Quando escrevi sobre Animais Fantásticos e Onde Habitam
(2016), mencionei que era uma aventura divertida, mas que nunca dizia a que
veio, com muitas tramas que não se juntavam em um todo coeso. Animais Fantásticos: Os Crimes de
Grindelwald apresenta os mesmos problemas do anterior e com menos charme.
Meses depois dos eventos do
primeiro filme, Newt Scamander (Eddie Redmayne) está de volta à Inglaterra e
foi proibido de sair do país pelo Ministério da Magia por conta do que
aconteceu em Nova Iorque. Enquanto isso, o bruxo Grindelwald (Johnny Depp) foge
da prisão e vai para Paris em busca de Credence (Ezra Miller) na esperança que
o poder do jovem o ajude em seus planos. Sabendo da ameaça de Grindelwald,
Dumbledore (Jude Law) pede a Newt que viole a proibição e tente encontrar
Credence em Paris antes de Grindelwald, mas Newt reluta em tomar parte no
conflito violento que se desenha.
Assim como o primeiro, o filme
tem dificuldade de transitar entre um tom leve e aventuresco das interações
entre Newt e suas adoráveis criaturas, para o tom sombrio da ascensão de
Grindelwald e seus ideais supremacistas. Em uma cena vemos Newt usar alguma
traquitana engraçadinha para capturar um monstro para logo depois vermos
Grindelwald disseminando discursos de ódio com seus nazistas mágicos e falta
organicidade nessas transições.
Há um dilema moral instigante na
jornada de Newt e sua relutância em se posicionar no conflito que se desenha.
Se, por um lado, ele tem razão em considerar que a guerra em si é um ato imoral
por toda morte e destruição que causa, por outro o personagem percebe que
cruzar os braços significa abrir espaço para que alguém perigoso como
Grindelwald ganhe poder.
Falando no vilão, Gridelwald é
inicialmente interessante por sua natureza ardilosa, sempre pensando à frente
de seus oponentes e prevendo com exatidão seus comportamentos. Ele, no entanto,
é prejudicado pelo excesso de diálogos expositivos que acabam cansando pela
repetição, mas ao menos Johnny Depp entrega algo que não é mais uma variação de
Jack Sparrow como ele vinha fazendo.
Credence, outro lado, aparece
muito pouco, perdido entre várias outras subtramas, não fazendo sentido que um
personagem tão central seja tão pouco explorado. Assim, o filme desperdiça a
chance de aprofundar seu senso de desconexão com o mundo, bem como o peso que
suas frustrações e inseguranças tem sobre ele.
De resto, muito tempo é gasto com
personagens que tem pouca relevância ou impacto na trama. Jacob (Dan Fogler)
continua boa parte do tempo limitado a fazer caras e bocas diante das
esquisitices do universo dos bruxos. A trama tenta dar a ele alguma
complexidade por conta de sua relação com Queenie (Alison Suol) e a decisão
radical que ela toma no desfecho do filme. A questão é que ela tem tão pouco
tempo de tela que sua escolha soa forçada e nunca plenamente justificada. Eu
entendo que o texto queria usá-la para mostrar que até mesmo pessoas que são
alvo do fascismo acabam apoiando seus futuros opressores, mas é difícil crer
que bastou uma breve conversa e um discurso para dar uma guinada tão radical.
O foco da trama, que deveria ser
a busca por Credence, muitas vezes se perde em digressões inanes que tem pouco
a oferecer em termos de desenvolvimento de personagem, a exemplo do longo flashback de Leta Lestrange (Zoe
Kravitz) com Newt que não diz nada que já não sabíamos sobre a relação desses
personagens. Em outro momento, Newt e Tina (Katherine Waterston) estão prestes
a recuperar uma informação vital, mas a urgência da cena é quebrada quando os
dois personagens param para um desajeitado flerte que poderia ter acontecido em
qualquer outro momento menos aquele. A relação afetiva dos dois, por sinal,
continua pouco convincente, dando a impressão de algo que acontece por pura
necessidade de roteiro.
Na verdade, o filme inteiro
parece mais preocupado com continuações futuras do que com sua história
presente, um mal que tem estado presente na maioria dos grandes blockbusters e “universos
compartilhados” atuais. A ideia dessa estratégia é deixar o espectador
empolgado para os próximos filmes, mas muitas vezes (e é o caso aqui) isso é
feito às custas da coesão da narrativa presente o que cria um problema. Afinal,
como posso me empolgar para uma futura continuação se o filme que estou
assistindo soa tão perdido e desinteressante? A promessa de algo melhor no
futuro deve realmente valer mais que uma experiência medíocre no presente?
Lembrando que estamos diante de
um produto da mesma Warner Bros que também foi responsável pela trilogia O Hobbit que também se perdia em
inúmeras digressões com a promessa que elas valeriam a pena mais adiante, como
o tempo gasto com Beorn em A Desolação de Smaug (2013), apenas para não repercutir quase nada disso em seu terceiro e último
filme, o que me deixa ainda mais apreensivo pelo que acontecerá neste
“potterverso”. Aliás, imagino que se a Warner fosse adaptar os sete livros de
Harry Potter hoje, cada romance seria sua própria trilogia e a saga inteira
totalizaria mais de vinte filmes.
O incômodo torna-se ainda maior
quando lembro que falei a mesma coisa sobre o primeiro e ter que assistir dois
filmes inteiros apenas pela promessa de que isso pode render algo bom mais à
frente soa como um expediente questionável para lucrar em cima do afeto dos fãs
pela franquia. Se o anterior me passou a impressão de que a história imaginada
por J.K Rowling não tinha estofo suficiente para sustentar cinco filmes, esse
segundo não só faz pouco para afastar esse temor inicial, como sedimenta esses
temores.
Se Animais Fantásticos e Onde Habitam conseguia entregar alguma medida
de encantamento, com os visuais das criaturas e o modo como Newt se relacionava
com elas, este quase não oferece esse senso de descoberta e maravilha (embora o
Pelúcio continue fofo). A cena de abertura envolvendo a fuga de Grindelwald
consegue trazer um senso de perigo ao mostrar a extensão do poder do vilão, mas
o resto do filme carece de energia e ritmo.
A despeito de algumas boas ideias
para uma discussão sobre moralidade e fascismo, Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald é um filme inchado,
perdido em um excesso de personagens e subtramas que deixam a narrativa
truncada ao invés de aprofundá-la, agravando as dúvidas se há fôlego para mais
filmes.
Nota: 4/10
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