segunda-feira, 29 de julho de 2019

Crítica – Orange is the New Black: 7ª Temporada


Análise Crítica – Orange is the New Black: 7ª Temporada


Review – Orange is the New Black: 7ª TemporadaDepois de duas temporadas abaixo do alto padrão da série (a quarta foi a última verdadeiramente excelente), Orange is the New Black chega à sua sétima e última temporada com a missão de retomar seus melhores dias e encerrar dezenas de histórias desenvolvidas ao longo de seus sete anos. Aviso que todo o texto a seguir contem SPOILERS da temporada.

A narrativa começa com Piper (Taylor Schilling) tentando se adaptar à vida fora da cadeia e com a distância de seu relacionamento com Alex (Laura Prepon). Ao mesmo tempo, Taystee (Danielle Brooks) precisa lidar com o fato de que passará o resto da vida na prisão por um crime que não cometeu. Os primeiros episódios já deixam clara essa sensação de final, de que estamos diante do fechamento de um ciclo. Inclusive a série retoma personagens que tinham ficado de fora da temporada anterior, como Maritza (Diane Guerrero) ou Sophia (Laverne Cox), justamente para dar um encerramento à jornada dessas pessoas.

Além de mirar suas críticas ao sistema prisional, essa temporada também fala sobre os centros de detenção para imigrantes e como eles são ainda mais desumanos que as prisões, negando até os direitos mais básicos para as detentas, que na maioria nem são criminosas. O modo como o Estado aposta na ignorância das pessoas para fazer o que bem entende com elas, além da desumanidade de colocar crianças sozinhas diante de um tribunal sem advogado, como se os pequenos fossem capazes de compreender o que está acontecendo com eles. Como em temporadas anteriores, a série examina as estruturas sociais que impedem a reintegração dos presos após a saída da prisão. No arco de Piper vemos como as exigências e custos exigidos de alguém em liberdade condicional tornam inviável que alguém consiga se restabelecer sozinha, sem ajuda.

A série exibe uma constante complexidade no tratamento dos seus personagens, evitando maniqueísmos simples e fazendo o esforço de tentar entender o que move a conduta daqueles sujeitos. Um exemplo é a denúncia de assédio contra Caputo (Nick Sandow), um personagem que sempre se mostrou disposto a agir de maneira correta, mas que claramente cometeu ações abusivas contra uma guarda. O arco ajuda a mostrar que mesmo as pessoas que tentam fazer algo positivo no mundo não são imunes a condutas tóxicas e Caputo demora a perceber o dano que causou.

Ao longo da temporada também vemos as múltiplas facetas da guarda McCollough (Emily Tarver), que inicialmente mostra um lado vulnerável e uma boa índole a despeito de fazer Alex vender carregadores de celular para as presas, mas conforme desenvolve um afeto por Alex e percebe não ser correspondida, toma medidas repreensíveis para sabotar a relação de Alex e Piper. É difícil, no entanto, detestá-la por completo, já que sabemos tudo que ela passou, do seu senso de isolamento e desamparo.

Esse é o maior mérito da série, de nunca colocar suas personagens em “caixinhas” fechadas, de colocar o público para ver o mundo sob o olhar de cada uma delas e ser capaz de se colocar em seus lugares, percebendo essas pessoas como seres humanos complexos. Essa complexidade também serve para mostrar o quanto as personagens evoluíram e se transformaram ao longo da série. Se nas primeiras temporadas vimos Figueroa (Alysia Reiner) como uma megera sem coração, aqui a vemos se sensibilizar com os problemas das imigrantes. Suzanne (Uzo Aduba) mostra que conseguiu amadurecer ao longo dos sete anos em que a acompanhamos e demonstra mais estabilidade emocional. Por outro lado, Daya (Dascha Polanco) que começou como uma garota ingênua e cheia de perspectivas para o futuro, se tornou uma viciada violenta que não se importa com mais ninguém.

A estrutura de flashbacks ajuda a contextualizar a motivação das personagens, como os que mostram o passado de Morello (Yael Stone) e a possível razão dela viver em constante negação da realidade, o fato de ter destruído algo que valorizava tanto. Do mesmo modo, entendemos que o comportamento aparentemente errático de Red (Kate Mulgrew) tem relação com seu passado. O arco de Red também reforça e consolida a relação de mãe e filha entre ela e Nicky (Natasha Lyonne), com Nicky eventualmente assumindo o mesmo posto de Red.

Eu tenho um fraco por narrativas cíclicas, cujo fim, de algum modo, remete ao começo, e esta última temporada de Orange is The New Black constantemente entrega desfechos dessa natureza ao longo de seus episódios ou para a jornada de suas personagens. Se Gloria (Selenis Leyva) prejudicou Ruiz (Jessica Pimentel) com seu testemunho em temporadas anteriores, agora ela tem a chance de reparar isso ao assumir a própria culpa quando o grupo da cozinha é pego com um celular. No decimo episódio uma das primeiras cenas mostra um flashback de Alex em uma estação de metrô na qual um diálogo com uma antiga namorada serve como o início da crise no relacionamento das duas. Já no final do mesmo episódio, Piper recebe uma ligação telefônica que simboliza um início na crise do relacionamento dela com Alex, como se a história se repetisse.

A série também é eficiente em comunicar os estados de ânimo e relações entre as personagens sem precisar recorrer a diálogos. Vemos isso muitas vezes no arco de Ward (Susan Heyward), como sua decisão de alisar o cabelo após se tornar diretora da prisão, como se ela tivesse feito aquilo para poder ser levada à sério pelos chefes brancos (Linda, por exemplo, insistia em querer tocar o cabelo crespo da personagem). Do mesmo modo, quando Ward vai conversar com Taystee no episódio final, a decisão de Ward em abrir o zíper da jaqueta que usava para sentar e conversar com Taystee simboliza a abertura de Ward para falar com a antiga amiga, como se ela metaforicamente se despisse de suas defesas e de sua posição de autoridade para falar com Taystee no mesmo patamar.

A música também é usada para falar sobre as personagens e seus estados de ânimo. Um dos melhores exemplos é a longa sequência de montagem ao final do décimo primeiro episódio ao som da versão de Gaby Moreno da famosa canção de Cucurrucu Paloma (cuja versão de Caetano Velloso já foi usada em filmes como Fale com Ela e Moonlight). É uma canção lamuriosa sobre perda de amor, alienação de afeto ou paixões não realizadas e a montagem vai passando por personagens nessa exata situação. Piper percebe que está em uma encruzilhada em sua relação à distância com Alex, Nicky tenta fazer Morello encarar a perda do filho, Figueroa decide não ter filhos, Shani (Marie Lou Nahas) e Karla (Karina Arroyave) são deportadas, colocando um fim abrupto na relação entre Shani e Nicky bem como na tentativa de Karla em reaver a guarda dos filhos. A música acaba servindo como “costura” temática para que montagem passeie por essas diferentes personagens, comunicando todo o sentimento que elas estão passando.

Como de costume, a série consegue equilibrar todo esse drama com uma boa dose de comédia, como o arco envolvendo Suzanne cuidando de um grupo de galinhas, os guardas tentando soar durões ao interrogarem as detentas da cozinha sobre o celular que encontraram ou o grupo de mães hipsters da cunhada de Piper. Diferentes do que aconteceu nas duas últimas temporadas da série no qual o aspecto cômico parecia deslocado ou não conseguia se encaixar no resto das tramas, aqui eles, mesmo o aparentemente inconsequente arco das galinhas, dialoga e impacta as tramas das outras personagens de maneira significativa.

Sim, o “quadrado amoroso” da trama de Piper é relativamente previsível tanto em seu desenvolvimento quanto conclusão, no entanto, ao menos consegue mostrar o quanto Piper conseguiu aprender com os próprios erros. O elo fraco fica com o arco de Cindy (Adrienne C. Moore) já que fica um pouco difícil de acreditar que ela conseguiria se manter em liberdade condicional morando na rua e sem endereço fixo, mas acaba sendo um problema menor em uma temporada cheia de acertos.

O episódio final é bastante competente em celebrar tudo que tornou a série tão especial, do afeto que tem com suas personagens, às suas críticas ao sistema prisional, dando desfechos coerentes, mesmo que nem sempre felizes, com as jornadas que construiu até aqui. É agridoce, cheio de riso e tristeza, de dor e de afeto, de desamparo e de esperança. Como a vida e como cada um de nós, a série traz em si multidões, traz a complexidade da experiência humana em tudo de melhor e de pior que ela pode oferecer. Traz o sentimento de que vivemos em um mundo duro e desigual, mas a esperança de que não devemos desistir de lutar para transformá-lo em algo melhor. Traz a dor de perdermos aqueles próximos a nós por razões injustas e a felicidade de vermos o triunfo daqueles pelos quais torcemos.

O desfecho da sétima temporada Orange is the New Black é daqueles que nos deixa imensamente satisfeitos por sua competência e respeito com o próprio legado, mas tristes por nos fazer nos despedir de um universo e personagens tão ricas.

Nota: 9/10


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