Apesar de ter assistido todos os
filmes de Star Trek (desde os com a tripulação clássica, passando pelos da Nova
Geração e o recente reboot), nunca
assisti nenhuma das séries da famosa franquia. No entanto, fiquei bastante curioso com essa
primeira temporada de Star Trek Discovery, já que ela se passaria cerca de dez anos antes da série clássica e abordaria a
guerra entre a Federação contra os klingons.
A trama acompanha a tripulação da
USS Discovery, uma das naves mais bem equipadas para lidar com a ameaça dos
klingons. No centro de tudo está a especialista Michael Burnham (Sonequa
Martin-Green), a primeira oficial da Frota Estelar a ser condenada por crimes
de motim. Burnham é requisitada para a Discovery pelo capitão Gabriel Lorca
(Jason Isaacs), um oficial cuja mente militarista destoa da racionalidade
conciliatória da Federação, mas o torna um líder ideal para um período de
guerra.
O cenário de guerra parece
indicar algo focado em ação, mas a série se mantém fiel ao espírito dos
trabalhos originais de Gene Roddenberry celebrando a pluralidade, a tolerância,
o espírito de cooperação e o uso da inteligência (e não da força) para resolver
problemas. A guerra é usada como metáfora para o isolacionismo, intolerância e
racismo. Os klingons visam destruir a Federação por verem a integração entre
diferentes espécies como uma ameaça à "pureza" de sua raça e de seus
costumes, crendo que se manter isolado do resto da galáxia e impor seus valores
à força é a melhor de avançar a sua sociedade.
Apesar desse arco narrativo maior
envolvendo a guerra, a série também acha espaço para episódios mais
autocontidos que remetem bastante ao clima das aventuras da Enterprise, com a
tripulação da Discovery explorando planetas exuberantes, encontrando criaturas
exóticas e usando a ciência de maneira ética para superar suas dificuldades. Se
os fãs mais ardorosos da franquia costumam criticar o recente reboot cinematográfico por seu foco na
ação e aventura, provavelmente irão apreciar o "retorno à forma" que
é efeito aqui.
Se tematicamente Star Trek Discovery é fiel às suas
origens, tem termos de construção de universo a série talvez desperte o
descontentamento entre os fãs já que alguns elementos vão de encontro ao cânone
estabelecido até então. Algumas tecnologias que só deveriam no período de tempo
da Nova Geração já aparecem aqui e visualmente tudo parece mais modernoso e
tecnologicamente evoluído do que as naves habitadas por Kirk e Picard. Claro,
isso era inevitável de certa forma, pois o que era considerado futurista há
vinte ou cinquenta anos atrás hoje pode ser visto como tosco e tentar ser fiel
ao visual das antigas séries faria tudo parecer antiquado.
O arco dramático de Michael
Burnham envolve o típico embate entre razão e emoção, acompanhando a jornada da
protagonista em aprender a equilibrar as duas coisas, descobrindo que agir
apenas por impulso ou pela razão nem sempre atinge bons resultados. Sonequa
Martin-Green é bastante convincente em exibir a fachada reservada de Burnham,
que tenta se mostrar lógica e racional o tempo todo, mas que guarda um
turbilhão de emoções dentro de si, em especial o arrependimento por suas ações
terem iniciado à guerra e provocado a morte da capitã Georgiou (Michelle Yeoh).
Ela também tem uma relação complicada com seu pai adotivo, o vulcano Sarek
(James Frain), clamando por sua aprovação. Sarek, por sinal, é também pai de
Spock, que é citado nominalmente ao longo da temporada, mas ainda não é
efetivamente visto.
Além de Burnham, a série também consegue
desenvolver outros personagens da tripulação e há um claro senso de crescimento
se vermos como eles começam e como eles estão ao fim da temporada. O kelpiano
Saru (Doug Jones) aprende a superar seus medos e se torna um eficiente líder, a
inexperiente Tilly (Mary Wiseman) consegue provar seu valor, o cientista
Stamets (Anthony Rapp) se torna menos frio e antissocial. Ao longo da temporada
há um senso crível de camaradagem e compreensão que vai se estabelecendo entre
os personagens conforme eles se conhecem melhor e aprendem a confiar uns nos
outros durante as provações que superam. Ainda há espaço para criar alguns
vilões interessantes como a klingon L'Rell (Mary Chieffo) e sua preocupação em
unificar os klingons independente de derrotar ou não a Federação ou o ardiloso
Mudd (Rainn Wilson), que protagoniza um dos melhores episódios da temporada ao
atacar a Discovery com um dispositivo de loop
temporal.
Apesar dos acertos no modo como
constrói suas ideias de respeito às diferenças, da necessidade de cooperação
para o progresso e na importância da ética no exercício da ciência, o desfecho
da temporada (e da guerra) soa relativamente anticlimático. Não que eu
estivesse esperando uma grande batalha espacial ou algo assim, sempre imaginei
que a série seguiria seus ideais e colocaria os personagens para vencerem
através do diálogo, mas ainda assim foi muito rápido e muito fácil o modo como
tudo foi resolvido, principalmente o fato de L'Rell aceitar a oferta da
tripulação da Discovery sem que precisasse muito esforço para persuadi-la.
A primeira temporada de Star Trek Discovery apresenta uma
competente narrativa sobre o triunfo da cooperação frente à intolerância,
expandindo o universo da franquia, apresentando novos e interessantes
personagens, ainda que ocasionalmente entre em conflito com o que tinha sido
estabelecido pelo cânone.
Nota: 8/10
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