Em uma determinada cena da minissérie Inacreditável um personagem fala que ninguém duvida de uma vítima
de assalto quando ela denuncia o crime, mas que quase todo mundo põe em dúvida
o testemunho de uma vítima de estupro. Essa inversão de valores nos casos de
estupro, culpabilizando e questionando a vítima ao invés do criminoso, está no
cerne da minissérie.
A trama é baseada em uma história real e segue Marie
(Kaitlyn Dever, de Fora de Série),
uma jovem que cresceu em lares adotivos e que finalmente está morando sozinha.
Um dia ela tem o apartamento invadido, é amarrada e estuprada durante horas e,
quando o estuprador finalmente vai embora, ela chama a polícia. Como o detetive
Parker (Eric Lange) não encontra nenhuma evidência física da presença de alguém
no apartamento de Marie e a garota apresenta algumas inconsistências em seu
testemunho, provavelmente fruto de memórias embaralhadas pelo trauma, o
policial decide que Marie está mentindo e pede que ela retire a queixa,
ameaçando-a com um processo criminal de denunciação caluniosa. Ao mesmo tempo,
em outro estado, as policiais Karen (Merritt Weaver) e Grace (Toni Colette)
começam a perceber padrões similares em estupros na região, padrão que se
encaixa no que aconteceu com Marie, e suspeitam de um estuprador em série
agindo pelo país.
O primeiro episódio mostra todo o processo pelo qual Marie
passa depois de denunciar o estupro, sendo interrogada por vários policiais,
passando por exames de corpo de delito e cada etapa do processo revivendo o
trauma ainda fresco. Isso fica evidente conforme a trama insere pequenos flashes do cativeiro de Marie conforme
ela fala, denotando o quanto as marcas emocionais ainda estão presentes nela.
O segundo episódio faz uma clara oposição entre o tratamento
que Marie recebe da polícia de sua cidade e o tratamento que Karen dá a uma
vítima que interroga. Enquanto Marie parecia estar sendo julgada, medida,
avaliada e questionada pela polícia como se ela própria fosse uma suspeita,
Karen oferece uma empatia irrestrita à vítima, explicando todo o processo de
exames pelos quais irá passar, acompanhando a garota em todo o procedimento e
preocupada se a jovem terá algum apoio para lidar com o trauma.
A narrativa se desenvolve alternando entre a investigação
das duas policiais e a vida de Marie após ser indiciada por mentir para a polícia.
Marie tem sua vida devastada, incapaz de se manter no emprego, perdendo amigos
e sofrendo bullying virtual por sua
suposta mentira, além de viver na constante dúvida sobre o que aconteceu,
tentando entender se tudo foi um pesadelo ou se foi real. É um duro lembrete do
que acontece quando não ouvimos as vítimas e de como por em questão esse tipo
de relato é praticamente um segundo ato de violência contra essas pessoas.
Kaitlyn Dever se mostra bastante eficiente em construir o desamparo de Marie,
apresentando um olhar perdido, à deriva, denotando o senso de solidão e
sobrecarga mental da personagem.
Já a trama investigativa se benéfica da complexidade que
Merritt Weaver e Toni Colette dão às suas duas detetives. Ambas são duronas e
já aprenderam a transitar por um ambiente profissional predominantemente
masculino, mas Karen ainda se mostra mais otimista e idealista em contraste com
o desencanto e pragmatismo de Grace. É a típica dupla de personalidades opostas
que aos poucos vai forjando uma amizade significativa, mas funciona pela força
que Weaver e Colette trazem às suas personagens.
O texto ainda acerta em não demonizar o detetive Parker pela
injustiça que comete com Marie, mostrando o desespero e arrependimento do
policial ao descobrir que estava completamente errado sobre a garota. Seria
fácil transformá-lo em um misógino insensível que negaria o erro mesmo diante
de evidências concretas, mas o texto prefere demonstrar como a conduta dele se
encaixa em uma infraestrutura maior de machismo e culpabilização das vítimas,
na qual mesmo uma pessoa aparentemente bem intencionada pode cometer uma ação
tão vil.
Desta maneira, Inacreditável
apresenta uma envolvente mistura entre drama e suspense que mostra as duras
consequências de duvidar das vítimas de violência sexual.
Nota: 8/10
Nenhum comentário:
Postar um comentário