Diferentes lugares do mundo, como Reino Unido, Brasil ou
Estados Unidos, tiveram seus últimos períodos eleitorais marcados pelo uso massivo
de rede sociais para engajar a população nas campanhas e um uso corrente de
conteúdos falsos (as infames fake news)
para tentar persuadir a população. Este Privacidade
Hackeada tenta analisar essa questão a partir do escândalo da Cambridge
Analytica, que trabalhou na votação do Brexit, fazendo campanha para a saída da
União Europeia, e na campanha de Donald Trump, em ambos os casos fazendo uso de
conteúdos falsos.
O documentário acompanha um grupo de pessoas afetadas pela
Cambridge. Um deles é David Carroll, professor que processou a Cambridge para
ter acesso aos dados dele que foram coletados pela empresa a partir de redes
sociais. O início é eficiente em argumentar como praticamente tudo que fazemos
no computador e com isso conseguem facilmente deduzir nosso comportamento e
hábitos, com esses dados sendo usados para criar anúncios publicitários
diretamente para cada pessoa.
Carroll argumenta que, por mais que esses dados sejam
colocados em empresas privadas como Facebook e Google, por eles conterem um
nível muito alto de informações pessoais que podem ser usadas “contra” nós de
modo a nos persuadir a fazer qualquer coisa. Sob este aspecto, o documentário
argumenta que os dados deveriam pertencer ao próprio usuário, para que
pudéssemos controlar nosso próprio fluxo de informação e saber o que está sendo
usado. Assim, o direito aos dados seria parte dos direitos humanos.
Toda essa parte da coleta de dados e necessidade de controle
é quando o filme melhor expõe seus argumentos, já que quando o documentário
entra no escândalo da Cambridge Analytica, prefere escolher os pontos menos
frutíferos para atacar a questão. Todo o caso da Cambridge é extremamente
escandaloso por expor o modo como as redes sociais mapeiam nossos afetos, medos
e anseios e permitem que empresas privadas usem isso contra nós. O problema,
neste documentário, são as escolhas que o filme faz a respeito do que é mais
problemático nesse caso.
O filme explica como a Cambridge está ligada a figuras de
extrema-direita que tem uma agenda política calcada em discurso de ódio e
preconceito. Esses discursos são logicamente graves, mas as ações da Cambridge
Analytica seriam problemáticas mesmo que a empresa estivesse a serviço de uma
agenda de centro-direita, centro-esquerda, extrema-direita ou em qualquer outro
ponto do espectro político.
O cerne do problema também não está no fato, embora isso
também seja claramente um problema, de que grandes figuras da Cambridge tem
vidas escusas e ligação com crimes digitais. Ao entrar nessa abordagem, o filme
se perde em teorias conspiratórias sobre hackers,
governo russo e Wikileaks que nunca consegue levar além de mera especulação
(não que eu não pense que haja alguma verdade nisso tudo, mas o filme não nos
dá muito para convencer), fazendo tudo parecer uma perda de tempo por sua pouca
concretude.
O verdadeiro problema das ações da Cambridge é que todos os
dados coletados, toda a publicidade de campanha persuasiva, foi feita em cima
de informações categoricamente falsas. As pessoas foram persuadidas a votar em
favor do Brexit, por exemplo, por publicidades que davam dados falsos sobre o
orçamento do país em relação à UE, fazendo os eleitores comprarem gato por
lebre. É nesse sentido que ações como a da Cambridge “quebram” a democracia,
porque criam realidades falsas e tiram a capacidade de avaliar adequadamente as
propostas para o país, remove a possibilidade de tomar decisões devidamente
informadas. Esse, no entanto, acaba sendo o aspecto do problema que o
documentário dedica a menor quantidade de tempo. Ao invés disso gasta um bom
tempo falando como as pessoas são manipuladas, adotando uma postura antiquada
de que a espectatorialidade é um ato completamente passivo, quando não é.
Muitas das pessoas que acreditam nesse conteúdo falso não o
fazem necessariamente por serem indivíduos tolos, de baixa capacidade crítica e
facilmente ludibriáveis. Muitos acreditam também porque esses conteúdos valiam
suas próprias opiniões e pontos de vista, então o espectador dá credibilidade a
esse conteúdo, mesmo que a publicidade não encontre qualquer eco de verdade no
mundo empírico.
Desta maneira, embora seja eficiente em explicar como
funciona o assustador mecanismo de coleta e análise de dados, Privacidade Hackeada acaba deixando a
desejar na crítica que faz da situação, ficando muito à margem de alguns dos
problemas mais sérios.
Nota: 6/10
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