Apesar de ser anunciada como uma
série de comédia parodiando as extravagâncias e futilidades do universo do
entretenimento, a animação BoJack
Horseman nunca se furtou de explorar os cantos mais sombrios da psique de
seus personagens e suas tendências autodestrutivas e depressivas. Essa quarta
temporada também não foge de se aprofundar nas angústias dos protagonistas e ao
nos mostrar suas tentativas de lidar com tudo isso acaba pavimentando o caminho
deles rumo a algum tipo de reparação, resultando na melhor temporada da série
até então.
A trama começa onde a terceira
terminou com BoJack (WillArnett) deixando Hollywoo depois da morte de Sarah
Lynn (Kristen Schaal). O ex-astro de televisão parte em uma jornada de
redescoberta e acaba indo até a antiga casa de sua mãe no interior dos Estados
Unidos. Enquanto ele se mantém distante, os demais personagens continuam
tocando suas vidas. Mr. Peanutbutter (Paul F. Thompkins) se engaja em uma
absurda campanha eleitoral para governador que cria conflitos em seu casamento
com Diane (Alison Brie), Princess Carolyn (Amy Sedaris) resolve tentar
engravidar e Todd (Aaron Paul) tenta criar um negócio envolvendo palhaços dentistas.
Entre todas as tramas a mais
interessante é de longe a de BoJack, que o coloca para confrontar o passado
complicado de sua família ao mesmo tempo em que lhe apresenta uma nova
possibilidade de se conectar com alguém na forma da jovem Hollyhock (Aparna
Nancherla) que talvez seja sua filha. A mãe de BoJack, Beatrice (Wendie
Malick), sempre foi mostrada como fonte de boa parte dos problemas de
autoestima dele, sempre colocando-o para baixo e menosprezando tudo que ele
fazia, mas ao nos mostrar um pouco de seu passado, conseguimos entender porque
ela se tornou daquela maneira. Claro, isso não serve como desculpa para o que
ela fez com BoJack, que não tinha culpa nenhuma dos traumas dela, mas torna
compreensível e crível a conduta dela.
Através do passado de Beatrice
vemos como os filhos acabam repetindo os erros dos pais em um ciclo de traumas
e frustrações até chegarmos na relação de BoJack com Hollyhock. O processo
mental de BoJack é inteligentemente ilustrado como uma série de animações
toscas no sexto episódio, denotando não só a visão negativa que ele tem de si
mesmo, mas também revelando a personalidade depressiva, insegura e cheia de
ansiedade do personagem.
Os momentos mais poderosos da
temporada acabam vindo justamente da exploração do rancor de BoJack com a mãe,
em especial no penúltimo episódio que nos mergulha na mente esclerosada de
Beatrice. Mostrando a decadência e fragmentação de suas memórias através de
rostos rabiscados, cenários tremidos e o modo como a mãe de Beatrice aparece
com uma sombra cujo único traço identificável é a cicatriz de sua lobotomia,
experimentamos o horror vivenciado por uma pessoa presa na própria cabeça e
constantemente revivendo seus piores e mais traumáticos momentos, não muito
diferente do que tinha acontecido com sua própria mãe (embora as causas sejam
diferentes).
Quando tudo parece apontar para
uma visão fatalista da relação entre pais e filhos, a série entrega seu momento
mais arrebatador quando Beatrice tem um breve momento de lucidez e BoJack tem a
oportunidade perfeita para jogar em sua cara quanto a odeia (e estaria
justificado em fazê-lo), mas ao invés disso escolhe abrir mão de seu ódio para
lhe dar uma mínima medida de conforto ao lhe dizer que estão na casa do lago.
Assim, BoJack consegue mostrar que ele talvez seja capaz de quebrar esse ciclo
de relações familiares tóxicas, mostra que pode ser capaz de superar seus
traumas e, bem, que pode ser uma pessoa (ou cavalo) melhor.
Logicamente a temporada não é
feita apenas de momentos de emoção e bad
trip, encontrando muitos momentos para o humor sem noção que lhe é
característico. O arco do Mr. Peanutbutter é uma crítica à espetacularização do
debate político e como a imprensa dá mais destaque a frivolidades do que aos
assuntos realmente importantes. As cenas com Princess Carolyn parodiam
constantemente a conduta autocentrada das personalidades do entretenimento
enquanto que Todd é puro nonsense com
sua empresa de palhaços dentistas cujo desfecho é simplesmente hilário. Mesmo
entre esses personagens, a série também tem algumas verdades duras sobre como
lidamos com a vida, a exemplo do desfecho niilista do nono episódio que nos
lembra como constantemente inventamos mentiras e fantasias para atenuar nossos
problemas. Ainda assim, nessa temporada nenhum desses personagens tem uma
jornada tão interessante e rica quanto a de BoJack, o que acaba diminuindo a
força dos momentos em que ele não está em cena.
Ao se concentrar nos problemas
emocionais e familiares de seu protagonista a quarta temporada de BoJack Horseman é a melhor da série até
aqui, nos fazendo vislumbrar uma possibilidade de reparação ou reconstrução
para o atormentado cavalo antropomórfico.
Nota: 9/10
Trailer
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