quarta-feira, 22 de abril de 2020

Crítica – Better Call Saul: 5ª Temporada

Análise Crítica – Better Call Saul: 5ª Temporada



Review – Better Call Saul: 5ª Temporada
O final da quarta temporada de Better Call Saul mostrava Jimmy (Bob Odenkirk) assumindo o nome de Saul Goodman e uma reação perplexa de Kim (Rhea Seehorn) indicava que a relação dos dois seria testada nesta temporada. É exatamente isso que acontece ao longo do quinto e penúltimo ano de Better Call Saul conforme Jimmy se sedimenta como um advogado de criminosos passando a trabalhar para os cartéis de drogas, a começar por Lalo Salamanca (Tony Dalton).

Se na temporada anterior haviam alguns problemas de ritmo pelo fato das tramas de Jimmy não terem nenhuma relação com as tramas de Mike (Jonathan Banks), aqui as coisas fluem muito melhor já que o fato de Saul estar trabalhando para Lalo acaba por envolvê-lo nos planos de Gus (Giancarlo Esposito) para derrubar os Salamanca. Ao mesmo tempo, o trabalho de Kim para um grande banco a coloca diante de alguns dilemas morais que a fazem reavaliar suas prioridades como advogada.

Como eu já falei em um texto sobre o quarto episódio desta temporada, um dos melhores atributos da série é como ela consegue dizer muito sobre seus personagens sem precisar falar explicitamente. Através da composição de planos, de simbologias ou do trabalho sutil de expressão facial dos atores podemos perceber muito sobre o que está acontecendo ou o que aquelas situações significam para aqueles personagens.


Um exemplo pode ser visto no episódio do julgamento de Lalo. Jimmy se mostra claramente perturbado com a presença no tribunal da família do homem morto por Lalo, no entanto ao perceber que Lalo não parece nem um pouco afetado por aquilo, há uma breve hesitação em Jimmy que denota o momento de realização de que está trabalhando para um completo psicopata. Do mesmo modo, a explosão de Jimmy nesse mesmo episódio em cima de Howard (Patrick Fabian), deixa claro que Jimmy está descontando no antigo sócio do irmão toda a frustração e raiva de si mesmo por ter sido cúmplice de Lalo e ajudado um criminoso realmente perigoso (ao invés dos bandidinhos de quinta categoria que vinha defendendo) a se manter livre.

Assim como os exemplos que dei do quarto episódio, ao longo da temporada também temos vários outros momentos em que um simples objeto diz muito sobre o que se passa internamente com um personagem. No antepenúltimo episódio da temporada, Jimmy fica perdido no deserto com Mike e eles precisam dormir ao relento. Mike oferece a Jimmy um dos “cobertores espaciais” que levou consigo e Jimmy recusa para o estranhamento de Mike, afinal estava bastante frio e o advogado não tinha proteção. No entanto, a decisão de Jimmy faz muito sentido, esse tipo de cobertor era constantemente usado por Chuck (Michael McKean), o falecido irmão de Jimmy. Naquele momento, o cobertor oferecido por Mike funciona como um lembrete da culpa que Jimmy carrega por ter destruído e irmão e também das constantes reprimendas que Chuck fazia à ética questionável de Jimmy, avisando que isso lhe causaria problemas e, bem, naquele momento Jimmy estava em sérios problemas.

A temporada volta a mencionar Chuck no episódio final, quando Howard vai falar com Kim sobre as peças que Jimmy lhe pregou ao longo dos últimos meses. A fala de Howard parece querer avisar Kim que a influência de Jimmy pode prejudicá-la e Kim ri da presunção de Howard, lembrando que ela conhece Jimmy melhor que ele. Howard apenas lembra que Chuck também era muito próximo de Jimmy. A fala serve como um aviso da influência corruptora de Jimmy e como viver no mundo do agora Saul Goodman pode trazer uma série de riscos.

Durante a fala de Chuck imaginamos que os riscos podem ser os cartéis ou Lalo. Mais adiante, porém, vendo a empolgação de Kim em imaginar dar um golpe em Howard para que ela e Jimmy consigam o dinheiro do processo da casa de repouso (uma trama iniciada lá na primeira temporada e que mostra o quão bem amarrado é o universo da série), fica a impressão de que é justamente o fato dela ficar cada vez mais parecida com Jimmy que pode destruí-la, profissional ou fisicamente.

Sim, a habilidade de golpista de Jimmy sempre exerceu uma certa atração em Kim e ela se mostrou disposta a usar os talentos dele quando julgava ser justo. Agora, no entanto, Jimmy aponta que os planos dela para Howard são severos demais, que algo assim não está na natureza de Kim e que ela não conseguiria conviver com as consequências se levasse o golpe adiante. Talvez Kim tenha convivido com Jimmy o suficiente para absorver sua amoralidade e talvez seja isso, e não os clientes perigosos de Jimmy, que a ponham em risco. Afinal, sabemos que em Breaking Bad Kim não faz parte da vida de Saul Goodman, então em algum momento algo grave acontecerá para afastá-los.

Os perrengues vivenciados por Jimmy em seu tempo perdido no deserto são ilustrados com certo senso de humor pelo uso da tela dividida que mostra simultaneamente o que Jimmy e Kim estão fazendo. Acompanhada pela canção Something Stupid, que já tinha sido usada na temporada anterior para ilustrar a oposição dos dois, vemos de um lado Kim beber água do filtro enquanto do outro Jimmy bebe a própria urina. A própria escolha da canção (o título quer dizer “algo estúpido”), que fala em gestos estúpidos que pessoas apaixonadas fazem, está ali para denotar como a situação de ambos, em especial Jimmy, é fruto de ações inconsequentes.

Como em outras temporadas, a série também é excelente no manejo da tensão. Como em um western o tempo parece se dilatar quando temos a impressão de algo vai dar errado e que a qualquer momento alguém pode dizer ou fazer algo que explodirá a situação. Vemos isso na conversa que Nacho (Michael Mando) tem com o pai em seu apartamento. Eles começam falando amenidades, mas sabemos que o pai de Nacho conhece e não concorda com o estilo de vida do filho e que é questão de tempo até que um conflito irrompa. É exatamente o que acontece quando, no meio da conversa, Nacho é questionado pelo pai sobre uma oferta que recebera sobre seu negócio, indagando se Nacho tinha alguma relação com aquilo. O que parecia ser uma conversa tranquila subitamente torna-se uma dura inquirição por parte do pai de Nacho.

Do mesmo modo, vemos isso também em situações de confronto físico. O melhor exemplo é quando Mike resgata Jimmy no deserto e acompanhamos toda a cena sob o ponto de vista de Jimmy, assustado, tentando se proteger dos tiros e sem entender o que está acontecendo. Como nós também não sabemos, somos colocados na mesma posição de tensão e incerteza que o personagem experimenta. Outro momento particularmente é a discussão com Lalo no apartamento de Jimmy e Kim. Os três discutem e se movem diante da janela que é observada por Mike com um rifle de precisão, pronto a matar Lalo caso ele tente alguma coisa, mas tem a mira bloqueada constantemente por Jimmy ou Kim. Como sabemos da índole violenta de Lalo, tememos que a qualquer momento a discussão verbal possa explodir em um tiroteio sangrento.

Conseguindo transitar melhor entre os arcos de seus diferentes personagens, a quinta temporada de Better Call Saul entrega o melhor ano da série até aqui conforme ela prepara terreno para seu desfecho na próxima temporada.


Nota: 10/10

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