Eu joguei todos os games da
franquia God of War lançados até aqui
(sim, até os para PSP) e apesar de achar todos (em maior ou menor grau) games
de ação bem divertidos, Kratos sempre me pareceu um protagonista bastante
aborrecido. Se no primeiro jogo ele era meramente um sujeito com uma motivação
clichê, no terceiro sua vingança cega o tornara um personagem insuportável de
acompanhar, eu cheguei a demorar de terminar só porque não tinha paciência para
os repetitivos rosnados de raiva, egoísmo e estupidez do personagem. Sim, o
final o confrontava com as consequências de seu comportamento, mas até chegar
lá, eram quase dez horas do personagem se comportando de maneira aborrecida. Pois
este novo jogo da franquia, intitulado apenas God of War, finalmente consegue tornar Kratos um protagonista bem
construído, complexo e interessante de acompanhar.
Funcionando simultaneamente como
uma continuação e reboot, a trama
coloca Kratos vivendo no reino dos deuses nórdicos. A história começa com a
morte de Faye, a esposa de Kratos. O último desejo dela foi que Kratos e seu
filho Atreus espalhassem suas cinzas no pico mais alto dos reinos. Kratos e
Atreus tem uma relação distante e a jornada acaba expondo as tensões entre pai
e filho.
Kratos ainda é um poderoso
guerreiro e um sujeito bruto, mas agora tem uma postura menos impulsiva e
relativamente melancólica, marcado pelos traumas do passado e todas as perdas
que vivenciou. Apesar de ter encontrado um novo amor neste reino nórdico, ele
claramente se sente deslocado e desconectado daquele lugar (sua esposa era a
única conexão), algo evidenciado pela constante necessidade de ter Atreus
traduzindo as diferentes línguas e escrituras do local.
Ele também tem certa dificuldade
em ser um pai para seu filho. É evidente que. a seu modo, Kratos ama Atreus,
mas sua vida de brutalidade e violência torna difícil que ele consiga se
conectar com o garoto. O protagonista quer preparar o filho para as dificuldades
que ele encontrará ao longo da vida, mas teme que Atreus trilhe o mesmo caminho
que ele. Assim, Kratos deixou de ser um personagem unidimensional para se
tornar um sujeito com dúvidas, anseios e contradições. Além de Kratos e Atreus,
a narrativa também insere alguns coadjuvantes inesperadamente interessantes. Os
ferreiros Brok e Sindri, bem como o sábio Mimir, inserem uma bem-vinda dose de
humor que funcionam como um respiro a seriedade e drama que é a jornada de pai
e filho da trama.
A partir do momento em que
iniciamos o jogo, a câmera segue Kratos sem qualquer corte ou interrupção, como
se estivéssemos acompanhando uma narrativa feita em um único plano-sequência
(algo como o filme Birdman). O
combate, as cenas da história, tudo acontece direto, sem transições, conferindo
uma enorme fluidez à narrativa.
Eu imaginava que o jogo traria
uma experiência bastante linear, tal qual os exemplares anteriores da franquia,
mas me surpreendi ao me deparar com amplos espaços com muito a explorar e até
ocasionais missões secundárias. Não chega a ser um jogo de mundo aberto como Horizon Zero Dawn, mas uma espécie de
meio termo entre abertura e linearidade tal qual acontecia com Rise of the Tomb Rider que também
apresentava algumas grandes áreas abertas que permitiam exploração. Há um senso
de grandiosidade que permeia as grandes áreas abertas, como o Lago dos Nove,
que nos faz sentir parte deste universo mitológico composto por antigas ruínas
e seres colossais como a Serpente do Mundo, que observa Kratos e Atreus conforme
eles navegam pelo Lago dos Nove. A qualidade dos gráficos, texturas e efeitos
de iluminação trabalha lado a lado com o inventivo design para dar uma identidade própria aos reinos nórdicos
apresentados ao longo da aventura.
O combate recebeu algumas modificações
e agora é menos dependente de apenas atacar sem parar, requerendo uma abordagem
mais cuidadosa sobre quando atacar, bloquear, esquivar ou usar as habilidades
rúnicas. Apesar de um pouco mais lento que os outros games da franquia, os
embates continuam brutais, com direito às finalizações em que Kratos destroça
seus inimigos, e também bastante satisfatórios.
Parte da satisfação vem do uso do
Machado Leviatã, principal arma do personagem, cujos efeitos sonoros e leves
tremidas na câmera a cada ataque nos fazem sentir o impacto poderoso de cada
golpe. O som do machado rasgando o ar cada vez que o chamamos de volta para a
mão de Kratos também contribui para que sintamos a impressão de estarmos
manejando uma poderosa arma. Como de costume, o jogo apresenta batalhas
desafiadoras contra chefões, desde trolls, passando por um enorme dragão elétrico
ou os filhos de Thor, todas com a mesma grandiosidade épica que se espera da
franquia.
Além do combate, o machado é
usado para resolver vários puzzles ao
longo do jogo, alguns envolvem usar o machado para congelar engrenagens
enquanto outros requerem que removamos obstáculos à distância. São desafios que
começam bastante simples, mas conforme progredi alguns puzzles de fato testaram o meu raciocínio para solucioná-los. Mesmo
quando parecem complicados, os puzzles
nunca chegam a serem frustrantes e eu sempre senti que bastava pensar um pouco
e observar o ambiente para encontrar a solução.
Atreus é útil tanto em combate
quanto na resolução de puzzles,
usando suas diferentes flechas para abrir passagens. Em combate é possível
comandá-lo para disparar suas flechas nos inimigos, atordoando-os e causando
dano. Tanto Kratos quanto Atreus podem adquirir novas habilidades com os pontos
de experiência recebidos em combate ou completando missões. Ao longo do jogo os
personagens encontram materiais e dinheiro que permitem criar ou comprar novos
equipamentos e armaduras que melhoram os atributos de Kratos ou as ações de
Atreus em combate. Cada conjunto de equipamentos privilegia um estilo diferente
de jogar, fornecendo uma boa abertura para experimentação e customização.
Com tantas virtudes, God of War resulta em um excelente equilíbrio
entre narrativa, combate, exploração e quebra-cabeças, executando cada um
desses elementos com competência e combinando-os com perfeição.
Nota: 10/10
Trailer
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