O diretor Steven
Spielberg se tornou famoso na década de 80 ao pegar tudo que ele gostava nos antigos filmes de
aventura e ficção-científica dos anos 30, 40 e 50 para criar obras cheias
de reverência a esses produtos, mas dotadas de personalidade própria,
que se sustentavam independente do público possuir ou não a mesma memória
afetiva que Spielberg tinha sobre os filmes de outrora. As aventuras do Indiana
Jones ou ET: O Extra-Terrestre (1982)
tinham estofo o suficiente para se erguerem com suas próprias pernas, mas não
sei se sou capaz de dizer o mesmo deste Jogador
Nº1, cujo engajamento do público depende demais de nossa memória afetiva
com a cultura pop dos últimos 30 anos
para poder funcionar.
Há alguns anos a animação South Park usava as frutas fictícias Memberberries para
criticar a tendência atual de Hollywood em se apoiar em uma nostalgia inane
para atrair seu público e nenhum filme recente me parece mais exemplar deste
problema do que Jogador Nº1. Tal qual
as frutas falantes de South Park, o
filme te pergunta o tempo todo: "Você lembra de De Volta Para o Futuro? Você lembra de Alien: O Oitavo Passageiro? Você lembra de Star Wars?" e empolgado eu respondia "Sim, me lembro de
tudo isso, porquê?". Como resposta o filme apenas me dizia "Nada não,
só queria ter certeza que você conhecia essas coisas". Claro, há um prazer
inegável em ver um Gundam saindo no braço com o Mechagodzilla ou personagens de
Street Fighter ou Overwatch andando lado a lado, mas chega
a um ponto em que parece que o filme não tem muito mais a me oferecer além
dessas piscadelas e informações triviais sobre coisas que gosto.
Mais que isso, fica a sensação
que o filme usa o meu afeto por esses personagens para conseguir meu
engajamento com a trama sem que precise fazer muito esforço para disfarçar a
natureza genérica de sua trama ou personagens, o que é decepcionante
considerando o talento de Spielberg em criar universos que conseguem ser
referenciais sem caírem no derivativo. Em alguns momentos as referências chega a ir contra os elementos do próprio conteúdo referenciado, como a presença do personagem título de O Gigante de Ferro (1999). A animação discutia o pacifismo, com o robô protagonista se recusando a agir como a máquina de guerra que foi desenhado para ser e aqui ele é usado exatamente como uma máquina de guerra.
A trama gira em torno de Wade
(Tye Sheridan), um garoto de origem humilde que passa boa parte de seu tempo no
OASIS, um jogo massivo de realidade virtual. Lá, ele e seu melhor amigo Aech
(Lena Waithe, da série Master Of None)
buscam as três chaves escondidas dentro do mundo virtual por Halliday (Mark Rylance), o
falecido criador do jogo. Quem encontrar as chaves de Halliday herdará o OASIS
e isso atrai atenção de jogadores e empresas poderosas, em especial à gigante
tecnológica presidida por Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn), que quer explorar o
OASIS para ganhar dinheiro ao invés de deixá-lo livre para os usuários, basicamente querendo fazer com o OASIS o que a desenvolvedora EA faz com os videogames do mundo real. É o mesmo template de boa parte das
franquias adolescentes dos últimos anos, como Jogos Vorazes, Divergente ou Maze Runner,
nas quais um jovem se vê obrigado a liderar uma rebelião contra forças
opressoras.
Os personagens também são os
mesmos arquétipos que costumamos encontrar neste tipo de narrativa, mas alguns membros do elenco são carismáticos o suficiente para fazê-los funcionar,
principalmente Lena Waithe e os vilões interpretados Ben Mendelsohn, embora esteja interpretando o mesmo tipo de burocrata sem escrúpulos que viveu em Rogue One (2016), e T.J Miller como o
mercenário i-R0k. O destaque fica com Mark Rylance como o retraído criador do
OASIS, demonstrando a extrema inabilidade social do personagem sem cair na
caricatura. Tye Sheridan e Olivia Cooke, no entanto, não conseguem fazer nada marcante com Wade ou Artemis.
A trama apresenta ideias interessantes
em seu início e fim, mas o desenvolvimento destas é prejudicado pelo meio da
trama, que parece mais interessado em exibir o maior número possível de
referências do que desenvolver seus temas, universo e personagens. Ainda que construído de modo relativamente superficial, o arco
principal pode ser entendido como uma defesa da importância de uma internet
neutra e livre contra a exploração cada vez maior das empresas que lidam com o
meio. Há também uma exaltação ao lado lúdico dos jogos virtuais, lembrando que
a importância está em se divertir e fazer amigos, não em vencer sempre ou ser o
mais poderoso. A narrativa ainda acerta ao ressaltar a necessidade de desplugar
do mundo virtual de vez em quando, já que nenhuma experiência virtual supera a
realidade.
O grande acerto reside na
concepção visual do OASIS. Grandioso e deslumbrante, as paisagens digitais
trazem um encantamento que torna crível o fato de que a maioria das pessoas
daquele mundo passa boa parte de seu tempo imersa naquele lugar. Os avatares
digitais dos protagonistas são bem expressivos e conseguem remeter às feições e
linguagem corporal de seus atores mesmo exibindo uma aparência diferente deles.
Imagino que foram criados (ao menos os rostos) a partir de captura de
movimento. As cenas de ação, em especial uma perseguição no início, são cheias
de energia e se valem com criatividade das possibilidades oferecidas pelo mundo
digital no qual tudo se passa.
Assim, Jogador Nº1 funciona como uma boa diversão, ainda que não consiga
afastar a impressão de ser um exercício raso de nostalgia, principalmente
quando sabemos que Steven Spielberg já usou essa mesma nostalgia para criar
obras mais envolventes e singulares.
Nota: 6/10
Trailer
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