim. Isso
porque o documentário não trata apenas da trajetória de vida do atleta e ator
O.J Simpson, ele também aborda todo o contexto que circula sua ascensão e
queda. Das profundas desigualdades raciais e repressão policial que permeavam a
cidade de Los Angeles, ao culto às celebridades da mídia estadunidense,
passando pelo ambiente de privilégio e riqueza no qual o atleta se inseriu
desde muito jovem quando se tornou uma estrela do esporte universitário e lhe
dava a sensação de estar imune aos problemas do mundo.
O filme vai aos poucos
deslindando essas múltiplas linhas e como elas se desenvolvem em paralelo até
culminarem na grande tempestade que foi o assassinato de Nicole Brown Simpson, separada de O.J na época em que foi assassinada, e seu então
namorado Ron e todo o julgamento televisionado de O.J Simpson. Através de
entrevistas com amigos, conhecidos, parceiros de negócios, além do uso de
imagens de arquivo, o documentário faz do julgamento de O.J um julgamento da
própria sociedade americana e como as ilusões de grandeza construídas por ela e
o lado feio que tentam ocultar (como a brutalidade policial) contribuíram para
transformar o que deveria ser um procedimento jurídico sério em entretenimento
de massa e um fórum de discussões para uma miríade de outras questões, que,
embora importantes e necessárias para a esfera política, não eram exatamente
centrais ao caso.
A narrativa do documentário traz
evidências sobre como O.J sempre rejeitou contato com o movimento negro dos
Estados Unidos, mas, junto com seus advogados, não hesitou em aproximar-se
deles no momento em que se viu preso e a adesão lhe era conveniente. Também
torna possível compreender como o movimento negro da época o viu como quase um
mártir da causa dos direitos civis e entrou em defesa dele, principalmente
quando um dos policiais responsável pelo caso revelou posturas bastante
racistas.
Ao mesmo tempo, também pontua os
erros da investigação policial e da defesa e como muito disso minou o caso, sem
mencionar o próprio desgaste do júri, isolado e sem contato com o mundo
exterior pelos mais de 200 dias de julgamento. Assim como a série ficcional The People v. O.J Simpson, o
documentário é inteligente em não julgar os envolvidos, nem a promotoria, nem a
defesa e ao invés disso apresenta um amplo estudo do contexto no qual tudo
aconteceu, permitindo ao espectador entender porque as coisas aconteceram do
modo como aconteceram e o que motivou as decisões. O próprio O.J é único a que
o filme demonstra exibir um parecer à respeito, mostrando as evidências de abuso
doméstico que datam de quase uma década antes do crime, passando por
depoimentos de pessoas próximas e também mostrando a conduta errática e
questionável do ex-atleta até sua eventual prisão por um crime tão bizarro que
parece saído de um filme dos irmãos Coen.
Estruturalmente é bem básico,
costurando depoimentos e arquivos audiovisuais, mas impressiona a quantidade de
material coletado e de pessoas ouvidas, revelando um amplo trabalho de pesquisa
sobre o fenômeno retratado. É um documentário extremamente consistente em
revelar como a trajetória de O.J ajuda a compreender muito sobre a sociedade
estadunidense e as rachaduras ocultas sob o ideal do "sonho
americano".
Nota: 9/10
Trailer
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