A
história do grupo de jovens que ficaram conhecidos como “Os cinco do Central
Park” ficou em bastante evidência na época da prisão e julgamento dos cinco,
condenados pelo estupro de uma mulher que corria no Central Park à noite apesar
da pouca quantidade de provas materiais e das suspeitas que as confissões dos
cinco rapazes negros foram obtidas à força pela polícia. A minissérie Olhos
que Condenam, dirigida por Ava DuVernay, responsável por Selma: Uma Luta Pela Igualdade (2015),
tenta contar a história desses jovens do momento em que são presos à eventual
absolvição deles quase duas décadas depois.
Apesar
de obviamente mostrar o sofrimento dos personagens diante da injustiça que
sofreram e dos desafios do encarceiramento, o interesse de DuVernay parece ser
nos sistemas de apoio desses personagens, em como suas famílias, amigos iu
comunidade tentaram ajudar os cinco a resistirem. É algo similar ao que Barry
Jenkins fez no recente Se a Rua Beale Falasse, no qual ele também focava
no modo como o afeto é o que faz as pessoas perseverarem e sobreviverem diante
de estruturas de poder opressivas.
Constantemente
filmando seus personagens em primeiro plano e olhando na direção da câmera, a
direção de Ava DuVernay faz jus ao título original em inglês, When They See Us
(algo como Quando Nos Verem em português), solicitando ao seu espectador
que de fato observe e enxergue a jornada desses sujeitos e como essa história
reproduz um cotidiano de opressão e extermínio. Vemos o desespero deles ao ver
que a polícia não deu a eles nenhuma escolha além de confessarem um crime que
não cometeram. Vemos a frustração de terem que conviver com a reputação de
estupradores ao saírem da prisão e como isso os impede de reconstruírem suas
vidas.
Esse
senso de um olhar preocuoado em valorizar as vidas dos seuz personagens também
é percebido no uso da fotografia que constantemente recorre a flares e
reflexos de luz nas lentes. Isso faz fazendo os planos parecerem inundadoos por
luz mesmo em espaços pouco iluminados, como nas cenas que mostram Korey na
solitária da prisão. Ė como se a narrativa quisesse literal e metaforicamente
lançar luz nas vidas de seus protagonistas, comunicando que não importa o
quanto a situação está sombria para os personagens, haverá uma luz e uma
esperança para eles.
O
retrato do racismo feito por DuVernay aqui não é algo localizado no passado. A
diretora observa o incidente dos Cinco do Central Park para mostrar como certos
abusos e estruturas de poder excludentes não só permanecem até hoje como
ganharam força. Um exemplo é a presença de Donald Trump no caso.
Na
época, o empresário (e hoje presidente dos EUA) gastou cerca de 85 mil dólares
para publicar uma carta aberta no New York Times pedindo que o estado de Nova
Iorque reinstituísse a pena de morte para condenar os cinco à pena capital. Ao
comentar o caso Trump se referia aos cinco de maneira ofensiva e ainda
mencionava o quanto negros tinham vantagem no país. Ao olharmos para a conduta
de Trump no passado, que nunca se retratou mesmo depois dos Cinco terem sido
inocentados, é como se sua ascensão ao poder simbolizasse uma legitimação dessa
conduta racista.
Além
da sensibilidade do elenco que interpreta os cinco protagonistas tanto na
infância quanto na vida adulta, a minissérie também conta com um ótimo elenco
coadjuvante como os familiares do protagonistas. Michael K. Williams interpreta
um homem que já sentiu em si o peso do racismo institucional e a cena em que
ele pede ao filho para confessar citando a própria experiência faz transparecer
toda dor, desespero e medo do personagem. John Leguizamo faz do seu personagem
um sujeito dividido entre dois tempos, entre o filho preso e a nova família que
formou nesse intervalo de tempo, lutando para tentar conciliar essas duas
vidas. Mesmo quando o filho cai no crime, Leguizamo permite que vejamos o
inabalável afeto que seu personagem tem pela prole, oferecendo apoio e
conselhos apesar de advertir o filho sobre os riscos que ele corre.
O
texto ainda revela como operam as estruturas de poder que levaram à condenação
dos cinco jovens, já que a promotora, vivida por Vera Farmiga, é forçada a
levar o caso a julgamento mesmo considerando as evidências insuficientes. O
processo é mostrado como corrompido desde o início, com os policiais
considerando os jovens culpados só por serem um grupo de rapazes negros fazendo
arruaça perto da cena do crime. A polícia ainda viola os direitos civis dos
protagonistas, interrogando-os sem a presença de um adulto, o que era obrigado
por lei pelo fato deles serem menores de idade, para poder facilmente
manipulá-los.
Com
um olhar atento e detalhado para o caso dos Cinco do Central Park, Olhos Que Condenam é um estudo sensível
e contundente da ação dos mecanismos de opressão social e seus efeitos sobre a
população que é vítima destes.
Nota:
9/10
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