terça-feira, 14 de maio de 2019

Rapsódias Revisitadas – A Tênue Linha da Morte


Análise Crítica – A Tênue Linha da Morte


Review – A Tênue Linha da MorteLançado em 1988, o documentário A Tênue Linha da Morte causou impacto ao usar estratégias típicas de ficção, em especial cenas encenadas, para contar a história de um homem injustamente condenado à morte por um crime que não cometeu. O modo de registro documental sempre esteve ligado à ideia de registro e captura do real, então o uso de reconstituições com atores chamou atenção na época do lançamento. Hoje é um recurso corriqueiro do documentário ou mesmo do jornalismo, mas em 88 o filme dirigido por Erroll Morris levantou discussões sobre o que significa representar o real.

A ideia inicial de Morris era fazer um documentário sobre o psiquiatra James Grigson, conhecido como Dr. Morte por conta de seus depoimentos terem sido decisivos para a obtenção de condenações à morte em mais de 100 casos julgados nos Estados Unidos. Em praticamente todas as vezes que era chamado para examinar um réu, Grigson o declarava como um psicopata irreparável, sendo a pena de morte a única maneira de evitar que o réu cometesse mais crimes. Durante a pesquisa para o documentário, Morris conheceu Randall Adams, condenado à morte em parte por conta do testemunho de Grigson, que o considerou uma extrema ameaça para a sociedade depois de examinar Adams por menos de uma hora apenas uma única vez.

Ao conversar com Adams, Morris, que já tinha trabalhado como detetive particular, ficou convencido de que Adams era inocente e resolveu mudar o foco de seu documentário para examinar o caso de Adams. Assim, o filme se estrutura ao redor de entrevistas com Adams, os policiais envolvidos e David Ray Harris, um homem que Adams conheceu na noite do crime e que o filme aponta como verdadeiro culpado do assassinato de um policial, crime pelo qual Adams foi condenado.

Entrecortando as entrevistas e imagens de arquivo estão cenas encenadas por atores que mostram os eventos da noite do crime. Essas encenações se modificam a partir da fala do entrevistado que conta a história. Desta maneira, as reconstituições não são usadas para substituir a realidade ou falsear o real, mas para ilustrar o cada um dos envolvidos concebe como a verdade do que aconteceu.

As imagens servem de ilustração aos depoimentos, estão submetidas ao áudio dos entrevistados e não o contrário. Assim, elas executam a função de indexar o real a partir das entrevistas, dando não apenas dramaticidade e dinamismo a um filme que, de outro modo, seria apenas uma sucessão de entrevistas, mas de exibir ao espectador a realidade subjetiva de cada entrevistado. Isso é importante por diferentes razões. A primeira é que mostra como o documentário pode se valer de expedientes da ficção sem abrir mão de ser um registro do mundo real. Em segundo ele abre a discussão para o que de fato estamos considerando por real ou por verdade.

Afinal a experiência dos indivíduos, dos sujeitos históricos, no mundo real não se dá apenas por experiências objetivas, comuns a todos, a ideia de “mundo real” passa também por um filtro da subjetividade de cada individuo. Vemos, experimentamos e interpretamos o mundo tanto por meio da cognição objetiva como de um viés subjetivo. Ao inserir encenações que se transformam a partir dos depoimentos de cada pessoa, Morris abre o documentário para a exploração da construção subjetiva da realidade e permite que o documentário se liberte da concepção griersoniana de que o registro do real é algo limitado à realidade objetiva observável através da lente da câmera.

De certa maneira, A Tênue Linha da Morte está para o documentário como A Sangue Frio, de Truman Capote, está para o jornalismo, abrindo novas vias expressivas para o relato factual (ou não-ficcional) e repensando paradigmas estruturantes.


Trailer

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