O Roma do diretor
mexicano Alfonso Cuarón não trata da capital italiana, pegando seu título da
Colônia Roma, área de classe média da Cidade do México na qual o diretor
cresceu. É, portanto, um trabalho que se pretende a algo memorialista,
remetendo a experiências de infância do diretor e construindo uma sensação de
estarmos acompanhando experiências cotidianas.
A história dessa família de classe média é contada sob a
ótica de Cleo (Yalitza Aparicio) uma das empregadas dessa família de classe
média cujos filhos dos patrões a consideram quase como uma segunda mãe. A trama
acompanha o cotidiano dessa família bem como a vida de Cleo e as transformações
que vão ocorrendo nesse núcleo familiar. Se inicialmente a trama parece romantizar
excessivamente a relação de trabalho de Cleo com a família que a emprega, em
sua segunda metade esse incômodo é atenuado quando a trama passa a ser sobre a
solidão feminina, com tanto Cleo e a patroa abandonadas pelos respectivos
companheiros não tendo o apoio de mais ninguém exceto uma da outra.
É inevitável não olhar para Roma e não pensar nos filmes do neo-realismo italiano já que a obra
de Cuarón traz em si muita coisa desse movimento estético. Do uso de atores não
profissionais (Yalitza Aparicio era professora e nunca tinha atuado antes),
passando pela escolha de filmar tudo em preto e branco e a estrutura narrativa
mais aberta, pendendo para um retrato de cotidianidades que se constroem ao
acaso.
Cuarón retrata esses afetos e relações cotidianas com muito
naturalismo e delicadeza, sem ficar chamando atenção ou dar uma dimensão
grandiloquente a esses pequenos, mas significativos momentos de afeto. Esse
naturalismo também da escolha de praticamente não usar trilha musical (e quando
há música na maioria dos casos ela vem do próprio universo fílmico) nos
deixando imersos em silêncio ou nos ruídos ambientes que conferem um caráter
contemplativo às suas imagens.
Imagens essas que comunicam muito sobre quem são aquelas
pessoas ou o estado de suas relações sem precisar recorrer a diálogos. Um
exemplo é a oposição entre a maneira extremamente cuidadosa com a qual o patrão
de Cleo estaciona seu carro na garagem e a maneira intempestiva e descuidada
que a patroa entra com o mesmo carro quando o casamento do dois está
definhando.
Apesar do olhar sutil, muitas escolhas de Cuarón parecem
atentar contra esse tom de um realismo memorialista. Com muitos planos longos
nos quais a câmera se movimenta pela casa ou pela rua, a impressão é a de algo
excessivamente calculado pelo diretor ao invés de algo aberto, ocorrido ao
sabor do acaso. Cada pessoa, cada ação, cada movimento de câmera soa como algo
milimetricamente pensado pelo realizador e não como uma câmera que está a
serviço de sua personagem. Mesmo ações fortuitas, como quando uma mulher
esbarra em Cleo fazendo-a derrubar a caneca em que bebia, parecem mais
encenações cuidadosamente coreografas do que o pretendido naturalismo.
Com isso, o filme exibe um certo hermetismo ou excesso de
estilização na busca por imagens cuidadosamente construídas que vão de encontro
à crueza esperada de um relato naturalista ou da natureza lacunar e fabular de
um construto memorialista.
Também há a impressão de que estamos literalmente distantes
de Cleo, já que existem muitos planos abertos e poucos closes e a ausência desse tipo de plano fica ainda mais evidente
quando a câmera privilegia a protagonista, a exemplo da cena do parto de Cleo.
Praticamente sem cortes, ficamos só com a face de Yalitza Aparicio para nos
transmitir a gama complexa de sentimentos da personagem naquele momento, sendo
um dos momentos mais emocionalmente potentes da narrativa.
Desta maneira, Roma constrói
um retrato sutil e delicado da vida familiar, ainda que soe um tanto hermético
demais em relação ao naturalismo pretendido.
Nota: 8/10
Nenhum comentário:
Postar um comentário