O final da quarta temporada de Better Call Saul mostrava Jimmy (Bob
Odenkirk) assumindo o nome de Saul Goodman e uma reação perplexa de Kim (Rhea
Seehorn) indicava que a relação dos dois seria testada nesta temporada. É
exatamente isso que acontece ao longo do quinto e penúltimo ano de Better Call Saul conforme Jimmy se
sedimenta como um advogado de criminosos passando a trabalhar para os cartéis
de drogas, a começar por Lalo Salamanca (Tony Dalton).
Se na temporada anterior haviam
alguns problemas de ritmo pelo fato das tramas de Jimmy não terem nenhuma
relação com as tramas de Mike (Jonathan Banks), aqui as coisas fluem muito
melhor já que o fato de Saul estar trabalhando para Lalo acaba por envolvê-lo
nos planos de Gus (Giancarlo Esposito) para derrubar os Salamanca. Ao mesmo
tempo, o trabalho de Kim para um grande banco a coloca diante de alguns dilemas
morais que a fazem reavaliar suas prioridades como advogada.
Como eu já falei em um texto sobre o quarto episódio desta temporada, um dos melhores atributos da série é como ela consegue
dizer muito sobre seus personagens sem precisar falar explicitamente. Através
da composição de planos, de simbologias ou do trabalho sutil de expressão
facial dos atores podemos perceber muito sobre o que está acontecendo ou o que
aquelas situações significam para aqueles personagens.
Um exemplo pode ser visto no
episódio do julgamento de Lalo. Jimmy se mostra claramente perturbado com a
presença no tribunal da família do homem morto por Lalo, no entanto ao perceber
que Lalo não parece nem um pouco afetado por aquilo, há uma breve hesitação em
Jimmy que denota o momento de realização de que está trabalhando para um
completo psicopata. Do mesmo modo, a explosão de Jimmy nesse mesmo episódio em
cima de Howard (Patrick Fabian), deixa claro que Jimmy está descontando no
antigo sócio do irmão toda a frustração e raiva de si mesmo por ter sido
cúmplice de Lalo e ajudado um criminoso realmente perigoso (ao invés dos
bandidinhos de quinta categoria que vinha defendendo) a se manter livre.
Assim como os exemplos que dei do quarto episódio, ao longo da temporada também temos vários outros momentos em
que um simples objeto diz muito sobre o que se passa internamente com um
personagem. No antepenúltimo episódio da temporada, Jimmy fica perdido no
deserto com Mike e eles precisam dormir ao relento. Mike oferece a Jimmy um dos
“cobertores espaciais” que levou consigo e Jimmy recusa para o estranhamento de
Mike, afinal estava bastante frio e o advogado não tinha proteção. No entanto,
a decisão de Jimmy faz muito sentido, esse tipo de cobertor era constantemente
usado por Chuck (Michael McKean), o falecido irmão de Jimmy. Naquele momento, o
cobertor oferecido por Mike funciona como um lembrete da culpa que Jimmy
carrega por ter destruído e irmão e também das constantes reprimendas que Chuck
fazia à ética questionável de Jimmy, avisando que isso lhe causaria problemas
e, bem, naquele momento Jimmy estava em sérios problemas.
A temporada volta a mencionar
Chuck no episódio final, quando Howard vai falar com Kim sobre as peças que
Jimmy lhe pregou ao longo dos últimos meses. A fala de Howard parece querer
avisar Kim que a influência de Jimmy pode prejudicá-la e Kim ri da presunção de
Howard, lembrando que ela conhece Jimmy melhor que ele. Howard apenas lembra
que Chuck também era muito próximo de Jimmy. A fala serve como um aviso da
influência corruptora de Jimmy e como viver no mundo do agora Saul Goodman pode
trazer uma série de riscos.
Durante a fala de Chuck
imaginamos que os riscos podem ser os cartéis ou Lalo. Mais adiante, porém,
vendo a empolgação de Kim em imaginar dar um golpe em Howard para que ela e
Jimmy consigam o dinheiro do processo da casa de repouso (uma trama iniciada lá
na primeira temporada e que mostra o quão bem amarrado é o universo da série),
fica a impressão de que é justamente o fato dela ficar cada vez mais parecida
com Jimmy que pode destruí-la, profissional ou fisicamente.
Sim, a habilidade de golpista de
Jimmy sempre exerceu uma certa atração em Kim e ela se mostrou disposta a usar
os talentos dele quando julgava ser justo. Agora, no entanto, Jimmy aponta que
os planos dela para Howard são severos demais, que algo assim não está na
natureza de Kim e que ela não conseguiria conviver com as consequências se
levasse o golpe adiante. Talvez Kim tenha convivido com Jimmy o suficiente para
absorver sua amoralidade e talvez seja isso, e não os clientes perigosos de
Jimmy, que a ponham em risco. Afinal, sabemos que em Breaking Bad Kim não faz parte da vida de Saul Goodman, então em
algum momento algo grave acontecerá para afastá-los.
Os perrengues vivenciados por
Jimmy em seu tempo perdido no deserto são ilustrados com certo senso de humor pelo
uso da tela dividida que mostra simultaneamente o que Jimmy e Kim estão
fazendo. Acompanhada pela canção Something
Stupid, que já tinha sido usada na temporada anterior para ilustrar a
oposição dos dois, vemos de um lado Kim beber água do filtro enquanto do outro
Jimmy bebe a própria urina. A própria escolha da canção (o título quer dizer
“algo estúpido”), que fala em gestos estúpidos que pessoas apaixonadas fazem,
está ali para denotar como a situação de ambos, em especial Jimmy, é fruto de
ações inconsequentes.
Como em outras temporadas, a
série também é excelente no manejo da tensão. Como em um western o tempo parece se dilatar quando temos a impressão de algo
vai dar errado e que a qualquer momento alguém pode dizer ou fazer algo que
explodirá a situação. Vemos isso na conversa que Nacho (Michael Mando) tem com
o pai em seu apartamento. Eles começam falando amenidades, mas sabemos que o
pai de Nacho conhece e não concorda com o estilo de vida do filho e que é
questão de tempo até que um conflito irrompa. É exatamente o que acontece
quando, no meio da conversa, Nacho é questionado pelo pai sobre uma oferta que
recebera sobre seu negócio, indagando se Nacho tinha alguma relação com aquilo.
O que parecia ser uma conversa tranquila subitamente torna-se uma dura
inquirição por parte do pai de Nacho.
Do mesmo modo, vemos isso também
em situações de confronto físico. O melhor exemplo é quando Mike resgata Jimmy
no deserto e acompanhamos toda a cena sob o ponto de vista de Jimmy, assustado,
tentando se proteger dos tiros e sem entender o que está acontecendo. Como nós
também não sabemos, somos colocados na mesma posição de tensão e incerteza que
o personagem experimenta. Outro momento particularmente é a discussão com Lalo
no apartamento de Jimmy e Kim. Os três discutem e se movem diante da janela que
é observada por Mike com um rifle de precisão, pronto a matar Lalo caso ele
tente alguma coisa, mas tem a mira bloqueada constantemente por Jimmy ou Kim.
Como sabemos da índole violenta de Lalo, tememos que a qualquer momento a
discussão verbal possa explodir em um tiroteio sangrento.
Conseguindo transitar melhor
entre os arcos de seus diferentes personagens, a quinta temporada de Better Call Saul entrega o melhor ano da
série até aqui conforme ela prepara terreno para seu desfecho na próxima
temporada.
Nota: 10/10
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