Depois de duas
temporadas abaixo do alto padrão da série (a quarta foi a última
verdadeiramente excelente), Orange is the New Black chega à sua sétima e
última temporada com a missão de retomar seus melhores dias e encerrar dezenas
de histórias desenvolvidas ao longo de seus sete anos. Aviso que todo o texto a
seguir contem SPOILERS da temporada.
A narrativa
começa com Piper (Taylor Schilling) tentando se adaptar à vida fora da cadeia e
com a distância de seu relacionamento com Alex (Laura Prepon). Ao mesmo tempo,
Taystee (Danielle Brooks) precisa lidar com o fato de que passará o resto da
vida na prisão por um crime que não cometeu. Os primeiros episódios já deixam
clara essa sensação de final, de que estamos diante do fechamento de um ciclo.
Inclusive a série retoma personagens que tinham ficado de fora da temporada
anterior, como Maritza (Diane Guerrero) ou Sophia (Laverne Cox), justamente para
dar um encerramento à jornada dessas pessoas.
Além de mirar
suas críticas ao sistema prisional, essa temporada também fala sobre os centros
de detenção para imigrantes e como eles são ainda mais desumanos que as
prisões, negando até os direitos mais básicos para as detentas, que na maioria
nem são criminosas. O modo como o Estado aposta na ignorância das pessoas para fazer
o que bem entende com elas, além da desumanidade de colocar crianças sozinhas
diante de um tribunal sem advogado, como se os pequenos fossem capazes de
compreender o que está acontecendo com eles. Como em temporadas anteriores, a
série examina as estruturas sociais que impedem a reintegração dos presos após
a saída da prisão. No arco de Piper vemos como as exigências e custos exigidos
de alguém em liberdade condicional tornam inviável que alguém consiga se
restabelecer sozinha, sem ajuda.
A série exibe
uma constante complexidade no tratamento dos seus personagens, evitando
maniqueísmos simples e fazendo o esforço de tentar entender o que move a
conduta daqueles sujeitos. Um exemplo é a denúncia de assédio contra Caputo
(Nick Sandow), um personagem que sempre se mostrou disposto a agir de maneira
correta, mas que claramente cometeu ações abusivas contra uma guarda. O arco
ajuda a mostrar que mesmo as pessoas que tentam fazer algo positivo no mundo
não são imunes a condutas tóxicas e Caputo demora a perceber o dano que causou.
Ao longo da
temporada também vemos as múltiplas facetas da guarda McCollough (Emily
Tarver), que inicialmente mostra um lado vulnerável e uma boa índole a despeito
de fazer Alex vender carregadores de celular para as presas, mas conforme
desenvolve um afeto por Alex e percebe não ser correspondida, toma medidas
repreensíveis para sabotar a relação de Alex e Piper. É difícil, no entanto,
detestá-la por completo, já que sabemos tudo que ela passou, do seu senso de
isolamento e desamparo.
Esse é o maior
mérito da série, de nunca colocar suas personagens em “caixinhas” fechadas, de
colocar o público para ver o mundo sob o olhar de cada uma delas e ser capaz de
se colocar em seus lugares, percebendo essas pessoas como seres humanos
complexos. Essa complexidade também serve para mostrar o quanto as personagens
evoluíram e se transformaram ao longo da série. Se nas primeiras temporadas
vimos Figueroa (Alysia Reiner) como uma megera sem coração, aqui a vemos se
sensibilizar com os problemas das imigrantes. Suzanne (Uzo Aduba) mostra que
conseguiu amadurecer ao longo dos sete anos em que a acompanhamos e demonstra
mais estabilidade emocional. Por outro lado, Daya (Dascha Polanco) que começou
como uma garota ingênua e cheia de perspectivas para o futuro, se tornou uma
viciada violenta que não se importa com mais ninguém.
A estrutura de flashbacks
ajuda a contextualizar a motivação das personagens, como os que mostram o
passado de Morello (Yael Stone) e a possível razão dela viver em constante
negação da realidade, o fato de ter destruído algo que valorizava tanto. Do
mesmo modo, entendemos que o comportamento aparentemente errático de Red (Kate
Mulgrew) tem relação com seu passado. O arco de Red também reforça e consolida
a relação de mãe e filha entre ela e Nicky (Natasha Lyonne), com Nicky
eventualmente assumindo o mesmo posto de Red.
Eu tenho um
fraco por narrativas cíclicas, cujo fim, de algum modo, remete ao começo, e
esta última temporada de Orange is The
New Black constantemente entrega desfechos dessa natureza ao longo de seus
episódios ou para a jornada de suas personagens. Se Gloria (Selenis Leyva)
prejudicou Ruiz (Jessica Pimentel) com seu testemunho em temporadas anteriores,
agora ela tem a chance de reparar isso ao assumir a própria culpa quando o
grupo da cozinha é pego com um celular. No decimo episódio uma das primeiras
cenas mostra um flashback de Alex em
uma estação de metrô na qual um diálogo com uma antiga namorada serve como o
início da crise no relacionamento das duas. Já no final do mesmo episódio,
Piper recebe uma ligação telefônica que simboliza um início na crise do
relacionamento dela com Alex, como se a história se repetisse.
A série também é
eficiente em comunicar os estados de ânimo e relações entre as personagens sem
precisar recorrer a diálogos. Vemos isso muitas vezes no arco de Ward (Susan
Heyward), como sua decisão de alisar o cabelo após se tornar diretora da prisão,
como se ela tivesse feito aquilo para poder ser levada à sério pelos chefes
brancos (Linda, por exemplo, insistia em querer tocar o cabelo crespo da
personagem). Do mesmo modo, quando Ward vai conversar com Taystee no episódio
final, a decisão de Ward em abrir o zíper da jaqueta que usava para sentar e
conversar com Taystee simboliza a abertura de Ward para falar com a antiga
amiga, como se ela metaforicamente se despisse de suas defesas e de sua posição
de autoridade para falar com Taystee no mesmo patamar.
A música também
é usada para falar sobre as personagens e seus estados de ânimo. Um dos
melhores exemplos é a longa sequência de montagem ao final do décimo primeiro
episódio ao som da versão de Gaby Moreno da famosa canção de Cucurrucu Paloma (cuja versão de Caetano
Velloso já foi usada em filmes como Fale
com Ela e Moonlight). É uma
canção lamuriosa sobre perda de amor, alienação de afeto ou paixões não
realizadas e a montagem vai passando por personagens nessa exata situação.
Piper percebe que está em uma encruzilhada em sua relação à distância com Alex,
Nicky tenta fazer Morello encarar a perda do filho, Figueroa decide não ter
filhos, Shani (Marie Lou Nahas) e Karla (Karina Arroyave) são deportadas,
colocando um fim abrupto na relação entre Shani e Nicky bem como na tentativa
de Karla em reaver a guarda dos filhos. A música acaba servindo como “costura”
temática para que montagem passeie por essas diferentes personagens,
comunicando todo o sentimento que elas estão passando.
Como de costume,
a série consegue equilibrar todo esse drama com uma boa dose de comédia, como o
arco envolvendo Suzanne cuidando de um grupo de galinhas, os guardas tentando
soar durões ao interrogarem as detentas da cozinha sobre o celular que
encontraram ou o grupo de mães hipsters
da cunhada de Piper. Diferentes do que aconteceu nas duas últimas temporadas da
série no qual o aspecto cômico parecia deslocado ou não conseguia se encaixar
no resto das tramas, aqui eles, mesmo o aparentemente inconsequente arco das
galinhas, dialoga e impacta as tramas das outras personagens de maneira
significativa.
Sim, o “quadrado
amoroso” da trama de Piper é relativamente previsível tanto em seu
desenvolvimento quanto conclusão, no entanto, ao menos consegue mostrar o
quanto Piper conseguiu aprender com os próprios erros. O elo fraco fica com o
arco de Cindy (Adrienne C. Moore) já que fica um pouco difícil de acreditar que
ela conseguiria se manter em liberdade condicional morando na rua e sem
endereço fixo, mas acaba sendo um problema menor em uma temporada cheia de
acertos.
O episódio final
é bastante competente em celebrar tudo que tornou a série tão especial, do
afeto que tem com suas personagens, às suas críticas ao sistema prisional,
dando desfechos coerentes, mesmo que nem sempre felizes, com as jornadas que
construiu até aqui. É agridoce, cheio de riso e tristeza, de dor e de afeto, de
desamparo e de esperança. Como a vida e como cada um de nós, a série traz em si
multidões, traz a complexidade da experiência humana em tudo de melhor e de
pior que ela pode oferecer. Traz o sentimento de que vivemos em um mundo duro e
desigual, mas a esperança de que não devemos desistir de lutar para
transformá-lo em algo melhor. Traz a dor de perdermos aqueles próximos a nós
por razões injustas e a felicidade de vermos o triunfo daqueles pelos quais
torcemos.
O desfecho da
sétima temporada Orange is the New Black é
daqueles que nos deixa imensamente satisfeitos por sua competência e respeito
com o próprio legado, mas tristes por nos fazer nos despedir de um universo e
personagens tão ricas.
Nota: 9/10
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