Apesar do título, Ford
vs Ferrari é menos focado nas duas empresas e mais na amizade de seus dois
protagonistas. É uma decisão esperta, já que eles são os mais interessantes da
trama e a questão da duas empresas acaba servindo como mero pano de fundo para
o percurso dos dois.
A trama, baseada em uma história real, é centrada em Carroll
Shelby (Matt Damon), o primeiro estadunidense a vencer as 24 Horas de Le Mans,
uma das mais difíceis do automobilismo. Depois da prova, ele se aposenta de
pilotar por conta de um problema no coração e se torna vendedor de carros
esportivos, iniciando também sua equipe de automobilismo tendo como principal
piloto o genioso Ken Miles (Christian Bale). Carroll é procurado pelo executivo
Lee Iacocca (Jon Bernthal) da montadora Ford, Lee quer que Carroll inicie uma
equipe para a Ford para poder ganhar as 24 Horas de Le Mans e desafiar a
supremacia da italiana Ferrari, que venceu a prova por cinco anos seguidos.
Para um filme cujo título se refere a duas grandes empresas,
não deixa de ser curioso que a Ferrari mal aparece e seu dono, Enzo Ferrari
(Remo Girone), é reduzido ao clichê do europeu esnobe, muitas vezes caindo para
o caricato e soando como um vilão de comédia adolescente dos anos oitenta.
Filmes sobre rivalidades normalmente tentam entender os dois lados e o que os
impele a essa disputa, mas o presente não faz isso. Ao invés desse esforço de
dar nuance aos envolvidos, prefere reduzir tudo a um discurso patriótico ufanista
rasteiro dos Estados Unidos quererem mostrar sua soberania.
Preciso, no entanto, ser justo e dizer que os executivos da
Ford não são exatamente mais fáceis de torcer. O Henry Ford II (Tracy Letts) é
meramente um bufão ególatra que quer sair da sombra do avô (a despeito do ótimo trabalho de Letts como o personagem) e o executivo Leo
Beebe (Josh Lucas) é uma caricatura de burocrata sem escrúpulos, servindo
apenas de obstáculo para dois protagonistas. Já o personagem de Jon Bernthal
acaba sendo um mero figurante de luxo, tendo pouca importância na trama. Assim,
Ken e Carroll passam tanto tempo brigando com a própria Ford quanto focados em
superar a Ferrari e só por conta dos dois que nos importamos com essa disputa
corporativa.
Matt Damon e Christian Bale são ótimos em construir a
complicada amizade entre Shelby e Ken, homens com personalidades opostas que
constantemente entram em conflito, mas que respeitam o talento um do outro e
entendem como suas habilidades se complementam. É por conta dessa dinâmica
genuína de afeto e animosidade que o filme funciona, inclusive encontrando
alguns bons momentos de humor. Aos dois somam-se Noah Jupe e Caitriona Balfe (a
Claire da série Outlander) como Peter
e Mollie, o filho e esposa de Ken e embora ambos tenham papéis secundários,
ambos ajudam a dar humanidade tanto a Ken quanto a Shelby. Uma das cenas mais
divertidas do filme envolve Mollie puxando uma cadeira e se sentando para
assistir Shelby e Ken protagonizando a briga masculina mais vergonhosa do
cinema desde O Diário de Bridget Jones (2001).
Outro ponto positivo são as cenas de corrida, eficientes em
ilustrar a sensação de velocidade e perigo experimentadas pelos pilotos, bem
como a atmosfera abafada e claustrofóbica de estar dentro de um automóvel por
horas a fio naquelas longas provas de resistência. É uma pena, no entanto, que
os personagens da Ferrari são tão ausentes e superficiais que quando chegamos
na corrida final as tentativas de criar tensão entre Ken e o piloto da Ferrari
não funcionam porque nunca vimos o sujeito antes, não sabemos nada a seu
respeito e assim o roteiro solicita um investimento emocional que nunca foi
devidamente construído.
Se muito da narrativa é apoiada no ufanismo de ver os EUA
superando outros países e provando sua supremacia, o melancólico final aponta
para outras questões que o material não trata com o devido cuidado. O desfecho
de Ken mostra o modo como grandes corporações mastigam e cospem fora seus
funcionários, mas ao invés disso o filme prefere apenas celebrar o amor que Ken
e Shelby tinham pelo automobilismo.
Assim, Ford vs Ferrari
vale pela dupla de protagonistas e pelas cenas de corrida, mas falta nuance
para criar um senso de rivalidade verdadeiramente complexo como aconteceu no
excelente Rush: No Limite da Emoção (2013).
Nota: 6/10
Trailer
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