terça-feira, 25 de junho de 2019

Crítica – Olhos que Condenam


Análise Crítica – Olhos que Condenam


Review – Olhos que Condenam
A história do grupo de jovens que ficaram conhecidos como “Os cinco do Central Park” ficou em bastante evidência na época da prisão e julgamento dos cinco, condenados pelo estupro de uma mulher que corria no Central Park à noite apesar da pouca quantidade de provas materiais e das suspeitas que as confissões dos cinco rapazes negros foram obtidas à força pela polícia. A minissérie Olhos que Condenam, dirigida por Ava DuVernay, responsável por Selma: Uma Luta Pela Igualdade (2015), tenta contar a história desses jovens do momento em que são presos à eventual absolvição deles quase duas décadas depois.

Apesar de obviamente mostrar o sofrimento dos personagens diante da injustiça que sofreram e dos desafios do encarceiramento, o interesse de DuVernay parece ser nos sistemas de apoio desses personagens, em como suas famílias, amigos iu comunidade tentaram ajudar os cinco a resistirem. É algo similar ao que Barry Jenkins fez no recente Se a Rua Beale Falasse, no qual ele também focava no modo como o afeto é o que faz as pessoas perseverarem e sobreviverem diante de estruturas de poder opressivas.

Constantemente filmando seus personagens em primeiro plano e olhando na direção da câmera, a direção de Ava DuVernay faz jus ao título original em inglês, When They See Us (algo como Quando Nos Verem em português), solicitando ao seu espectador que de fato observe e enxergue a jornada desses sujeitos e como essa história reproduz um cotidiano de opressão e extermínio. Vemos o desespero deles ao ver que a polícia não deu a eles nenhuma escolha além de confessarem um crime que não cometeram. Vemos a frustração de terem que conviver com a reputação de estupradores ao saírem da prisão e como isso os impede de reconstruírem suas vidas.

Esse senso de um olhar preocuoado em valorizar as vidas dos seuz personagens também é percebido no uso da fotografia que constantemente recorre a flares e reflexos de luz nas lentes. Isso faz fazendo os planos parecerem inundadoos por luz mesmo em espaços pouco iluminados, como nas cenas que mostram Korey na solitária da prisão. Ė como se a narrativa quisesse literal e metaforicamente lançar luz nas vidas de seus protagonistas, comunicando que não importa o quanto a situação está sombria para os personagens, haverá uma luz e uma esperança para eles.

O retrato do racismo feito por DuVernay aqui não é algo localizado no passado. A diretora observa o incidente dos Cinco do Central Park para mostrar como certos abusos e estruturas de poder excludentes não só permanecem até hoje como ganharam força. Um exemplo é a presença de Donald Trump no caso.

Na época, o empresário (e hoje presidente dos EUA) gastou cerca de 85 mil dólares para publicar uma carta aberta no New York Times pedindo que o estado de Nova Iorque reinstituísse a pena de morte para condenar os cinco à pena capital. Ao comentar o caso Trump se referia aos cinco de maneira ofensiva e ainda mencionava o quanto negros tinham vantagem no país. Ao olharmos para a conduta de Trump no passado, que nunca se retratou mesmo depois dos Cinco terem sido inocentados, é como se sua ascensão ao poder simbolizasse uma legitimação dessa conduta racista.

Além da sensibilidade do elenco que interpreta os cinco protagonistas tanto na infância quanto na vida adulta, a minissérie também conta com um ótimo elenco coadjuvante como os familiares do protagonistas. Michael K. Williams interpreta um homem que já sentiu em si o peso do racismo institucional e a cena em que ele pede ao filho para confessar citando a própria experiência faz transparecer toda dor, desespero e medo do personagem. John Leguizamo faz do seu personagem um sujeito dividido entre dois tempos, entre o filho preso e a nova família que formou nesse intervalo de tempo, lutando para tentar conciliar essas duas vidas. Mesmo quando o filho cai no crime, Leguizamo permite que vejamos o inabalável afeto que seu personagem tem pela prole, oferecendo apoio e conselhos apesar de advertir o filho sobre os riscos que ele corre.

O texto ainda revela como operam as estruturas de poder que levaram à condenação dos cinco jovens, já que a promotora, vivida por Vera Farmiga, é forçada a levar o caso a julgamento mesmo considerando as evidências insuficientes. O processo é mostrado como corrompido desde o início, com os policiais considerando os jovens culpados só por serem um grupo de rapazes negros fazendo arruaça perto da cena do crime. A polícia ainda viola os direitos civis dos protagonistas, interrogando-os sem a presença de um adulto, o que era obrigado por lei pelo fato deles serem menores de idade, para poder facilmente manipulá-los.

Com um olhar atento e detalhado para o caso dos Cinco do Central Park, Olhos Que Condenam é um estudo sensível e contundente da ação dos mecanismos de opressão social e seus efeitos sobre a população que é vítima destes.


Nota: 9/10

Trailer

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