Em um dado momento de Venom, o personagem-título se refere a
uma de suas vítimas como “um cocô ao vento”. A frase serve como um resumo do
próprio filme (e imagino que eu não serei o primeiro nem o último a fazer esse
paralelo): um produto ruim, vagando a esmo sem saber o que fazer com seus
personagens ou aonde quer levá-los.
A trama é centrada em Eddie Brock
(Tom Hardy), um repórter investigativo que comete que lhe custa seu emprego e
sua relação com a noiva, Anne Weying (Michelle Williams). Com a reputação
arruinada, ele continua a investigar a misteriosa Fundação Vida, presidida pelo
bilionário Carlton Drake (Riz Ahmed), e ao invadir o laboratório da instituição
Brock é infectado por um dos simbiontes que Drake guardava no local. Agora
Brock precisa lidar com o parasita e descobrir o propósito de Drake com as
criaturas.
Venom passa a sensação de algo feito antes do atual boom de filmes de super-heróis, tratando
tudo como uma mera desculpa para cenas de ação cheias de computação gráfica e
frases de efeito que deveriam ser engraçadinhas, mas muitas vezes são
vergonhosas. A narrativa em si é uma bagunça de inconsistências, personagens
mal desenvolvidos e motivações vagamente explicadas.
Em uma das primeiras cenas do
filme, vemos a espaçonave transportando os simbiontes cair na Malásia, com uma
das criaturas escapando da contenção e tomando o corpo de uma velhinha. Um
letreiro informa que seis meses se passaram e então vemos a velhinha em um
aeroporto, rumo a São Francisco onde estão as demais criaturas. Qual a razão do
simbionte demorar meses para ir atrás do resto da sua espécie? O que ele ficou
fazendo esse tempo todo? Ficou fingindo ser uma velhinha normal e avó de
alguém? A trama é repleta desses momentos de situações desajeitadas e mal
concebidas.
Eddie Brock é apresentado a nós
como um ótimo jornalista investigativo, mas na primeira entrevista que o vemos
fazer ele enche Carlton Drake de acusações de comportamento antiético que ele
não tem como provar. Ora, emboscar um bilionário poderoso durante uma
entrevista com acusações sem provas é a completa antítese de um bom jornalismo
investigativo (não só te abre a um processo como alerta o investigado, que
certamente sumirá com qualquer evidência que o incrimine) e até um calouro de
faculdade de comunicação sabe isso. Assim, quando Brock é obviamente arruinado
por Drake, o protagonista soa menos como um “loser” coitado que não consegue se dar bem e mais como um idiota
recebendo o que merece.
O ator Tom Hardy, no entanto, tem
carisma o suficiente para evitar que Brock se torne um sujeito aborrecido e a
performance corporal dele é precisa em criar a impressão de que Eddie é alguém
sem controle do próprio corpo, como uma marionete controlada por dentro. Do
mesmo modo, o roteiro acerta ao não reduzir a Anne de Michelle Williams a um
mero interesse romântico, fazendo-a uma participante ativa da ação.
Por outro lado, o vilão
interpretado por Riz Ahmed (ótimo na minissérie The Night Of) é mais um megalomaníaco genérico com um plano vago e
é uma pena ver Ahmed desperdiçado em algo tão desprovido de personalidade. A
relação de Eddie com o simbionte Venom é outro aspecto problemático. No início
é dito que é preciso compatibilidade entre criatura e hospedeiro para a
simbiose dar certo, mas isso nunca é claramente definido e quando Brock
pergunta para a criatura porque se manter com ele, a criatura simplesmente diz
que, assim como Brock ele era um perdedor em seu planeta natal, o que soa
estranhamente fofo e vulnerável para um monstro devorador de pessoas. A
motivação de Venom para essencialmente se tornar um traidor de sua raça também
é porcamente desenvolvida, resumida ao fato dele dizer que passou a gostar da
Terra e de Eddie.
Outro problema relativo ao
simbionte é que o filme não sabe exatamente como abordar a natureza da relação
entre ele e Eddie. Em alguns momentos é uma dinâmica estilo O Médico e o Monstro, mas em outros há
um viés quase cômico, com Venom interrompendo as falas de Brock com tiradas
sarcásticas que quase sempre não funcionam. O diretor Ruben Fleischer tinha se
mostrado capaz de equilibrar drama e horror em Zumbilândia (2009), mas aqui a mistura simplesmente não funciona. É
difícil temê-lo pelo monstro que é por ele estar sempre fazendo gracinhas e é
difícil achar graça quando lembramos que ele é um parasita comedor de gente.
Aliás, mesmo a ideia de Venom
como um monstro devorador de pessoas é difícil de ser vislumbrada já que o
filme faz um considerável esforço para ocultar a violência, com planos estilo
“piscou, perdeu” dele devorando cabeças ou situando tudo fora de quadro. É uma
abordagem esquizofrênica que quer simultaneamente nos mostrar o quanto ele é
brutal e não mostrar nada para garantir uma classificação indicativa mais
baixa. As cenas de ação estão constantemente cobertas por escuridão ou fumaça,
para melhor disfarçar a qualidade irregular da computação gráfica e a luta
final entre Venom e Riot é uma completa bagunça por conta da similaridade
visual das duas criaturas, tornando difícil discernir quem é quem ou o que
diabos está acontecendo.
Venom é um produto datado, mais parecendo um blockbuster de quinze ou vinte anos atrás do que algo
contemporâneo, prejudicado por uma narrativa cheia de problemas, um antagonista
inane e um tom inconsistente.
Nota: 4/10
Obs: O filme tem uma cena adicional no meio dos créditos e outra no
final.
Trailer
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