segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Crítica – A Favorita


Análise Crítica – A Favorita


Review – A Favorita
O diretor grego Yorgos Lanthimos constantemente recorre a narrativas que flertam com o fantástico, o sobrenatural e o surrealismo. Nesse sentido, A Favorita é talvez seu filme mais “normal”, mas isso não significa que temas caros ao diretor, como sua investigação do que há no ser humano para além do seu verniz de civilidade, estejam ausentes de seu mais recente trabalho.

A trama se passa na Inglaterra do início do século XVIII durante o reinado da Rainha Anne (Olivia Colman). O país está envolvido em uma dispendiosa guerra e a monarca não vai bem de saúde, delegando a maioria de suas atividades à Lady Sarah (Rachel Weisz), que goza de extrema confiança e favorecimento da rainha. As coisas começam a mudar quando Abigail (Emma Stone), prima distante e pobre de Sarah, chega ao palácio para trabalhar como criada da prima. Abigail aproveita a proximidade da prima com a rainha como uma oportunidade de recuperar o status de outrora, mas para isso precisará tomar o lugar de Sarah como favorita da rainha.

Lanthimos filma com um uso constante de lentes grandes angulares em planos abertos para transmitir a imensidão opulenta dos salões e corredores do palácio real, tornando os personagens muitas vezes figuras pequenas dentro daqueles espaços amplos. Ocasionalmente o diretor também recorre a lentes “olho de peixe” que deformam os elementos à borda do campo para dar a sensação do quanto todo aquele excesso é surreal e fora da realidade. Sua fotografia preza pelo uso da luz natural (e nesse sentido é difícil não lembrar de Barry Lyndon do Stanley Kubrick), o que, mais uma vez, ajuda a ressaltar a pequenez das pessoas naqueles espaços imensos durante as cenas noturnas.

Apesar de ser uma coadjuvante das disputas entre Sarah e Abigail, Olivia Colman rouba a cena como a Rainha Anne, basicamente fazendo uma versão um pouco mais realista da Rainha de Copas de Alice no País das Maravilhas. Anne é uma monarca geniosa, instável, que governa seguindo seus caprichos e preferências pessoais, muitas vezes sendo facilmente manipulada pelas pessoas ao seu redor. É uma personagem que poderia facilmente cair na caricatura, mas Colman dá a Anne uma tristeza e solidão tão genuínas que dá contornos trágicos a uma personagem com um forte viés cômico. Seus constantes problemas de gota, causando feridas em suas pernas, acaba funcionando como um símbolo da degradação ou apodrecimento de seu status de governante ou mesmo na monarquia de maneira geral.

Falo em cômico, pois, tal qual em filmes como O Lagosta (2015) ou O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017), Lanthimos não deixa de notar que há algo de patético em toda aquela ostentação, pompa e circunstância. Por trás de dos protocolos, da fala afável ou dos imensos vestidos cheios de anáguas há um ser humano carente de afeto, que come, vomita e transa como qualquer outra pessoa.

Há também algo de patético nas disputas de poder entre Abigail e Sara que montam esquemas, se engalfinham, manipulam e trapaceiam apenas para serem “puxa-sacos” chiques. Claro, se puxa-saco da rainha é provavelmente melhor que viver na pobreza, mas Anne faz questão de deixar claro o tempo todo que independente de título e posição, as duas permanecem em uma posição servil, algo claro no plano que encerra o longa, com uma das personagens ajoelhada massageando a perna da rainha e cercada pelos coelhos da governante, denotando que a personagem está praticamente no mesmo patamar de ser um animal de estimação. Emma Stone é ótima em construir a desfaçatez cínica de Abigail e o modo como ela se finge de boa moça ingênua para manipular as pessoas ao seu redor. Enquanto isso Rachel Weisz faz de Sarah uma mulher calma e pragmática, mas cujo tom afável sempre traz consigo duras ameaças veladas.

A Favorita é, talvez, o mais acessível dos filmes de Lanthimos e um tragicômico estudo da busca humana por um poder e prestígio que nunca nos torna tão especiais quanto imaginamos.


Nota: 8/10


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