Chegando na sua terceira
temporada, a série How to Get Away With
Murder continua a trabalhar com a mesma estrutura narrativa de mostrar um
crime acontecendo e então retornar ao passado para mostrar como ele aconteceu,
resolvendo tudo nos últimos episódios. Se antes tudo funcionava pelo afiado
manejo da intriga, agora a série já não demonstra o mesmo vigor com algumas
tramas que não decolam e resoluções que soam como trapaças. Aviso que o texto a
seguir contem SPOILERS.
A narrativa começa no exato ponto
em que a segunda temporada acabou, com Wes (Alfred Enoch) testemunhando o assassinato
do homem que acredita ser seu pai biológico. Sem perder tempo, ficamos sabendo
que Frank (Charlie Weber) foi o responsável, já que se Wes ou Annalise (Viola
Davis) tentassem entregá-lo às autoridades, ele revelaria que a vítima era o
pai de Wes, colocando as suspeitas sobre o estudante. Assim, Annalise tenta
encontrar um meio de encontrar Frank e fazê-lo pagar por este assassinato, mas
pelo que fez com ela no passado. A temporada tenta criar um clima de que todas
as mentiras construídas pelos personagens até então podem ruir a qualquer
momento com ameaças vindo por todos os lados, mas muitos desses arcos não
rendem o que deveriam.
A escolha de tornar Frank o
antagonista dos primeiros episódios acaba sendo decepcionante, já que o
personagem não consegue ser um antagonista crível, nem consegue angariar
simpatia quando finalmente é revelado seu passado. Variando entre extremos,
Frank pode ir de sociopata frio a um chorão catatônico entre um episódio e
outro, mudando de personalidade quando convém ao roteiro, querendo se livrar a
qualquer custo da influência tóxica de Annalise em um instante para no seguinte
se debulhar em lágrimas pedindo que a advogada o aceite de volta. As escolhas de composição do ator Charlie
Weber também não fazem favores ao personagem. Em especial por sua decisão de franzir os
olhos e apertar os lábios (praticamente fazendo biquinho) toda vez que precisa
mostrar intensidade resultando em algo que parece mais uma imitação de
supermodelo e faz Frank parecer ridículo ao invés de sério, misterioso ou
ameaçador.
A subtrama envolvendo a disputa
entre Annalise e a reitoria da universidade por conta dos cartazes com sua foto
e os dizeres "assassina" não só não fazem sentido como não levam a
lugar algum. Até esse ponto da trama Annalise é uma profissional de conduta
ilibada e os cartazes são mais um ato de assédio moral, intimidação, calúnia ou
difamação do que uma denúncia séria que pode manchar a reputação da
universidade. Não faz sentido, portanto, que a universidade decida rebaixá-la
de seu cargo e suspendê-la, afinal ela é claramente vítima de ataques à sua
reputação, mas o conselho diretor prefere inexplicavelmente tratá-la como
culpada. Não é à toa que cinco episódios depois Annalise resolva ameaçar a
reitora Soraya (Luna Velez) com um processo milionário e o fato que alguém tão
inteligente e engenhosa como Annalise tenha demorado tanto para pensar nisso só
mostra como tudo foi mal concebido.
Para piorar quando o culpado é
descoberto isso não tem impacto nenhum no restante da temporada ou da trama. O
sujeito era simplesmente um aluno
descontente qualquer. Imaginei que o personagem fosse voltar
posteriormente para funcionar como antagonista, mas não, ele é completamente
esquecido. Ocasionalmente ele aparece em sala de aula para fazer algumas
provocações a Wes e os demais personagens, mas tudo é tão tolo e infantil que
ele mais soa como um valentão de escola de série do Disney Channel.
Por outro lado a série acerta ao
explorar os relacionamentos entre os personagens e os usa para desenvolver e
aprofundar suas personalidades ao invés de apenas criar conflitos amorosos. A
relação entre Wes e Laurel (Karla Souza) agora é mais orgânica e tem razões
mais críveis para acontecer, com Laurel lamentando o que Frank fez com Wes e se
aproximando dele em virtude de seu arrependimento. Do mesmo modo, a aproximação
entre Asher (Matt McGorry) e Michaela (Aja Naomi King) permite vermos tanto o
amadurecimento de Asher, deixando de ser o mauricinho arrogante das temporadas
anteriores, como também lança luz sobre o passado de Michaela e nos ajuda a
compreender porque ela é daquele jeito. Asher, por sinal, é responsável por
alguns dos momentos mais engraçados da temporada, como a expressão incrédula
que ele faz ao descobrir que Frank fez a barba, agindo como se fosse algo
impossível e impensável.
As idas e vindas na relação entre
Connor (Jack Falahee) e Oliver (Conrad Ricamora) servem para ilustrar como
Connor sente o peso de suas mentiras, mesmo que para proteger o namorado, e a
distância ajuda a Oliver a compreender que provavelmente não encontrará ninguém
que o compreenda como Connor, já que de certa maneira os dois são pessoas
danificadas.
Quem continua sendo a melhor
coisa da série, no entanto, é a Annalise de Viola Davis, que também começa a
sentir o peso de todas as coisas ruins das duas últimas temporadas sobre seus
ombros e começa a ruir. Poderosa e implacável, algo evidenciado pela cena em
que esbofeteia um assassino de mulheres, Annalise também está mais vulnerável
do que nunca. O modo como ela afasta as pessoas que mais se importam com seu
bem estar, a exemplo de Nate (Billy Brown), revela o quanto ela se sente
culpada e se considera indigna de afeto por conta da mácula de seus crimes.
Assim como nas outras duas temporadas, Davis tem momentos emocionantes com a
veterana atriz Cicely Tyson, que retorna em um episódio como a mãe de Annalise.
Essa temporada também equilibra
com habilidade os "casos da semana" com a trama maior da temporada.
Além da relação orgânica com o arco principal, esses casos da semana também
levantam debate sobre temas importantes, como as políticas de imigração dos
Estados Unidos, o funcionamento do sistema prisional e o modo como a sociedade
lida com o feminicídio. O arco principal, por outro lado, deixa um pouco a
desejar. Ao contrário das outras temporadas esta tenta esconder a identidade de
quem é morto no crime mostrado em flashfoward,
revelando a vítima só no nono episódio. A despeito do mistério é bem óbvio
deduzir sua identidade, pois poucos personagens poderiam provocar a reação de
horror e desespero mostrada por Annalise no primeiro episódio quando ela vê o
cadáver.
O duelo entre Annalise e a
promotoria consegue ser eficiente na construção do suspense, já que os dois
promotores se mostram tão espertos e ardilosos quanto a própria Annalise e seus
alunos, mas a revelação do culpado pelo crime acaba soando bastante desonesta.
O assassino, ou melhor, o mandante do crime é um personagem que em momento
algum tinha sido citado na investigação ou considerado suspeito por qualquer um
dos outros personagens. É alguém que apareceu brevemente em apenas um episódio
da temporada e mesmo as cenas em flashback
mostradas durante a revelação fazem pouco para mostrar como a narrativa vinha
plantando pistas de sua possível culpa desde o início. Dessa maneira a
reviravolta parece uma puxada de tapete desonesta e manipulativa por parte do
roteiro, que reforça a impressão de que a série está mais preocupada em pegar
seu público no contrapé a qualquer preço do que tecer uma trama coesa.
Fica a sensação de que na próxima
temporada o culpado pode ser um figurante que apareceu por três segundos no
fundo de uma cena dada a predisposição (que já tinha acontecido na segunda
temporada) da série em simplesmente apontar o dedo para um personagem
inesperado apenas pelo fator de choque. Eu até penso que o personagem tinha
motivos para cometer o crime, mas isso nunca é construído pela trama e
certamente a temporada seguinte terá que fazer alguma retificação nos eventos
passados aqui para que as coisas comecem a fazer sentido. Quando reescrever o
passado e retificar a continuidade temporal se torna um expediente habitual
para surpreender o público, se torna difícil aderir e se importar com a
narrativa, já que a qualquer momento tudo pode ser desfeito com um flashback tirado da cartola.
Essa terceira temporada de How To Get Away With Murder se sustenta
pelo excelente trabalho de Viola Davis e o desenvolvimento de seus personagens,
mas muitas tramas mal concebidas e soluções desonestas com o público diminuem o
impacto da experiência.
Nota: 6/10
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