Misturar um filme de monstro como
King Kong (que já teve várias
versões, a mais recente conduzida por Peter Jackson em 2005) com filmes sobre a
guerra do Vietnã e seu desencanto como Apocalypse
Now (1979) e Platoon (1986) parecia uma ideia bizarra demais para dar certo. É,
no entanto, exatamente isso que este Kong:
A Ilha da Caveira faz e surpreendentemente bem, por sinal.
A trama se passa em 1973 quando
um satélite dos Estados Unidos capta uma ilha até então desconhecida. Os
pesquisadores Bill Randa (John Goodman) e Houston Brooks (Corey Hawkins) creem
que a ilha pode guardar segredos intocados pelo homem e requisitam auxílio
militar para sua expedição. A dupla recebe o pelotão liderado pelo coronel
Packard (Samuel L. Jackson) e também contrata o ex-militar britânico James
Conrad (Tom Hiddleston) por sua experiência em rastreamento e sobrevivência.
Completa o time a fotógrafa Mason Weaver (Brie Larson), que viaja junto para
descobrir os segredos que o lugar guarda. Os helicópteros do grupo são
prontamente abatidos pelo gigantesco Kong assim que chegam na ilha e o coronel
Packard fica obcecado em destruí-lo, mas o subsolo da ilha guarda ameaças ainda
mais perigosas que o gorila.
O visual e o ritmo de trama
remete aos tons saturados de laranja usados por Coppola em Apolypse Now para ressaltar o calor causticante do sol, bem como a
intensidade das bombas e das chamas de napalm, assim como também reproduz os
ambientes pantanosos e tomados por névoa retratados pelo diretor. Isso não
significa, no entanto, que este filme se leve tão a sério quanto os citados
acima. Ele tem sua parte de comentário político, usando a situação dos anos 70
para refletir a atual (justificando assim a escolha desse período histórico),
incluindo um instante em que um personagem jocosamente diz que aquele é o pior
momento da Casa Branca, ou um breve plano em que um boneco de Richard Nixon é
enquadrado de cabeça para baixo conforme o helicóptero cai. A personificação
disso fica por conta do personagem de Samuel L. Jackson, um militar que trata
tudo que é diferente e não compreende como um inimigo a ser aniquilado,
funcionando como uma metáfora para a mentalidade da era Nixon e também da atual
era Trump.
O discurso não chega a ser
exatamente explícito e fica mais numa camada subtextual, afinal ainda é um
filme sobre monstros gigantes saindo na porrada e não decepciona nesse quesito.
A anatomia do Kong remete mais ao visual do filme de 1933 de uma criatura mais
forte e robusta do que a abordagem mais fotorrealista de Peter Jackson, que o
concebia como uma versão maior de um gorila comum. O Kong desse filme é mais
uma criatura do que um animal comum, inclusive resistindo sem muito esforço às
metralhadoras dos helicópteros, e o filme consegue explorar muito bem seu
poder, selvageria e brutalidade, em especial numa cena em que ele esmaga um
polvo gigante ou no embate final contra o líder dos "lagartos
caveira", cujo visual é bem macabro.
Os personagens humanos também tem
seus bons momentos, em especial o sufocante tiroteio em meio ao cemitério dos
Kongs e o ataque inicial à ilha. A questão é que a maioria deles não é lá muito
interessante. O personagem do Tom Hiddleston, por exemplo, é apresentado como
um homem bruto e direto quando o vemos em um bar pela primeira vez, mas tem
pouco espaço para ser esse grande herói de ação no restante do filme. O mesmo
pode ser dito da fotógrafa interpretada por Brie Larson, que tem muito pouco a
fazer durante a trama e não fosse o carisma dela e de Hiddleston seus personagens
seriam bem esquecíveis. Na verdade, os únicos dignos de nota são o tresloucado
veterano da Segunda Guerra vivido por John C. Reilly, responsável pelos
momentos mais divertidos do filme, e o coronel interpretado por Samuel L.
Jackson. Sim, ele é de certa forma aquele clichê do militar belicista que é
usado o tempo todo por esse tipo de filme, mas Jackson consegue dar intensidade
e gravidade suficiente ao personagem para que ele escape da caricatura.
O filme ainda faz um bom uso do
3D, trabalhando a profundidade e proximidade de campo para ressaltar a vastidão
dos ambientes e o tamanho das criaturas. Mesmo em cenas escuras a paleta de
cores intensas evita que as lentes dos óculos atrapalhem aquilo que vemos. Parece algo simples, mas dada a quantidade de filmes que é exibida em 3D,
mas não orienta sua fotografia para tal (como as recentes versões
hollywoodianas de Godzilla ou Tarzan) isso é algo a ser elogiado.
Kong: A Ilha da Caveira funciona pelas ótimas cenas de ação, pelo
carisma dos atores e o modo como usa a ambientação de época, mesmo que os
personagens sejam pouco desenvolvidos e a trama seja o tradicional "homem
mexe com forças que não entende e se dá mal por isso".
Nota: 7/10
Obs: Há uma cena pós créditos que faz menção a um certo réptil gigante
Trailer
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