Ultimamente eu vinha sentindo que
a Marvel vinha se acomodando em repetir sua fórmula de humor e aventura sem
muito esforço, resultando em filmes que, embora não fossem necessariamente
ruins, também não eram exatamente memoráveis, arriscavam pouco e não faziam jus
ao potencial de seus personagens ou suas histórias. Este Pantera Negra não sofre desses problemas, não se contenta em apenas
reproduzir o "padrão Marvel" e o resultado é o melhor filme solo de
um personagem do estúdio desde Capitão América: O Soldado Invernal (2014).
A trama começa depois dos eventos
de Capitão América: Guerra Civil (2016),
com T'Challa (Chadwick Boseman) tendo que assumir o trono da tecnológica nação
de Wakanda depois da morte de seu pai. Em seu novo papel de rei, T'Challa
precisa decidir que rumo dar ao seu país, se usará seus vastos recursos para
ajudar o mundo, ou se continuará como um país isolado para se proteger. Além do
peso de decisões morais a serem tomadas, T'Challa também enfrenta o retorno de
erros do passado, em especial a ameaça dos vilões Ulysses Klaue (Andy Serkis) e
Erik Killmonger (Michael B. Jordan).
O percurso do personagem é bem
típico dos heróis da Marvel, consistindo de um aprendizado sobre a
responsabilidade moral de possuir um grande poder. Ao transferir essa discussão
para um esfera nacional e política, ao invés de meramente pessoal, o filme não
só consegue se diferenciar dos demais como promove uma discussão política sobre
a importância da cooperação entre os povos e os problemas de uma nação
isolacionista.
Chadwick Boseman é eficiente ao
fazer de T'Challa um homem que carrega um grande peso em seus ombros e não está
certo à respeito de qual caminho seguir como líder. Ele é auxiliado por um
grupo de coadjuvantes carismáticos e de personalidade bem marcante, em especial
a durona e altiva Okoye (Danai Gurira, a Michonne de The Walking Dead) e a espevitada cientista Shuri (Letitia Wright). Mesmo
personagens com pouco tempo de tela como a rainha Ramonda (Angela Bassett),
W'Kabi (Daniel Kaluuya, do excelente Corra!)
ou M'Baku (Winston Duke, o vilão Dominic da série Person of Interest) conseguem deixar uma impressão marcante. A
Nakia interpretada por Lupita Nyong'o se destaca das demais parceiras
românticas dos filmes da Marvel ao assumir uma postura mais ativa na trama e
acompanhar o herói em suas missões ao invés de ser apenas objeto de afeto do
protagonista como acontecia com a Jane Foster (Natalie Portman) ou a médica
interpretada por Rachel McAdams em Doutor
Estranho (2016) cujo nome eu sequer consigo lembrar de tão esquecível que é
a personagem.
Outro ponto no qual Pantera Negra se destaca é na construção
de Killmonger, de longe o antagonista (sequer consigo pensar nele como vilão)
mais interessante da Marvel nos cinemas. Killmonger tem razões bastante
compreensíveis para ser do jeito que é e seus argumentos sobre a passividade de
Wakanda diante da opressão que acontece no mundo são consistentes o suficiente
para que consideremos que suas ações são verdadeiramente justificadas.
Inclusive, há uma dinâmica bem peculiar entre ele e o Pantera Negra, já que
normalmente é o herói quem luta para mudar uma situação injusta enquanto que o
vilão se esforça para manter tudo como está, aqui essa relação é invertida e
isso dá mais complexidade ao dois personagens. Para além das escolhas de
roteiro, o trabalho de Michael B. Jordan funciona muito bem para evocar a fúria
e o orgulho de Killmonger.
Apesar de todo seu comentário
político e social, o filme não abre mão do senso de aventura e do bom humor.
Dessa vez as piadas soam mais naturais e menos intrusivas do que em filmes
anteriores, no qual o humor parecia sabotar a dramaticidade o tempo todo (estou
olhando para você, Thor Ragnarok).
Ainda assim tem uma piada específica que soa bastante esquisita: a fala de
M'Baku sobre sua tribo ser vegetariana. Descontando a dificuldade de cultivar
vegetais em uma montanha gelada (a tecnologia de vibranium provavelmente seria
capaz de criar estufas tecnológicas ou algo parecido), ainda assim a fala
emerge como contraditória considerando que ele e o resto da tribo estão vestindo
pele de animais e em outro momento M'Baku fala que um pescador de seu povo
encontrou T'Challa. Se eles não comem carne, qual a necessidade de ter
pescadores? Se eles vestem pele significa que eles caçam os animais, matam,
removem a pele e depois jogam todo resto fora? Isso não é mais cruel do que
matar para comer? Ou será que eles simplesmente contam com a sorte de encontrar
algum bicho morto pela montanha? De todo modo, é um problema mínimo no filme e
tem pouco impacto na minha avaliação dele, só achei tão esquisito que valia a
pena mencionar.
O visual de Wakanda impressiona
por sua estética afro-futurista, misturando motivos tipicamente africanos que
adereços tecnológicos que criam um ambiente singular e radicalmente diferente
de tudo que o universo Marvel tinha criado até então. As influências do
afro-futurismo também são percebidas na música do filme que mistura batidas
eletrônicas com instrumentos percussivos e resultam na trilha musical com mais
personalidade apresentada até então pela Marvel. Sério, tentem lembrar ou
cantarolar a melodia de algum tema musical de outros filmes do estúdio,
provavelmente não conseguirão (a exceção talvez seja o tema dos Vingadores), já
que as composições musicais originais do universo Marvel costumam ser bem genéricas.
As cenas de ação são cheias de
energia e criam um senso claro de perigo, valorizando as habilidades dos
personagens, em especial o Pantera e a Okoye. Elas também funcionam em criar um
claro senso de urgência e perigo, principalmente nas lutas na cachoeira. O
diretor Ryan Coogler consegue criar um senso de unidade e coesão mesmo nas
sequências que envolvem múltiplos personagens, como a do cassino ou a luta
final. Por outro lado, a similaridade entre os uniformes do Pantera e
Killmonger durante o clímax deixa as coisas um pouco confusas. Eu entendo que
as roupas parecidas fazem sentido no contexto da narrativa, mas ainda assim
poderia haver uma solução visual melhor para diferenciá-los além de uma leve
variação de cor em alguns detalhes do uniforme. Alguns cenários artificiais
também acabam parecendo mais artificiais que deveriam, em especial a paisagem
ao fundo nas cenas da cachoeira que deixam evidente o uso de fundo verde.
Pantera Negra representa um necessário respiro do já manjado
"padrão Marvel", criando uma narrativa que tem muito a dizer sobre
responsabilidade política, nos apresentando a personagens carismáticos e
criando ótimas cenas de ação. Gostaria de pensar que o filme é um ponto de
virada para o estúdio e um sinal de que eles irão arriscar mais ao invés de
confortavelmente reproduzir suas fórmulas, mas imagino que Pantera Negra é mais um ponto fora da curva do que um real esforço
de inovação.
Nota: 9/10
Obs: O filme tem duas cenas pós-créditos.
Trailer
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