A primeira temporada de Crazy Ex-Girlfriend me pegou de surpresa
com seu olhar crítico e sarcástico para as convenções da comédia romântica e o
modo irônico com o qual se valia de números musicais para exprimir isso.
Funcionando basicamente como uma anti comédia romântica, a série pegava uma
premissa bem básica desse tipo de filme: mulher extremamente bem sucedida e
inteligente que é infeliz apesar de seu sucesso profissional, um dia ela
encontra um ex-namorado de adolescência e então se dá conta de que o aquilo que
necessário para ser feliz não eram seus títulos acadêmicos ou seu trabalho, mas
um homem, um "príncipe encantado". A partir daí ela largava tudo,
incluindo seu emprego e sua vida em Nova Iorque para correr atrás de seu ex na
pequena cidade californiana na qual ele morava.
A questão é que a narrativa
deixava claro que o escolhido da protagonista Rebecca Bunch (Rachel Bloom), não
era a solução de seus problemas. Na verdade, deixava evidente que ela não amava
realmente Josh (Vincent Rodriguez III), mas a ideia que construiu dele e a
ideia de que um relacionamento sério iria resolver todos os seus problemas de
autoestima, inseguranças e senso de inadequação. A primeira temporada terminava
com ela finalmente conseguindo Josh depois de fazê-lo desistir de seu casamento
com Valencia (Gabrielle Ruiz). Parecia um final feliz bem típico desse tipo de
trama, mas a expressão preocupada de Josh ao ouvir Rebecca confessar que tinha
mudado para West Covina só para tentar ficar com ele deixa claro que os
problemas da protagonista não vão se solucionar com tanta facilidade. Aviso que
a partir deste ponto, SPOILERS sobre a temporada são inevitáveis.
A trama continua tentando abordar
o aprendizado e amadurecimento de Rebecca, que continua a crer que a resposta
para seus problemas reside em um relacionamento. Do mesmo modo, se Josh parecia
simplesmente um tolo imaturo e sem ambição na temporada anterior, aqui vemos
como ele é, de certo modo, similar a Rebecca, ignorando seus próprios problemas
de autoestima e se jogando nos braços de qualquer mulher que lhe dá atenção
achando que um relacionamento com outra pessoa resolverá seus conflitos
internos.
A compreensão dos próprios
problemas e desvios de conduta na verdade é um tema que perpassa boa parte dos
personagens da série. Greg (Santino Fontana, a voz do Hans de Frozen) finalmente se dá conta de que
seu comportamento autodestrutivo e bebedeira não aconteciam porque as pessoas
ou o mundo eram injustos com ele, mas por ele próprio se detestar. Paula (Donna
Lynne Champlin), por sua vez, finalmente entende que o fato dela estar tão
envolvida nos esquemas de Rebecca (às vezes mais do que a própria) para
conseguir Josh era porque ela queria calar a sensação de vazio existencial que
sentia em sua vida (funcionando quase como uma crítica a quem consome comédias
românticas tradicionais) e assim decide retomar as rédeas da própria vida e
perseguir seu sonho de cursar Direito. O arco dela também ajuda a mostrar como
Rebecca é imatura e egoísta, já que a relação das duas era completamente
unilateral com Paula sempre disposta a ouvir e ajudar a protagonista em seus
problemas, mas com Rebecca raramente demonstrando interesse na vida de Paula.
Outros personagens também passam
por isso, como Heather (Vella Lovell), que finalmente se dá conta de que a
condescendência de seus pais sempre premiou e valorizou seus fracassos,
impedindo-a de confrontá-los e aprender com eles. Valencia se vê perdida depois
de terminar a relação com Josh, já que ela sempre pensou no próprio futuro em
relação a ele e não tinha nada planejado para si própria. Até Darryl (Pete
Gardner) precisa lidar com a insegurança de namorar alguém mais novo e temer o
impacto que seu namoro com Josh Branco (David Hull) pode ter na relação com sua
filha. Josh Branco, por sinal, é o personagem mais maduro e bem resolvido
consigo mesmo da série, sempre tentando alertar os amigos sobre os riscos de
suas escolhas erradas e sempre hilariamente ignorado por eles.
Falando em conselhos
divertidamente ignorados, os momentos mais engraçados da temporada são as
sessões de Rebecca com a terapeuta, que tenta direcioná-la a confrontar seus
problemas do passado e se dar conta de que seus problemas vem da relação tóxica
com o pai, que a fez crer que sua ausência na vida dela foi por conta da
carência da personagem (quando na verdade ele é um babaca manipulador). As
reações de incredulidade da Dra. Akopian (Michael Hyatt) cada vez que Rebecca
responde suas perguntas de modo irreal e delirante são divertidíssimas. O
melhor momento talvez seja quando Rebecca finalmente começa a reconhecer a raiz
de seus problemas e a doutora a olha como se visse um babuíno aprendendo a usar
talheres, apenas para que Josh invada o consultório um segundo depois para pedir
a protagonista em casamento e a terapeuta joga os braços para cima em revolta e
desânimo pela oportunidade perdida em fazer progresso real. Há também muitas
situações baseadas em "humor de constrangimento", na qual os
personagens fazem algo vergonhoso sem se dar conta (pensem em The Office), como o desfile do qual Josh
participa ou praticamente todas as cenas envolvendo Trent (Paul Welsh).
Isso sem mencionar o sarcasmo e
ironia dos números musicais, algo que já começa no número de abertura.
Remetendo aos números de Busby Berkley nos musicais da década de 30, a canção
ironiza a ideia de que mulheres apaixonadas se comportam como loucas e que isso
seria natural e próprio da conduta feminina. Igualmente irônica é a alegre
canção de Greg para contar aos amigos que é um alcoólatra degenerado na qual
narra, sob uma melodia feliz, como urina nas calças e vomita no gato. Alguns
números também divertem pelo modo como fazem graça em cima de canções ou clipes
famosos, a exemplo de Makeover que
lembra Peacock de Katy Perry, Friendtopia que remete a vários clipes
das Spice Girls (e as personagens até
cantam com um leve sotaque britânico) ou a maneira divertida que Devil Winds referencia as canções da
banda Four Seasons e os falsettos do
vocalista Frank Valli (cuja trajetória já foi abordada pelo cinema no filme Jersey Boys).
Ainda que relativamente lento em
relação ao aprendizado da protagonista, a segunda temporada de Crazy Ex-Girlfriend continua a
apresentar um olhar bastante crítico e ácido sobre uma geração que parece ter
dificuldade em aprender que a vida não é como nos filmes, parodiando as
convenções de comédias românticas e musicais.
Nota: 8/10
Trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário