A vigésima segunda temporada de South Park começou abordando o polêmico tema dos tiroteios em
escolas. A escolha criou controvérsia antes mesmo do episódio ser exibido, com
muita gente questionando como a série faria comédia em cima de algo tão trágico
e, na verdade, eles se saíram muito bem ao abordar o tema. A série extrai a
comédia não do tiroteio ou das mortes em si, mas da banalização que é feita ao
redor desse tipo de evento e da inação em tentar fazer algo para coibi-lo.
O ridículo e o absurdo emergem de como esses tiroteios foram
absorvidos no cotidiano das pessoas que, ao saber de um novo massacre, anunciam
que seus “pensamentos e orações” estão com as vítimas apenas para continuar
suas atividades como se nada tivesse acontecido. O episódio ainda traz uma
subtrama envolvendo Cartman e Token sobre o fato de Cartman não ter gostado do
filme Pantera Negra, o que é uma
piada recorrente durante toda a temporada. Eu imagino que a intenção tenha sido
parodiar as comunidades de fãs que não aceitam opiniões divergentes e atacam
com fúria virulenta qualquer um que pense diferente, mas a temporada acaba não
tendo nada a dizer sobre isso e apenas repete várias vezes a fala de Cartman de que o filme não é tão bom assim.
A temporada mistura alguns episódios com tramas mais
autocontidas enquanto outras tem cunho mais serializado e repercutem ao longo
da temporada. Eu imaginei episódio envolvendo Butters e o padre Maxi fosse ser
algo que reverberasse ao longo da temporada, mas permaneceu contido em si
mesmo. O problema desse episódio, que lida com a questão da pedofilia na igreja
é que ele não tem nada a dizer sobre o tema que a série já não disse temporadas
atrás. Assim como tem acontecido com Os
Simpsons muitas vezes há a sensação que South
Park muitas vezes apenas requenta histórias antigas.
Outro elemento que soa requentado é a subtrama envolvendo os
bebês PC (de politicamente corretos) que choram toda vez que ouvem algo
insensível. É claro que eles estão ali para fazer graça em cima de cruzados
moralistas que reclamam de tudo, mas são uma metáfora tão pouco sutil que parte
da graça se perde. Além disso soam como uma repetição amplificada de tudo que a
série já tinha feito com o Diretor PC da escola.
Algo que é constante é o retorno de muitos personagens que
tinham sido deixados de lado como o Mr. Hankey, a Toalinha, Satã e mais alguns
outros. Mr. Hankey é usado para refletir sobre o espinhoso tema de como lidar
com personagens que são adorados, mas não envelheceram bem por conta de
mudanças no panorama cultural ou moral. O episódio cria situações que remetem
diretamente a polêmicas envolvendo a atriz Roseanne Barr ou ao personagem Apu
de Os Simpsons, mas ao final não
ficam claras as intenções dos criadores Matt Stone e Trey Parker, se eles estão
ridicularizando a criação da polêmica em si, os personagens ou tirando sarro de
tudo e essa falta de clareza tira a força do episódio.
As intenções dos criadores também se perdem um pouco no
episódio envolvendo a Buddha Box, uma caixa de papelão que permite usar o
celular sem ser incomodado. A ideia parece ser criticar o modo como smartphones são usados como fuga ou
escudo para situações sociais nas quais não estamos devidamente confortáveis,
tornando esses aparelhos uma desculpa conveniente para não precisarmos
interagir uns com os outros. É uma crítica que faz sentido, mas ao atrelar isso
ao transtorno da ansiedade (um problema de saúde mental real e sério) e tratar
esse transtorno como se fosse uma mera frescura faz a piada se perder. Stone e
Parker se saíram muito melhor quando trataram da síndrome de Tourette na décima
primeira temporada, fazendo piada com os sensos comuns envolvendo o problema,
mas sem deixar de reconhecer a gravidade dele e o impacto negativo que tem
sobre pessoas que de fato sofrem com a doença.
Por outro lado, os criadores deixam bastante evidentes suas
intenções ao trazerem de volta o ex-vice-presidente Al Gore e o mítico
Homem-Urso-Porco. Se em temporadas anteriores Al Gore era ridicularizado por
ser um sujeito egocêntrico tentando alertar todos para o que parecia um
problema imaginário, agora a série admite que Gore tinha razão e a criatura
(que é uma metáfora para o aquecimento global) é bastante real. Os episódios
fazem graça com o negacionismo em cima da questão com pessoas se negando a crer
que o monstro existe enquanto ele destroça tudo ao redor. O reconhecimento a
Gore, no entanto, não impede que a série continue mostrando o político como um
sujeito patético e egocêntrico cuja cruzada é mais um meio de conseguir
validação pública do que algo comprometido com transformações reais.
Os dois últimos episódios focam suas atenções em críticas à
Amazon, mencionando como os custos da conveniência que eles oferecem se
traduzem em péssimas condições de trabalho para os funcionários da empresa, mas
que ainda assim ninguém questiona (nem os próprios trabalhadores) por apreciar
demais as facilidades do comércio eletrônico. Também critica como esse tipo de
comércio facilita o consumismo exacerbado ao reduzir o ato da compra a um mero
clique, tornando o ato da compra uma espécie de momento de satisfação pessoal.
Não é à toa que o roteiro faz um jogo de palavras com a noção de ter seu pedido
realizado e o sentimento de sentir-se realizado, como se nossa autoestima
estivesse completamente ligada ao ato de consumir.
Os episódios finais também trazem conversas entre Stan,
Kyle, Cartman e Kenny falando sobre participarem de um desfile de bicicletas e
que talvez seja melhor não tomarem parte por não serem capazes de fazer o
melhor. Os diálogos funcionam quase como um metacomentário de Stone e Parker
reconhecendo que talvez não tenham mais “lenha para queimar” em termos
criativos e talvez já tenha chegado o momento de encerrar a série. Eles já
tinham levantado a questão na décima quinta temporada com a dupla de episódios You’re Getting Old e Ass Burgers e lá construíam melhor essa
metáfora de esgotamento criativo e falta de interesse.
Quando funciona, a vigésima segunda temporada de South Park continua a oferecer mordazes
comentários sobre nossa sociedade, mas tal qual outras temporadas recentes os
episódios são irregulares em qualidade e ocasionalmente requentam premissas
antigas, dando sinais de um esgotamento criativo.
Nota: 7/10
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2 comentários:
sobre o transtorno de ansiedade, acredito que tenha sido uma crítica a banalização e romanização desse e outros transtornos, talvez...
tegridade
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