Minha reação inicial ao saber que
o projeto seguinte do diretor Steve McQueen seria um filme de assalto como este
As Viúvas foi de estranhamento.
McQueen foi responsável por filmes como 12Anos de Escravidão (2013), Shame (2011)
e Fome (2008), trabalhos sobre
pessoas vulneráveis e à margem, então a ideia de que ele embarcaria em um tipo
de filme mais convencional parecia, à primeira vista, motivada por dinheiro.
Por outro lado, outros diretores já tinham migrado para gêneros mais populares
sem, no entanto, abrirem mão dos temas que tornam suas obras tão singulares.
Spike Lee fez isso no excelente Plano
Perfeito (2006), que, por baixo do verniz de filme de roubo, trazia o olhar
típico de Lee para questões de classe, etnia e reparação social e agora McQueen
faz o mesmo com As Viúvas.
A narrativa acompanha Veronica
(Viola Davis), uma mulher que recentemente perdeu o marido, Harry (Liam Neeson)
morto durante um assalto que deu errado. O problema é que o marido de Veronica
roubou dinheiro de um poderoso gângster, Jamal (Brian Tyree Henry), que agora é
candidato a vereador e pressiona Veronica pelo dinheiro roubado. Acuada,
Veronica procura as viúvas dos outros ladrões mortos, Linda (Michelle
Rodriguez) e Alice (Elizabeth Debicki), para juntas realizarem um roubo que
Harry planejou antes de morrer e assim consigam o dinheiro para pagar Jamal e
reconstruírem suas vidas.
McQueen, no entanto, não se
limita a construir um thriller
típico, apenas preocupado com a elevação constante das tensões, mas para pensar
na presença do machismo na infraestrutura da sociedade. Mal se tornam viúvas e
as protagonistas já são cercadas por figuras masculinas cobrando dívidas que
elas sequer sabiam que os maridos tinham contraído, um duplo movimento de
subestimação no qual os cobradores automaticamente consideram como indefesa ou
presa fácil qualquer mulher que não tem um homem do lado e os maridos ocultam
informações delas como se as esposas precisassem ser privadas das decisões
financeiras deles.
Do mesmo modo, também revela como
muitas estratégias feitas para aparentemente “empoderar” mulheres são feitas
pelos mesmos homens que querem controlá-las, dando apenas a ilusão de poder sem
de fato torná-las independentes ou emancipadas, como acontece com a iniciativa
de empreendedorismo feminino comandada pelo candidato a vereador Jack Mulligan
(Colin Farrell). Nesse sentido, a cooperação entre as protagonistas (e a
cooperação feminina em geral) é mostrada como a alternativa para retomar esse
poder e desestruturar a estrutura social machista.
Além do competente exame sobre as
engrenagens sexistas sob as quais a sociedade se move, o filme é bastante hábil
na construção da tensão, constantemente colocando obstáculos e ameaças diante
das protagonistas, criando a impressão de que elas talvez estejam lidando com
algo além da própria capacidade. É justamente por conta desse sentimento de
perigo e urgência que o desfecho é tão catártico, já que a vitória soa árdua e
merecida, diferente da facilidade encontrada pelas ladras de Oito Mulheres e um Segredo (2018).
Parte desse sentimento de
urgência vem também do desempenho do trio principal. Viola Davis faz de
Veronica uma fera acuada, alguém tomada pela dor e desamparo, mas que se sente
não ameaça que não tem outra escolha senão rechaçar seus atacantes com toda a
força que possui. Já Elizabeth Debecki traz uma certa insegurança e ingenuidade
a Alice que a faz demorar de perceber que a solução aos seus problemas não virá
do auxílio masculino. Michelle Rodriguez, por outro lado, acaba tendo menos
espaço para desenvolver sua personagem, limitando Linda a alguém movida pelo
desespero de sustentar a família. Há de se destacar também o trabalho de Daniel
Kaluuya (que protagonizou o terror Corra!)
como um sádico gângster que rouba a cena sempre que aparece graças à sua
intensidade e violência imprevisível.
As Viúvas acaba indo além das fórmulas narrativas de filmes
similares, tecendo uma trama cheia de suspense que reflete sobre as estruturas
machistas da sociedade.
Nota: 8/10
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