"Precisamos ser melhores uns com os outros" diz um personagem
em certa altura desta primeira temporada de 13
Reasons Why. Uma frase que sintetiza de forma concisa e sensível todas as
ideias que temporada tenta passar ao longo de seus treze episódios. Há um
ditado que prega que "é preciso uma vila para educar uma criança" e
essa série nos lembra com dureza como também é preciso uma vila para destruir
alguém ao ponto do suicídio. Isso não é algo que vem do nada, tampouco é
meramente uma questão de fraqueza ou covardia, é um processo, existem sinais,
etapas. A questão é que ninguém pensa em como aquilo que dizemos e fazemos pode
impactar o outra.
A trama começa quando Clay (Dylan
Minette) recebe em sua casa um conjunto de fitas cassete aparentemente gravadas
por Hannah (Katherine Langford), sua paixão de escola que recentemente cometeu
suicídio. Ao começar a ouvir, Clay descobre que as fitas são uma espécie de carta
de suicídio na qual ela lista os 13 motivos que teve para tirar a própria vida
e como foi constantemente abusada e magoada pelos colegas.
É uma estrutura quase que de
narrativa investigativa, com uma morte inicial sem explicação e depois a busca
de um personagem para encontrar os indícios que expliquem como essa morte
ocorreu. É intrigante não somente porque lida com algo com o qual convivemos e
constantemente buscamos explicação (nem sempre sabemos o motivo de alguém se
matar). Também o é por sermos informados já de início que Clay, que parece ser
um bom garoto e gostar realmente de Hannah, ser um desses motivos para o
suicídio da garota. Afinal, o que alguém aparentemente legal, diferente de
outros colegas citados nas fitas, foi capaz de fazer com essa garota. Mais que
isso, também nos perguntamos exatamente o que a garota pretendia ao gravar
aquelas fitas. Ela queria expor todos eles? Queria que se destruíssem de culpa?
Queria a atenção que nunca teve em vida? Ela tinha algum plano ou tudo foi
simplesmente desespero?
A trama tem um bom manejo da
intriga, sempre nos oferecendo revelações impactantes que ajudam a compreender
a dor e o desamparo de Hannah, constantemente prejudicada pelos colegas, cujas
"brincadeiras" parecem não ter nada demais, mas que vão se acumulando
e escalonando ao ponto em que abuso verbal dá lugar a abuso físico e culmina em
abusos sexuais. Para além da competência do jogo pista/recompensa, serve também
como um lembrete duro e sem concessões do que acontece nas escolas e na
sociedade, de como uma exagero de uma cara ao falar sobre sua
"ficada" com uma menina cria para ela uma reputação negativa que a
submete a constantes xingamentos. De como uma "inocente" lista de
meninas mais bonitas ou mais feias fazem as pessoas se sentirem autorizadas a
passar a mão em quem bem entenderem ou como a fabricação de uma reputação de
"vadia" para alguém faz todo mundo (em especial homens) achar que
aquela garota tem obrigação de fazer sexo com ele só porque lhe deu atenção.
Não são só para condutas
claramente desprezíveis que a série mira suas atenções. Também olha para a
conivência daqueles que não fazem nada e que através de seu silêncio contribuem
para a sensação de "normalidade" a uma sistemática conduta de abuso.
Cada vez que uma "pessoa boa" fica calada ao ouvir e ver um amigo ou
colega dizer algo degradante sobre alguém ou submeter outros a abusos físicos,
ela também contribui para a perpetuação dessa conduta e está sendo conivente
com esses abusos.
O texto também trabalha para
mostrar como depressão não é de modo algum uma mera questão de "fraqueza",
"carência" ou "necessidade de atenção". Como muitas vezes a
dor do outro é subestimada sob essas e outras alcunhas e sequer nos esforçamos
para tentar entender os problemas que pessoas próximas passam. Vemos como os
pais de Hannah estão tão imersos em lidar com seus problemas financeiros que
sequer prestam atenção direito na filha, apesar de claramente a amarem. Quando
ela faz uma mudança radical no visual, um evidente pedido de atenção, eles agem
como se nada tivesse acontecido, nem um elogio, nem uma crítica, nem uma
pergunta de "porque você cortou seu cabelo assim?", nada.
Por outro lado também tem
sensibilidade para evitar maniqueísmos fáceis e mostra como alguns dos
estudantes que prejudicaram Hannah também tem suas próprias angústias, inadequações
e confusões, tendo preferido descontar seus problemas em Hannah para se sentir
bem consigo mesmos ao invés de lhe oferecerem apoio e tentarem se ajudar
mutuamente. Vemos isso no modo como Alex (Miles Heizer) a objetifica apenas
para cair nas graças dos garotos populares ou quando Courtney (Michele Ang)
reforça sua imagem de Hannah de "vadia" apenas para não ter que
assumir para os colegas que é lésbica. Mesmo Justin, que tem algumas das piores
atitudes, é mostrado como um adolescente perdido, cheio de medos e inseguranças
por sua relação complicada com a mãe viciada em drogas (não que isso seja o
bastante para justificar algumas de suas atitudes).
Mesmo assim, a revelação mais
impactante dentre os problemas de Hannah com os colegas é justamente a que envolve
Clay. Não que ele tenha feito algo tão horrível quanto os outros, mas é
justamente a simplicidade do ato que torna tudo tão devastador. A cena em que
ele se imagina contanto para ela todas as coisas que não disse em vida é
devastadora ao trazer à tona toda dor e arrependimento de um garoto que, preso
em sua timidez e imaturidade, deixou de ser o apoio que ela precisava. Seu
impacto também reside no fato de que a própria Hannah em suas fitas demonstra
reconhecer a falta de culpa de Clay, mas ainda assim ficamos imaginando se uma
atitude diferente poderia ter rendido resultados diferentes.
Os episódios constantemente
alternam entre o presente das buscas de Clay com o passado narrado nas fitas de
Hannah e os elegantes raccords que
fazem a passagem entre passado e presente muitas vezes servem para mostrar como
a cidade ou o universo (no sentido mais amplo e metafísico da palavra) parecem
indiferentes ao que aconteceu, com muitas pessoas fazendo as mesmas coisas e
agindo da mesma forma. Isso fica evidente na cena em que Clay entra em uma loja
de conveniência para perguntar sobre a conduta de Hannah na noite de um
acidente e o balconista da loja é mostrado na mesma pose, com o mesmo visual e
jogando o mesmo jogo no celular nos dois níveis temporais.
A fotografia do presente e dos flashbacks também demonstra um evidente
contraste entre os dois tempos. Em geral o passado tem mais luzes, cores mais
fortes e em saturação mais alta, enquanto que o presente os mesmos ambientes
tem luzes menos intensas e as cores tem mais tons frios e pouco saturados. É
como se morte da garota literalmente tivesse tirado a luz e a cor daquele
lugar.
Há um senso claro de consequência
e pesar em relação ao que acontece e a série não alivia a barra para o
espectador e nos faz sentir o impacto de cada instante de abuso. Desde o
momento em alguém casualmente aperta o bumbum de Hannah comentando que ela fez
por merecer o primeiro lugar na lista de "mais gostosas", até os dois
estupros que acontecem ao longo da temporada com duas garotas diferentes. Não
há nada particularmente gráfico nessas duas cenas, mas os cortes rápidos e a
música fazem tudo soar como algo brutal e traumático ao ponto de transformar as
memórias em meros fragmentos. Igualmente pesado e impactante é a cena do suicídio
de Hannah. Isso não ocorre somente pela crueza do momento, que nos revela sem
concessões a garota se cortando e o sangue jorrando, mas também por nos negar
qualquer alento ou alívio durante toda a cena. Era de se imaginar que ao dar um
fim em tudo Hannah encontrasse alguma medida de paz ou conforto, mas isso não
acontece. Confiando quase que somente na interpretação de Katherine Langford ao
usar planos mais longos e pouca música, vemos como mesmo em seus últimos
instantes ela estava tomada por medo, dor, mágoa, insegurança e pavor, não
havendo nada de tranquilizador ou libertador em sua morte.
Langford, por sinal, é ótima em
delinear a transformação de Hannah. De uma garota bem humorada, cheia de
otimismo e vontade de experimentar a vida, ela vai se tornando cada vez mais
retraída e cada vez mais temerosa em se expressar ou se aproximar das outras
pessoas. Do mesmo modo, Dylan Minette é bem convincente na espiral de culpa e
desamparo na qual Clay mergulha ao descobrir todas as coisas que aconteceram
com Hannah antes de sua morte que ele nunca soube. Há algo bastante verdadeiro
no modo como ele nos mostra esse garoto desmoronar ao perceber que apesar de
todos os cartazes e flores, ninguém realmente se importava com a garota e
aqueles que a prejudicaram tocam suas vidas como se nada tivesse acontecido.
O final deixa vários ganchos e
muita coisa inconclusa e confesso que me sinto meio ambivalente em relação a
isso. Por um lado aprecio que não hajam respostas prontas, afinal não há uma
maneira única ou receita para lidar com algo assim. Por outro lado, se a
intenção é ter uma segunda temporada, não sei até que ponto há material ou
tramas suficientes para sustentar mais treze episódios. Talvez fosse melhor ter
terminado tudo em mais alguns episódios como se fosse uma minissérie ao invés
de estender por mais temporadas correndo o risco de resultar em algo arrastado
e cheio de filler como a segunda
temporada de Narcos, mas é melhor
deixar esse tipo de julgamento para quando uma (eventual) nova temporada sair.
Essa primeira temporada de 13 Reasons Why é possivelmente uma das
melhores produções originais da Netflix. Encarando sem medo e sem concessões
temas complicados como bullying,
depressão e machismo, a série consegue ser impactante e cheia de sensibilidade.
É um poderoso lembrete sobre como muitas vezes menosprezamos a dor e os
problemas de quem está do nosso lado e como certas condutas aparentemente
"inofensivas" podem ser incrivelmente danosas.
Nota: 9/10
Trailer
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