"Quando Carl Reddick nasceu, haviam nazistas marchando nas ruas. Quando
Carl Reddick morreu, haviam nazistas marchando nas ruas". Dita durante
os primeiros minutos do início desta segunda temporada de The Good Fight, a frase faz um paralelo entre a ascensão do
conservadorismo no momento pré Segunda Guerra Mundial (nazistas marchando na
Alemanha) e a emergência de forças ultraconservadoras nos Estados Unidos de
hoje (com nazistas marchando na cidade de Charlottesville), dando o tom crítico
e combativo que a série continua a ter da conjuntura política e, assim como a temporada anterior, prendendo nossa atenção desde a primeira cena.
A trama começa com uma série de
assassinatos a advogados, criando uma espécie de movimento intitulado "Kill All
Lawyers" ("Matem Todos os Advogados") e com as autoridades
pressionando Maia (Rose Leslie) para entregar o pai depois que ele fugiu do
país no fim da primeira temporada. Ao mesmo tempo, Diane (Christine Baranski)
precisa lidar com o clima de desesperança que se abate sobre ela frente ao que
acontece com o país e em seu casamento com Kurt (Gary Cole), enquanto Lucca
(Cush Jumbo) descobre estar grávida de Colin (Justin Bartha).
Como de costume, a série continua
a alternar as grandes tramas transversais com "casos da semana" que
costumam ser resolvidos dentro de um episódio. Esses casos da semana costumam
tratar de temas atuais como brutalidade policial, assédio sexual, o papel da
mídia no clima de instabilidade política ou as políticas de imigração dos EUA.
A temporada segue tratando temas delicados com ponderação e maturidade,
reconhecendo a complexidade deles e como não há exatamente uma única resposta
para o problema.
Um exemplo é o episódio em que a
firma de Diane representa um grupo de homens que foram prejudicados por um site
de "homens a evitar" no qual mulheres relatam experiências abusivas
ou desagradáveis com esses homens. O episódio discute o que se qualifica como
consentimento em uma relação sexual e o que separa uma transa desconfortável e
o abuso sexual (se é que há uma separação). Os diálogos entre Diane e a
criadora do site, ambas que se consideram feministas, ressaltam como a questão
está longe de ser consenso, com a criadora do site chamando Diane de feminista
antiquada enquanto Diane critica o sentimento de superioridade e o excesso de
certezas da sua oponente. Ao final, Diane descobre que o processo de seus
clientes foi financiado por um investidor rico que também fora citado na página
e queria ela fora do ar, mas sem precisar se expor em um processo judicial.
Assim, o episódio encerra reconhecendo como as coisas ainda funcionam sob uma
estrutura patriarcal, apesar do esforço das personagens em serem justas.
É raro que uma série tão
abertamente engajada (ela claramente se posiciona contra o atual governo dos
EUA e a onda conservadora que toma o país) ser capaz de observar diferentes
pontos de vista, evitar maniqueísmos e reconhecer que não há uma solução fácil
ou rápida para o problema. O final da temporada inclusive chama atenção para os
riscos da oposição ao atual governo recorrer às mesmas táticas do presidente
para removê-lo do poder, algo que criaria ainda mais instabilidade.
Ocasionalmente a série derrapa ao construir os membros da administração Trump
como imbecis caricatos, a exemplo do juiz federal inexperiente com quem Diane e
Adrian (Delroy Lindo) precisam interagir. Eu entendo que a maioria das pessoas
ligadas a Trump no mundo real de fato se comporta como completos idiotas, mas a
série não precisava reduzir pessoas a caricaturas grosseiras de modo a
demonstrar seu argumento sob a atual administração.
A subtrama de Lucca (que
aproveita a gravidez real da atriz Cush Jumbo) serve para mostrar o modo
condescendente que mulheres grávidas muitas vezes são tratadas no ambiente
profissional, como se a gravidez as tornasse incapazes, estúpidas ou instáveis.
Assim como na temporada anterior, Jumbo e Bartha tem uma ótima química juntos,
funcionando como uma casal adorável e rendendo momentos divertidos entre os
dois, principalmente quando Francesca (Andrea Martin), a tresloucada mãe de
Colin, tenta interferir na relação dos dois. Aliás, todo o segmento do parto de
Lucca no final da temporada é talvez o melhor e mais divertido parto em minha
memória recente mostrado pela ficção televisiva.
O arco de Diane, por sua vez, é
um pouco irregular. A ideia dela recorrer a drogas alucinógenas para poder
enfrentar seu cotidiano soa forçada e fora do que foi estabelecido em sua
personalidade. Claro, ela sempre tomou uma ou outra dose de uísque depois do
expediente, mas ela nunca demonstrou nenhuma tendência ao abuso de substâncias.
Se a série queria retratar o desamparo dela em relação a realidade do país,
poderiam ter recorrido a outros artifícios, como colocando-a para entrar em depressão
ou desenvolver síndrome do pânico, seria mais crível. Não fosse o talento de
Christine Baranski e a veracidade que ela passa do torpor (mental e moral)
vivenciado por Diane, seria difícil embarcar na jornada dela. A trama da
personagem melhora no terço final da temporada quando ela abandona (muito
facilmente, diga-se de passagem) as drogas e luta para tomar o controle de sua
vida.
O final da
personagem ganha ares de thriller de
conspiração conforme ela aparentemente se vê perseguida pelo governo. De início
achei tudo meio exagerado e mirabolante demais, mais foi ficando claro que o
exagero era proposital e a intenção era produzir algo que funcionasse como uma
paródia de suspenses políticos ao expor ao ridículo os escândalos do atual
presidente com atrizes pornôs e práticas sexuais pouco ortodoxas, a exemplo do
suposto vídeo de Trump recebendo "chuva dourada" (procurem no google
por sua conta e risco o que isso significa) de prostitutas russas.
A temporada
ainda encontra espaço para desenvolver personagens que até então não tinham
recebido muita atenção, como o investigador Jay (Nyambi Nyambi) que tem mais do
seu passado explorado. Mesmo não tendo exatamente uma trama própria, Marissa
(Sarah Steele) continua sendo uma das melhores personagens da série com sua
personalidade extrovertida e respostas mordazes sempre na ponta da língua.
A segunda
temporada de The Good Fight segue
como uma sólida e cuidadosa reflexão sobre as realidades políticas e sociais
contemporâneas, mesmo quando algumas tramas encontram dificuldade para
funcionar.
Trailer
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