Uma mulher está em um piquenique com seu marido e filho quando simplesmente se levanta e esfaqueia brutalmente um homem até a morte. Parecendo estar fora de si, ela é contida pelo marido até que a polícia chega. Ela admite ter matado o homem, mas não consegue explicar o que a levou a isso, sua vítima era um completo desconhecido, nunca havia lhe feito nada, ela não tem nenhum histórico de doença mental ou agressividade e ainda assim matou um homem violentamente. O que teria levado Cora (Jessica Biel) a cometer o crime? Ela está sendo sincera ou escondendo algo? Estaria ela lúcida ou em um estado de surto? Essas e outras perguntas dão início à instigante série The Sinner que traz um exame complexo sobre culpa e crime. O texto a seguir pode conter alguns SPOILERS.
Boa parte do mérito da série
repousa sobre os ombros de Jessica Biel, se sua personagem não funcionasse
seria impossível embarcar nos dilemas que a narrativa propõe. Ela é serena e
lúcida durante boa parte do tempo, mas permite que percebamos severos traumas
sob a superfície de mãe de família pacata. Ela não foge à responsabilidade do
assassinato que cometeu, no entanto claramente esconde segredos da polícia.
Essa ambiguidade e incapacidade de sabermos se ela é uma mulher extremamente
traumatizada, uma sociopata fria enganando todos ou simplesmente alguém que
momentaneamente perdeu o controle torna Cora uma figura fascinante e cheia de
camadas, mantendo o nosso interesse durante os oito episódios da série.
Como o título sugere (significa
"a pecadora" em português) é uma trama sobre culpa, mas não apenas
sobre a culpa dela em relação ao crime, mas como muitas normas sociais, em
especial a moral "judaico-cristã ocidental" já que a religião tem um
papel proeminente no passado da protagonista, trabalham para construir tabus em
torno de questões como sexualidade. Isso fica evidente conforme flashbacks revelam o passado de Cora e
criação religiosa rígida que ela teve, na qual sua mãe lhe transferia culpa e
responsabilidade por coisas que nada tinham a ver com a jovem Cora, como os
graves problemas de saúde de sua irmã. Em uma cena a mãe de Cora descobre que
ela comeu chocolate e diz à garota que foi por causa de seu pecado da gula que
sua irmã piorou, obrigando Cora a fazer uma longa oração de penitência.
A questão da culpa também está
presente no arco do detetive Ambrose (Bill Pullman), cuja relação com a esposa
se tornou algo burocrático, mas se mantém casado por uma espécie de senso de
dever. Ele tem uma predileção por masoquismo e vive uma relação extraconjugal
de submissão com uma garçonete dominadora. Ao mesmo tempo em que tem certa
satisfação em ser dominado, conforme a relação dele com a dominadora progride
vamos percebendo que seu desejo por dor não é algo relacionado apenas com
prazer sexual, mas também como uma espécie de autopunição. É quase como se ele
se penitenciasse por não corresponder ao ideal de marido que deveria ou pelas
suas falhas como detetive em não conseguir desvendar o caso de Cora. Esse
desejo de penitência do detetive ajuda a entender seu interesse em decifrar
Cora, uma vez que Ambrose parece ver nela um igual, alguém sufocado pelo peso
de diferentes tipos de culpa que carrega ao ponto de sequer saber porque se
sente tão mal.
As revelações que aos poucos vão
acontecendo constantemente suscitam mais perguntas do que respostas, como o
fato dela não saber como injetar heroína a despeito das várias marcas em seu
braço, levando a trama por caminhos inesperados e nos pegando de surpresa
sempre que achamos que já conseguimos entender o que aconteceu. A revelação
final envolvendo Cora e o homem que ela matou acerta ao não tornar a descoberta
algo maniqueísta. Seria muito fácil e conveniente se a vítima de Cora a tivesse
estuprado ou agredido no passado, mas o fato de ter sido tudo um acidente
trágico ajuda a dar mais complexidade ao que aconteceu e também à discussão
sobre culpa que a trama tenta propor. Afinal por um lado Cora estava em espécie
de surto no momento do crime (explicar o motivo seria dar um grande spoiler) e
por outro ela matou um homem que direta ou conscientemente não tinha lhe
causado nenhum mal, o que levanta um debate jurídico, ético e moral bastante
complexo e que é manejado com maturidade e sem soluções fáceis.
The Sinner é competente em tecer um instigante mistério que é
enriquecido pela performance cuidadosa de Jessica Biel e por um debate rico
sobre culpa.
Nota: 8/10
Trailer
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