Depois de uma competente segunda temporada, Stranger Things retorna para a sua
terceira depois de um hiato de um ano e esse intervalo parece ter feito muito
bem à série, entregando uma temporada concisa, sem problemas de ritmo, que
talvez seja a melhor até aqui.
A narrativa começa cerca de um ano depois da temporada
anterior. Os garotos estão de férias, Mike (Finn Wolfhard) e Onze (Millie Bobby
Brown) estão namorando e não desgrudam um do outro. Lucas (Caleb McLaughlin) e
Max (Sadie Sink) também estão namorando, o que deixa Will (Noah Schnapp)
frustrado por não ter mais seus amigos por perto. Dustin (Gaten Matarazzo)
retorna a Hawkins depois de uma viagem dizendo que também arrumou uma namorada,
mas ninguém acredita nele. Ao mesmo tempo, russos constroem uma base
subterrânea no local em que Onze fechou o portal para o Mundo Invertido na
temporada anterior e tentam reabri-lo, liberando o Devorador de Mentes no nosso
mundo. Depois de se ferir em um acidente de carro, Billy (Dacre Montgomery)
acaba sendo dominado pelo Devorador e é usado como peão nos planos da criatura
para destruir Onze e abrir definitivamente o portal para o nosso mundo.
Desde o início a temporada deixa claro o amadurecimento dos
protagonistas, que agora estão namorando ou tem empregos. Do mesmo modo, seus
pais, em especial Hopper (David Harbour), tem dificuldade de lidar com o fato
de que os filhos estão crescidos e já tem outros interesses. Assim como na
temporada anterior, o roteiro é esperto o bastante para explorar esses
personagens dando a eles jornadas que os colocam em contato com pessoas com as
quais eles tinham interagido pouco. Se na temporada anterior a amizade entre
Dustin e Steve (Joe Keery) foi a grande surpresa, aqui é explorada a relação
entre Max e Onze que pouco tinham interagido no ano anterior.
Como Max é a única menina da mesma idade que Onze conhece (e
que sabe de toda a história entre ela e Mike), a paranormal acaba se apoiando
em Max como confidente da relação entre Onze e Mike. Esse arco não só
desenvolve a amizade entre as duas, como também serve para mostrar a
superproteção de Mike e Hopper em relação a Onze, que praticamente alienavam a
menina do resto do mundo sob o pretexto de protegê-la, atrapalhando seu
desenvolvimento.
Considerando o quão adorável foi a amizade entre Dustin e
Steve na temporada anterior, era inevitável que isso não fosse explorado aqui.
Ao invés de meramente repetir o que deu certo, no entanto, a dinâmica entre os
dois é transformada pela inserção de duas outras personagens. Uma delas é Robin
(Maya Hawke, filha dos atores Ethan Hawke e Uma Thurman) que trabalha com Steve
na mesma sorveteria. Robin serve para chamar a atenção para a futilidade de
Steve e o quanto ele era um péssimo sujeito na época de colégio, ajudando o
personagem a perceber a própria imaturidade. Isso, no entanto, não significa
que Robin seja uma personagem subalterna, já que ela tem seus próprios
problemas a lidar, aos poucos assumindo que sua fachada de sarcasmo é um
mecanismo de defesa.
Outro elemento inserido na relação entre Dustin e Steve é
Erica (Phiah Ferguson), a irmã de Lucas que tinha aparecido brevemente na
temporada anterior. Aqui, Dustin acaba chamando atenção de Erica para a
inerente nerdice da menina, aos poucos se transformando em um “mentor nerd” da
garota. Quem também tem mais destaque que na temporada anterior é Billy, que
agora tem uma função mais clara na trama como antagonista. Apesar de passar boa
parte do tempo dominado pelo Devorador de Mentes, ainda assim a trama faz um
esforço de tentar compreender o personagem e como ele se tornou o valentão que
conhecemos, inclusive dando a ele uma chance de redenção.
A presença dos russos e do exército de pessoas controladas
pelo Devorador de Mentes ajuda a dar um senso de perigo constante e tensão
crescente que faltava um pouco na segunda temporada, em parte porque alguns
episódios acabavam fazendo desvios (ainda que importantes para o
desenvolvimento de alguns personagens) da trama principal. A temporada também
serve para mostrar como a série criou um universo que se sustenta por conta
própria, para além da nostalgia, que aqui fica mais como um pano de fundo ou em
referências casuais como o agente russo que é comparado a Arnold Schwarzenegger
em O Exterminador do Futuro (1984).
Há também um senso agridoce de “fim da infância” permeando
toda a temporada. A série é competente em mostrar o quanto esses personagens
estão crescendo e amadurecendo, assim como exibe as inevitáveis transformações
e mudanças características dessa fase.
Afinal, crescer significa mudar, abrir mão de certas coisas,
escolher certos caminhos na vida que nos afastam dos amigos ou conhecidos que
são tão importantes e tudo isso é normal e saudável. O final é certeiro em
construir esse misto de felicidade e melancolia em reconhecer que nossas estão
mudando, que as coisas nunca mais serão as mesmas, mas, que ainda assim, todas
essas experiências foram válidas. Que dor, perda e distância são tão parte da
vida e importantes na nossa formação quanto alegria, amizade e vitória. É nesse
sentido que a série faz um bom uso da nostalgia, reconhecendo o valor de
celebrar o passado, a infância, as descobertas e o amadurecimento, mas
entendendo que tudo tem seu tempo, que esse olhar afetuoso para tudo que gostamos
não pode nos impedir de seguir em frente.
A terceira temporada de Stranger
Things é talvez a melhor da série até aqui, apresentando uma trama concisa
e focando no desenvolvimento dos personagens que conseguem tornar a série tão
marcante.
Nota: 9/10
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