As adaptações de literatura
adolescente se tornaram um grande filão comercial em Hollywood no início dos
anos 2000 graças ao sucesso de títulos como Harry
Potter, Jogos Vorazes ou mesmo Crepúsculo (estou falando em termos de
sucesso comercial, não necessariamente artístico). Na esteira desse sucesso
surgiram vários produtos similares, também baseados em produtos literários, que
queriam explorar o filão, mas a maioria deles sequer conseguiu contar suas
histórias até o fim como o caso de Percy Jackson, O Lar das Crianças Peculiares, Divergente ou Instrumentos Mortais (que depois virou
série televisiva).
Se o desgaste dessas adaptações
de literatura adolescente, principalmente as que se baseiam em distopias
futuristas, já não estava evidente, este Mentes
Sombrias é a prova que faltava que esse filão comercial já não tem mais
lenha para queimar. A trama se passa em um futuro alternativo no qual a maioria
das crianças ou adolescentes foram mortas por um vírus mortal. As que sobreviveram
ao vírus desenvolveram habilidades especiais que vão desde inteligência
aumentada até controle da mente e o governo avalia cada uma dessas habilidades
com um nível de periculosidade associando uma cor à posse dessas habilidades,
sendo que cada jovem exibe olhos que são da mesma cor que a escala de
periculosidade do governo, o que é bem conveniente, já que em momento algum a
narrativa afirma que a escala foi elaborada a partir dos olhos das pessoas.
O que o governo faz com esses
jovens com poderes especiais? Bem, eles são levados para campos de
prisioneiros. Eles são exterminados? Não, exceto pelos “vermelhos” e
“laranjas”, que são considerados os mais perigosos graças a seus poderes de
pirocenese e controle mental respectivamente. E os demais adolescentes, o que
acontece com eles? Eles ficam lá presos, sem fazer muita coisa exceto colocar
cadarços nas botas dos guardas, a única atividade que eles são mostrados
desempenhando. Se o governo não os usa para nada, qual a razão de mantê-los
presos ao invés de matar todos? Aí você me pegou, porque essa é uma pergunta
que o filme nunca responde e não parece ter o menor interesse em respondê-la.
No centro de tudo está a garota
Ruby (Amandla Stenberg, que foi a Rue em Jogos Vorazes), uma “laranja” que consegue evitar o extermínio ao usar
seu poder em um médico para que ele a classifique como “verde”, os jovens de
menor periculosidade que tem somente um aumento na inteligência. Um dia ela tem
seus poderes descobertos, mas quando está para ser morta é salva pela médica
Cate (Mandy Moore), que faz parte de uma rebelião. Fora do cativeiro, Ruby
acaba fugindo de Cate e se junta ao grupo de adolescentes formado por Liam
(Harris Dickinson), Bolota (Skylan Brooks) e Zu (Miya Chech). O grupo está a
procura de um acampamento de jovens fugitivos, no qual creem que estarão
seguros.
Se não ficou claro pelos
parágrafos anteriores, toda a construção deste universo ficcional é
incomodamente frouxa, cheia de furos e lacunas que nunca justificam bem a razão
das coisas terem tomado este rumo específico. Em um dado momento alguém diz que
sem crianças a economia entrou em colapso, o que não faz muito sentido, já que
crianças não trabalham, não produzem e consomem o que adultos dão para elas. Se
tivessem passado décadas desde o início da doença isso talvez fizesse sentido,
mas como foram apenas seis anos, parece pouco tempo para que todo o país tenha
entrado em completo colapso. Tudo soa tão mal elaborado e artificial, que é
difícil embarcar neste mundo.
Outro problema é que a narrativa
não tem nada a dizer sobre esse universo. Se Jogos Vorazes ou Divergente
usavam seus universos para falar sobre retórica fascista ou manipulação
midiática e os filmes dos X-Men usam
a mutação como metáfora para o preconceito social, Mentes Sombrias não usa sua premissa para falar coisa alguma. Sim, existem algumas mensagens rasas sobre autoaceitação, mas no geral soa como
um amálgama de Jogos Vorazes (em um
dado momento Ruby faz uma saudação similar a que Katniss fazia aos
revolucionários de sua história) e X-Men
desprovido de todo o subtexto e ideias que tornavam essas franquias tão
interessantes.
Além do universo em si, os
personagens também são inconsistentes. Liam diz que fugiu da rebelião da qual
Cate fazia parte por não querer ser transformado em soldado, mas quando o grupo
chega no acampamento dos jovens fugitivos, Liam não tem qualquer problema em
empunhar armas de fogo e literalmente se vestir como um soldado. Aliás, ele
nunca explica direito porque ele acha a rebelião tão ruim. Afinal, tentar
iniciar uma guerrilha contra um governo fascista soa bastante compreensível, já
que não há uma alternativa pacífica para remover um regime estatal desses. Liam
por acaso espera que os fascistas desistam e cedam o poder por conta própria
porque ficaram entediados?
Mesmo quando não são inconsistentes,
não há muito mais substância nesses personagens além de uma coleção de clichês
sem charme que já vimos em tantos outros filmes para o público jovem. Da
heroína hesitante (Ruby), passando pelo melhor amigo engraçadinho (Bolota) e
também pelo cenário distópico no qual adolescentes são divididos em categorias
e precisam enfrentar adultos opressores, tudo segue à risca e sem qualquer
esforço criativo as fórmulas já estabelecidas desse tipo de história.
O elenco de coadjuvantes
desperdiça bons atores em papéis minúsculos e irrelevantes. Gwendoline Christie
(a Brienne de Game of Thrones)
interpreta uma caçadora de recompensa que deveria ser a mais letal do ramo, mas
é facilmente derrotada pelos personagens nas duas vezes em que se encontra com
eles e sua presença não tem impacto ou repercussão alguma na trama. Bradley
Whitford (o vilão do excelente Corra!)
não tem praticamente nada a fazer como o presidente, enquanto que Mandy Moore
fica presa a papel excessivamente expositivo.
O ritmo irregular é outro problema,
já que pouco acontece na trama e os personagens passam boa parte do tempo
vagando por florestas ou construções abandonadas sem que qualquer coisa muito
importante suceda. Durante boa parte do tempo o filme parece mais interessado
no romance entre Liam e Ruby, que acontece simplesmente porque o roteiro diz
que ele tem que acontecer já que Liam se apaixona instantaneamente por Ruby,
do que mover a história para frente. A questão é que toda a coleção de cenas
“será que ele vão ficar?” não funciona porque desde a primeira cena deles
juntos o enlace amoroso fica constrangedoramente evidente.
As poucas cenas de ação que o
filme apresenta são burocráticas e fazem pouco para explorar de maneira
criativa os poderes dos personagens, falhando em oferecer qualquer senso de
perigo ou empolgação. Algumas cenas sequer conseguem estabelecer um senso de
coesão especial, como a perseguição do começo do filme na qual Cate
simplesmente aparece no nada sendo que ela não tinha como saber para onde Ruby,
Liam e os demais estavam indo. Elas também são prejudicadas pela computação
gráfica pouco convincente que faz tudo parecer ainda mais artificial.
Mentes Sombrias parece algo pensado em alguma reunião de executivos
de estúdio. É uma reprodução preguiçosa, rasa e sem graça de um conjunto de fórmulas sem acrescentar um pingo de personalidade, prejudicada ainda por um roteiro inconsistente e personagens enfadonhos.
Nota: 2/10
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