Tal como aconteceu em Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016), filme anterior do diretor Barry Jenkins, este Se A Rua Beale Falasse é, em seu cerne,
a história de vidas cheias de potencial prejudicadas por uma prisão. A trama se
passa na década de 70 e foca no casal Fonny (Stephan James) e Tish (Kiki
Layne). Fonny foi preso por um crime que não cometeu e Tish está grávida dele,
precisando encontrar uma maneira de se sustentar.
Jenkins poderia enquadrar essa história como um suspense,
com uma corrida contra o tempo para provar a inocência de Fonny, mas tal como
seu filme anterior, este aqui é menos sobre grandes momentos bombásticos e mais
sobre o cotidiano das pessoas e como o afeto ou a busca por afeto guia essa
vida do dia a dia. Seu interesse é na subjetividade da experiência de vida da
população negra dos Estados Unidos.
Seus planos são longos, sem pressa, e tem um caráter
bastante contemplativo e poético, encontrando beleza e lirismo nas vidas
daquelas pessoas apesar das dificuldades vivenciadas por elas. Um exemplo é a
narração de Fonny falando sobre querer estar com Tish é colocada em paralelo
com imagens dos dois juntos e de Tish dando banho no filho em um plano cuja
câmera está dentro da banheira, filmando o bebê por baixo, como se a criança
flutuasse no ar.
O afeto é visto tanto na relação de Fonny e Tish como na
relação de Tish com a família dela. Para o filme e para o olhar de Jenkins, é
esse afeto, esse amor que essas pessoas têm umas pelas outras e o senso de comunidade
que há entre eles que os torna capazes de sobreviver aos problemas encontrados.
Esse olhar sobre o cotidiano não esconde as manifestações de
racismo e preconceito experimentadas por esses personagens como na cena em que
Tish narra suas vivências no trabalho ou o tenso encontro com um policial que
insiste em querer prender Fonny apesar de todos no local dizerem que ele só
estava protegendo Tish de um homem que a atacou.
Há de se destacar o trabalho de Regina King como Sharon, a
mãe de Tish, e cuidado inabalável que ela tem com a filha e com o genro. A
composição de King é sutil, mas traz consigo uma emoção verdadeira e poderosa a
exemplo da cena em que Sharon tranquilamente apoia Tish depois dela anunciar
que está grávida ou todo o segmento em que Sharon vai à Porto Rico em busca da
testemunha que teria identificado Fonny para a polícia. Stephan James e Kiki
Layne transmitem a conexão de Fonny e Tish sem precisar falar muito, bastando o
olhar deles para comunicar a grandeza do afeto que há entre os dois, embora o
filme abuse de tomadas do casal se encarando.
Aqui e ali, no entanto, o filme insere alguns elementos que
soam deslocados ou redundantes em relação ao resto do filme. A mãe religiosa de
Fonny se comporta de maneira tão exagerada que parece uma vilã de novela. De
início parece que ela será um obstáculo ou problema, mas a despeito do ataque
dela a Trish após o anúncio da gravidez, a personagem tem pouca repercussão na
trama.
O segmento em que Fonny encontra Daniel (Brian Tyree Henry,
o Paper Boi de Atlanta) e Daniel
narra sua experiência e trauma na prisão tenta reverberar a ideia de um sistema
político e social que se estrutura para encarcerar a população negra e tirar
suas chances, mas a história de Daniel, que desaparece do filme depois dessa
cena, não tem nada a dizer sobre isso que o filme já não diga através do arco
do próprio Fonny. Claro, Brian Tyree Henry é ótimo em nos mostrar o quanto
Daniel é uma pessoa destruída internamente e desesperançada depois de seu tempo
preso, como se o presídio tivesse tirado muito mais dele do que apenas alguns
anos de liberdade, mas a longa cena apenas repete ideias que o filme já
transmite em outros arcos narrativos.
Ainda assim, Se a Rua
Beale Falasse é um estudo delicado e sensível sobre o cotidiano da
população negra dos EUA e como os laços de afeto são importantes para resistir
às dificuldades.
Nota: 8/10
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