A primeira cena deste Samurai Cop (1991) já dá o tom da
incompetência que perpassa por toda a produção. Um chefão da yakuza, Fujiyama (Cranston Komuro), marcha
por entre seus capangas explicando seus planos para dominar a cidade. Conforme
caminha, ele se aproxima da câmera e é possível ver claramente a equipe de
filmagem refletida nas lentes dos óculos escuros do personagem. Um dos capangas
fala e um corte rápido mostra o rosto do subalterno falando. Quando a câmera
retorna a Fujiyama seus óculos escuros desapareceram por completo.
Provavelmente a equipe se deu
conta do reflexo e mandou que o ator retirasse os óculos. "Mas porque
então não refilmaram a cena anterior para não terem problemas de continuidade
com óculos do sujeito desaparecendo do nada?", vocês me perguntam. Bem,
existem duas respostas possíveis. A primeira é que ninguém da produção dava a
mínima. A segunda é que película (naquela época não existiam câmeras digitais)
era algo caro e uma produção de baixíssimo orçamento como essa provavelmente
não poderia se dar ao luxo de gastar película preciosa em uma cena já pronta só
por "problemas mínimos" de continuidade. De todo modo, mesmo antes
que o filme chegue à marca dos cinco minutos fica evidente que estamos diante
de algo mambembe, tosco e paupérrimo.
A trama é centrada em Joe (Matt
Hannon, que agora usa o nome artístico Mathew Karedas), um policial que treinou
no Japão com os grandes mestres das artes marciais e agora retornou à Los
Angeles para dar fim à yakuza
liderada por Fujiyama e seu perigoso assassino Yamashita (Robert Z'Dar). É
curioso que apesar do filme mencionar os anos em que Joe viveu no Japão, o
personagem tenha dificuldade de pronunciar o nome de Fujiyama e constantemente
use ofensas raciais para se referir aos japoneses. Era de se esperar que um
sujeito que passou um tempo considerável em outro país fosse ter um mínimo de
habilidade com a língua, bem como alguma medida de respeito por aquela cultura
e população.
O ator Matt Hannon tenta fazer do
seu personagem um sujeito descolado e machão, mas é tão exagerado que soa
ridículo ao invés de durão. Há também o problema relativo ao cabelo do
personagem. Em algumas cenas suas longas madeixas são claramente naturais, mas
em outras seu cabelo é evidentemente uma peruca. Provavelmente Hannon foi chamado
de volta para cenas adicionais depois de achar que tinha encerrado sua
participação e, por já ter cortado o cabelo, precisou usar a peruca tosca que
aparece em algumas cenas.
Coerência e lógica, no entanto,
não parecem ser o forte do filme. Em um dado momento Joe e seu parceiro Frank
(Mark Frazer) capturam um dos membros da yakuza.
Ferido, o sujeito é levado para o hospital, mas Yamashita arquiteta um plano
para assassiná-lo antes que ele possa falar com a polícia. A questão é que o
plano não faz o menor sentido. Yamashita faz sua amante se disfarçar de
enfermeira, entrando no quarto do alvo empurrando um vasilhame de lixo. Dentro
do quarto, Yamashita sai do lixo vestido de médico e corta a cabeça do capanga
capturado. Se Yamashita já estava vestido de médico, qual a razão dele precisar
se esconder no lixo? A gangue, por sinal, é provavelmente o grupo da yakuza menos japonês que já vi em um
filme. Exceto por Fujiyama e Okamura (Gerald Okamura) todos os demais capangas
são brancos ou negros, com quase nenhum asiático à vista. É algo bem esquisito,
já que a yakuza costuma ser
considerada (e representada no cinema) como um grupo bastante fechado à
presença de estrangeiros.
Para além das incoerências
narrativas, o filme tem várias incoerências no modo como filma as cenas de
ação. Um desses furos aparece quando Joe e Frank armam uma emboscada para o
mafioso Okamura. Os policiais o encontram na cama com uma mulher e Okamura sai
correndo só de cueca. Antes de sair do quarto, no entanto, ele para pegar as
roupas no cabide, o que é bem estúpido considerando que a polícia está logo
atrás dele, mas isso nem é o pior que acontece. A cena corta para uma tomada do
lado de fora do quarto e Okamura sai correndo pela porta já vestido e com os
dois policiais logo atrás dele. Como isso aconteceu? Ele se vestiu na
velocidade da luz? Joe e Frank simplesmente ficaram parados esperando Okamura
se vestir? Provavelmente no meio da filmagem o diretor se deu conta que seria
ridículo uma perseguição com um sujeito de cueca e como a produção não devia
ter tempo ou dinheiro para refazer o início da cena simplesmente fizeram esse
remendo bizarro.
As cenas de ação, por sinal, são
bem ruins. As lutas parecem coreografadas por alguém que nunca chegou perto de
artes marciais na vida. A narrativa é tão consciente do quanto tudo é duro e
sem fluidez que coloca boa parte dos combates corporais, em especial as lutas
de Joe contra Okamura e Yamashita, em fast
foward (sim, como se estivessem avançando o filme) para artificialmente
fazê-las parecer mais rápidas e intensas. Como se isso não fosse o bastante, o
duelo final entre Joe e Yamashita também tem vários problemas de continuidade,
com a luz do sol sendo diferente a cada plano. Em um instante o dia está claro,
logo depois o sol está se pondo e segundos depois o sol está claro novamente. Provavelmente
as cenas foram gravadas ao longo de vários dias e ninguém se deu conta da falta
de coerência da iluminação até chegar a hora de montar tudo e aí não havia
solução a dar. Ou isso ou tudo foi feito de propósito para fazer parecer que a
luta deles durou vários dias, vai saber.
Os tiroteios são igualmente mal
feitos, principalmente pela escolha do filme em ser explícito com o sangue dos
ferimentos. Quando alguém é baleado simplesmente vemos uma mancha vermelha
aparecer sobre as roupas, sem qualquer dano às vestimentas ou uso de maquiagem
para simular um ferimento. Assim, mais parece que os personagens foram
atingidos por uma arma de paintball
do que por tiros de verdade.
Todo o elenco é bastante
canastrão e exagerado, rendendo muitos momentos de puro humor involuntário
conforme eles tentam dar seriedade a diálogos que por si só já soam ridículos.
Um exemplo é a cena em que Joe tenta flertar com uma enfermeira no hospital e
tudo descamba para uma conversa sobre o pênis dele. Como se a conversa já não
fosse toscamente hilária, as caras e bocas feitas por Frank durante o diálogo
tornam tudo ainda mais ridículo. O mesmo pode ser dito sobre uma cena em que
Frank é capturado pelos vilões e um capanga aponta uma faca para a virilha do
policial dizendo que irá livrar Frank do seu "dom negro". Sim, o
vilão está se referindo ao pênis do personagem (qual o problema desse filme e
diálogos sobre pênis?) e a fala foi claramente pensada como uma sagaz ameaça,
mas termina soando estranhamente racista e homoerótica.
Já que mencionei erotismo, não
posso deixar de falar sobre as bizarras cenas de sexo que o filme apresenta. Em
uma delas Joe e uma loira anônima simplesmente se esfregam um no outro em
silêncio como se fossem dois bichos no cio que não fazem a menor ideia de como
copular. Outra mostra o vilão Yamashita com sua amante na cama fazendo
movimentos com suas bocas que deveriam ser beijos, mas eles parecem ter
dificuldade (ou apenas estavam desconfortáveis) em acertar os lábios um do
outro, dando a impressão de que nenhum deles tinha beijado na boca antes. Todas
essas cenas de sexo são pontuadas por uma música brega que parece retirada de
algum pornô softcore ruim.
Com um texto ruim, direção
inábil, atores canastrões, vários erros de montagem e cenas de ação pobremente
concebidas, Samurai Cop é um filme
tão incompetente que se torna irresistivelmente divertido. Tudo é tão bizarro e
tosco que é impossível não rir. O filme chegou a ganhar uma continuação em 2015
chamada Samurai Cop 2: Deadly Vengeance.
A continuação conta com a presença de ninguém menos que Tommy Wiseau,
responsável por The Room, o "Cidadão Kane dos filmes ruins", mas
não tem a mesma graça deste original, já que é algo feito propositalmente para
ser ruim ao invés de exibir a comicidade acidental vista aqui. Há também um terceiro filme, feito em 2017, chamado Revenge of the Samurai Cop, mas como eu não assisti, não tenho como dizer se ao menos é engraçado.
Trailer
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