Assim como já tinha feito em Ela Volta Na Quinta (2014), o diretor
André Novais mais uma vez tece um retrato da vida cotidiana carregado de afeto,
naturalidade e reflexões sobre a relação das pessoas com os espaços urbanos neste Temporada.
A trama é centrada em Juliana
(Grace Passô) que se muda para Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte
por conta de um novo emprego. Ela começa a trabalhar com prevenção à dengue,
fiscalizando as residências de uma comunidade periférica. Em seu emprego, ela
encontra situações insólitas nas casas dos moradores e também cria amizades com
seus novos colegas de trabalho, em especial o despojado Russão (Russo APR).
Novais nos apresenta a esses
personagens e ao seu universo com uma naturalidade enorme, como se de fato
estivéssemos acompanhando o cotidiano de pessoas reais, sendo cúmplices de suas
vidas, de suas vitórias, de seus problemas. Faz isso com muita delicadeza, sem
chamar atenção para si e deixando que até mesmo pequenas coisas, como a mobília
de um cômodo, nos contem sobre o percurso de suas personagens. Um exemplo são as
mudanças que ocorrem no quarto de Juliana ao longo do filme. Se no início ela
dorme em um quarto vazio, com apenas um colchão no chão, aos poucos o quarto
vai sendo decorado e mobiliado com cama, armário e outros itens, tudo isso
denotando as raízes que Juliana fixa naquele lugar.
Grace Passô (excelente em Praça Paris da Lúcia Murat) traz um
senso de deslocamento e uma emoção bem sincera a Juliana. Ela é uma pessoa
retraída, que não gosta de falar muito sobre si mesma, mas o trabalho de Grace
permite que vislumbremos o tanto de coisas que existem internamente na
personagem. Isso é bastante perceptível no diálogo entre Juliana e uma prima no
qual Juliana narra a interrupção abrupta da gravidez. Com a câmera em close no rosto da personagem e em uma
tomada sem cortes, Juliana narra com aparente tranquilidade o doloroso
incidente, mas o trabalho de Grace Passô nos permite ver a dor subjacente da
personagem.
Já Russo APR rouba a cena como o
debochado Russão. A proximidade do nome dos dois personagens indica que o ator
provavelmente colocou muito de si mesmo em sua contraparte ficcional e ele é um
dos grandes achados do filme com sua personalidade pitoresca, cadência singular
e diálogos bem-humorados. Cada cena em que ele está presente preenche a tela
com uma energia tão contagiante que é difícil não abrir um sorriso.
Para além da sinceridade e afeto
com a qual o olhar de André Novais acompanha as vidas dessas pessoas e nos
deixa imersos nelas, o filme também pensa nos espaços ocupados por essas
pessoas e a relação delas com esses lugares. Em um diálogo com um morador,
Juliana fica sabendo que as pessoas que moram ali não se mudaram por escolha
própria, mas foram movidos de sua antiga moradia porque o governo estava
construindo uma nova rodovia. São, portanto, pessoas constantemente empurradas
à margem, jogadas ao largo e, nesse sentido, não é estranho que suas habitações
tenham tanta presença de entulho, de coisas jogadas, visto que eles próprios
foram jogados ali à revelia de seus próprios desígnios.
Isso não significa, porém, que o
filme veja a habitação daquele espaço como algo completamente negativo. Em uma
cena, Juliana questiona um colega de trabalho por ele estar observando uma lagoa
cheia de entulho e ouve a resposta de que aquilo também é paisagem. É uma
afirmação que tem todo sentido com o que o longa vinha trabalhando, a ideia de
enxergar a beleza, mesmo em espaços à margem, de dotar de importância, sentido
e significado lugares e pessoas que muitos não prestam atenção, de usar a
câmera para dizer: sim, esses lugares, essas pessoas, essas histórias, essas
vidas têm valor e precisam ser conhecidas.
Nota: 9/10
Esse texto faz parte de nossa
cobertura do XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema
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