Alguns
filmes nos conquistam pela sua estrutura narrativa, outros pela sua composição
visual, pela música, pelo trabalho dos atores ou pela junção de todas essas
coisas. Um Limite Entre Nós funciona
primordialmente pela qualidade dos diálogos e pelo trabalho dos dois
protagonistas.
Adaptando
a célebre peça teatral de August Wilson, o filme se passa nos anos 50 e
acompanha Troy (Denzel Washington) um homem trabalhador de classe média que luta
para cuidar de sua família da melhor maneira que pode, ao mesmo tempo em que
arrependimentos passados e o acúmulo de suas frustrações se coloca no meio de
sua relação com Rose (Viola Davis), sua esposa.
A
trama demora um pouco de engrenar, focando sua primeira metade no cotidiano da
família encabeçada por Troy e em como ele se relaciona com cada um deles. A
questão nem é o foco no trivial ou a ausência inicial de um ponto de conflito
claro, é possível fazer um assim e ainda evitar que ele soe cansativo ou
estático, como o ótimo A Cidade Onde Envelheço. O problema é o modo como isso é apresentado a nós, através de um
trabalho de câmera que se limita ao plano e contraplano enquanto Troy conversa
com seus familiares e se mantêm praticamente estático em cena, engatando um
longuíssimo monólogo atrás do outro sem sequer se mover.
O
filme ganha mais fluidez a partir do momento em que Troy faz uma revelação
impactante a Rose (vocês saberão o que é quando virem) e se torna menos
estático em relação as ações dos atores e também ao uso de câmera e montagem,
que passa a evidenciar outras coisas além dos rostos dos atores e faz o esforço
de usar os recursos da linguagem cinematográfica para outros fins que não
apenas registrar os diálogos. Um exemplo é a própria cena da revelação, que
mostra um plano detalhe de Rose jogando no chão a rosa dada a ela por Gabe (Mykelti
Williamson, o eterno Bubba do Forrest
Gump), o irmão de Troy que tem problemas mentais, ou mesmo o corte feito
pela montagem durante a discussão de Troy e Rose no quintal que nos mostra um
Gabe dentro da casa sem saber como reagir ao que acontece. O mesmo pode ser
dito da sequência de montagem mostrando Troy construindo a cerca e intercalando
isso com os olhares distantes de Rose, usando a cerca como uma metáfora das
barreiras que estão se erguendo entre os dois personagens.
Em
um filme tão centrado no trabalho dos atores (seja pelas exigências do texto,
seja pelas escolhas estilísticas da direção de Denzel Washington) tudo
desabaria se o elenco não conseguisse dar conta de cada nuance sutil sugerida
pelo texto de August Wilson e nesse quesito Um
Limite Entre Nós não decepciona. Tanto Washington quando Davis já tinham
atuado na peça teatral e é visível a familiaridade deles com o material e o
modo como transmitem como naturalidade cada um dos longos diálogos de seus
personagens e através desses diálogos vão cuidadosamente removendo camada por
camada da "armadura" dos dois protagonistas, desnudando suas
contradições, suas falhas, seus arrependimentos e suas motivações. O texto é
maduro o suficiente para evitar maniqueísmos e transformar Troy ou Rose em
vilão, compreendendo o cotidiano duro vivido pelos dois e o quanto disso
resultou em sonhos não realizados e potencial não explorado em suas vidas,
cujas frustrações e lamentos se acumularam ao longo de anos até atingirem o
ponto em que os encontramos no filme.
Se
estilisticamente Um Limite Entre Nós pode
soar estático, a qualidade do texto e das atuações de Denzel Washington e Viola
Davis compensa tudo isso. Com paixão e sensibilidade, o filme constrói um
complexo retrato das vivências de uma família negra nos Estados Unidos dos anos
50.
Nota:
8/10
Trailer
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